EXAME Agro

A bilionária revolução do bem-estar animal beneficia a todos, da granja à mesa

Crescente exigência do consumidor por boas práticas no manejo com os animais provoca uma transformação na indústria de proteína

O princípio do programa de Bem-Estar Animal adotado pela Aurora Coop tem como regra basilar a tolerância zero a qualquer forma de maus-tratos (Leandro Fonseca/Exame)

O princípio do programa de Bem-Estar Animal adotado pela Aurora Coop tem como regra basilar a tolerância zero a qualquer forma de maus-tratos (Leandro Fonseca/Exame)

Publicado em 8 de agosto de 2025 às 13h22.

Última atualização em 8 de agosto de 2025 às 21h07.

Tudo sobreExame-sul
Saiba mais

Uma revolução silenciosa está em curso na indústria de proteína animal catarinense, elevando ainda mais a régua na já reconhecida qualidade dos alimentos produzidos pelo Brasil e exportados para os cinco continentes. A nova exigência do mercado, tanto no país quanto no exterior, passa pela adoção de protocolos com foco no bem-estar animal.

Além de saber a procedência, conhecer a forma como foi criado, tratado e transportado, até chegar à gôndola do supermercado, é fundamental para quase 73% dos consumidores, conforme a NSF (antiga National Sanitation Foundation), uma organização global sem fins lucrativos focada em saúde e segurança pública.

Um bom exemplo desta virada de chave pode ser conferido nos setores de carne em que Santa Catarina é referência, como segundo maior produtor e exportador de frangos, atrás apenas do Paraná, e líder na produção e exportação de suínos no país.

EXAME lança unidade no Sul e reforça o foco no empreendedorismo regional

No lugar do singelo poleiro, uma estrutura que mais parece um playground possibilita que os frangos possam desempenhar um dos comportamentos que é natural para as aves, como se empoleirar, enquanto crescem dentro do aviário, com rigoroso controle da ambiência.

Na creche destinada aos leitões, o piso é aquecido por um sistema de calefação, similar ao utilizado nas residências de inverno. No lugar do proprietário extenuado pelo trabalho braçal, uma geração de jovens que volta a viver no campo, com todo o controle da granja na palma da mão, por meio de aplicativos. A principal motivação para este retorno às origens está na rentabilidade da agroindústria, respondem sem hesitar.

Granja Granzotto Sgnaulin em SC: a estrutura permite que os animas possam desempenhar um dos comportamentos que é natural para as aves (Leandro Fonseca/Exame)

Sai de cena aquela velha imagem do produtor e nasce o conceito de empresário rural, como eles preferem se autodefinir. A diferença é que, ao invés do happy hour em meio à selva de pedra, a preferência é pelo chimarrão, desfrutando o silêncio e a paz do campo.

Trata-se do novo conceito de bem-estar único, que prevê qualidade de vida não somente para os animais de corte, mas também para quem mora no meio rural, aliando tecnologia, conexão em tempo real e automação, sem descuidar do meio ambiente. A remuneração líquida para as famílias associadas à cooperativa gira entre R$ 10 mil e R$ 15 mil por mês.

Aumento da produtividade em até 30%

O investimento em bem-estar animal, somado ao desenvolvimento genético, alimentação e valorização do produtor rural, se reflete em um resultado impensável há uma década para o setor: um aumento de até 30% na produtividade de carne, conforme estudos de certificadoras internacionais.

Um retrato desta transformação no campo, a partir da nova necessidade imposta pelo consumidor, pode ser conferido no Oeste Catarinense. Apenas a Aurora Coop já investiu cerca de R$ 1,4 bilhão em melhoria de processos para o bem-estar animal desde 2008, quando aderiu ao Programa Nacional de Abate Humanitário. Terceiro maior grupo agroindustrial de proteína animal do país, a cooperativa abate 1,3 milhão de frangos e 32 mil suínos por dia.

O investimento em boas práticas se reflete no balanço da cooperativa: a Aurora Coop registrou receita operacional bruta de R$ 24,9 bilhões em 2024, um crescimento de 14,2% em comparação ao ano anterior. Já a receita operacional líquida teve um incremento de 13,5%, fechando o ano passado com R$ 22,8 bilhões.

O princípio do programa de Bem-Estar Animal adotado pela Aurora Coop tem como regra basilar a tolerância zero a qualquer forma de maus-tratos, seja por negligência, seja por abuso no manejo dos animais.

Ela opera como a unidade central de uma rede composta por 14 cooperativas filiadas, distribuídas em quatro estados. A sede fica em Chapecó, cidade polo da região, mas é no interior dos pequenos municípios vizinhos, onde vive boa parte das 87 mil famílias que abastecem as fábricas de suínos e aves, que a verdadeira mágica acontece.

Em Caxambu do Sul, com cerca de 5 mil habitantes e a 31 quilômetros de Chapecó, a zootecnista extensionista, Suzane Todero, é a responsável da Aurora Coop pelo acompanhamento das boas práticas de produção adotadas, as quais incluem o monitoramento do bem-estar animal em 40 granjas de produção de aves.

Há pouco mais de cinco anos, relata, estas propriedades entregavam cerca de 1,3 milhão de frangos para o abate a cada 12 meses. Em 2025, somente no primeiro semestre, foram 2 milhões de aves fornecidas pelas mesmas 40 famílias. Com o pintinho recebendo os cuidados desde a chegada, com pouco mais de 24 horas de vida, o tempo até alcançar a idade para o abate, pesando cerca de 3 quilos, foi reduzido de 60 para 40 dias, em média.

“Ah, mas isto é graças aos hormônios que dão para os animais”, diria o hater das redes sociais, que posa de crítico à indústria de proteína animal por absoluto desconhecimento. Ledo engano. Todo o controle alimentar é determinado por extensa lista de normativas federais e fiscalizado pelos órgãos de defesa sanitária animal, com um rigoroso sistema de biossegurança, que garante a integridade dos processos e a segurança dos alimentos.

Também é importante, alertam os especialistas, que não se faça confusão entre o que se imagina como bem-estar para pets domesticados e o manejo empregado aos animais destinados à indústria de corte.

Bem-estar, neste caso, significa que, quanto mais o frango ou o suíno se desenvolver sem estresse, sem exposição a qualquer situação que provoque dor, menor será a mortalidade na criação e maior será a quantidade e a qualidade de carne extraída daquele animal. Atualmente, as perdas na etapa do crescimento de aves e suínos estão na faixa de 3,5%, um percentual considerado baixíssimo em relação a anos anteriores.

Cheque em branco ao produtor rural

Andrei Sgnaulin, de 29 anos, e Karina Granzotto, de 26, são um exemplo desta nova geração de associados à Aurora Coop. Casados há cinco anos, Andrei chegou a morar em Chapecó, onde iniciou uma graduação. Mas o convite de Karina para que assumissem a criação de frangos do pai dela, falou mais alto.

“Ele não gostava de mexer com aves no começo, porque sempre trabalhou com suínos, agora ele é apaixonado”, revela Karina, sem esconder o sorriso. Com dois aviários, que totalizam 3 mil metros quadrados, eles produzem cerca de 40 mil aves a cada lote. O custo para a construção de um aviário com cerca de 1,8 mil metros quadrados, para abrigar 25 mil frangos, gira em torno de R$ 2 milhões atualmente.

Andrei Sgnaulin e Karina Granzotto: o casal possui dois aviários na Granja Sgnaulin Granzotto, em Caxambu do Sul (Leandro Fonseca/Exame)

Para receber os pintos recém-nascidos, ele precisa manter um forno em funcionamento 24 horas, à base de lenha. A temperatura interna, quando chegam pesando cerca de 45 gramas, deve estar em torno de 32 °C. A ventilação, umidade do ar e até mesmo a alimentação são totalmente automatizados e podem ser controlados em tempo real por Andrei, que apresentou a propriedade à EXAME.

Depois da visita ao aviário, cercada de cuidados como o preenchimento de formulários e uso de roupa especial, o casal recebeu a equipe de reportagem para um café, com uma mesa recheada de biscoitos e doces variados, produzidos ali mesmo.

“A gente costuma dizer que, ao entregar o lote de frangos para o crescimento, estamos dando um cheque em branco ao produtor”, explica Suzane Todero, zootecnista extensionista, na Aurora Coop.

A fórmula para o pagamento ao produtor, após a entrega do lote para abate, passa por um cálculo que leva em conta o peso, mortalidade e conversão alimentar. Caso supere as metas estipuladas para aquele lote, o produtor já recebe um bônus no pagamento para cada unidade. Apesar de toda a tecnologia disponível, o olho do dono ainda faz a diferença.

Frigorífico da Aurora Coop, em Chapecó, abate 319 mil aves por dia, em uma indústria com 15 mil metros quadrados (Leandro Fonseca /Exame)

Para se ter uma ideia da complexidade logística no processo da agroindústria, a criação de Andrei e Karina em apenas um dos aviários, com cerca de 25 mil frangos, é suficiente para abastecer somente uma hora na linha de produção da unidade de Guatambu (FAG), que atualmente opera com o abate de aproximadamente 319 mil aves por dia, sendo a maior fábrica da América Latina, em uma área construída de 15 mil metros quadrados. O gerente-geral da planta, Gustavo Oscar Hoelscher, trabalha há mais de 20 anos na Aurora e começou na linha de produção, cortando aves.

“Nós costumamos brincar que frango não é parafuso”, conta, em referência aos mínimos fatores que podem provocar uma paralisação, mesmo que momentânea, na linha de produção. O conceito de produtividade adota os parâmetros da Indústria 4.0, com todos os processos contando com detalhado nível de monitoramento e automação. “Mesmo sendo uma das fábricas mais modernas do país, nosso foco e atenção precisam ser diários, porque trabalhamos com muitas variáveis”, comenta.

Gustavo Oscar Hoelscher (gerente da unidade de abate de frangos): "Nós costumamos brincar que frango não é parafuso" (Leandro Fonseca /Exame)

Largou a política para se dedicar aos suínos

Em São Carlos, município no ladinho da divisa com o Rio Grande do Sul e às margens do Rio Uruguai, o associado Ademar Brutscher, de 57 anos, trabalha com o fornecimento de suínos à Aurora. Atualmente, sua estrutura abriga 1,46 mil animais, que chegam com cerca de 23 quilos e são levados para a indústria com uma média de 138 quilos, após 100 dias de engorda.

Brutscher, que já foi o vereador mais votado do município, com quase 500 votos, deixou a vida política para se dedicar somente à propriedade. Atualmente, sua renda se dá com a entrega de três lotes por ano, sendo que apenas uma já é suficiente para pagar o financiamento com o banco, que foi investido na construção da área destinada aos suínos.

“Até mesmo meu filho Gabriel, nome que também batizei a granja, já está interessado em voltar a trabalhar aqui e ampliar nossa capacidade instalada, por conta dos resultados”, conta o produtor de origem polonesa e sorriso largo, que recebeu a equipe da EXAME com torresmo, chimarrão e bergamota (mexerica) colhida diretamente no pé.

Ademar João Brutscher: vereador mais votado do município, deixou a vida política para se dedicar somente à propriedade (Leandro Fonseca /Exame)

Tanto no caso dos suínos quanto aves, o momento de maior estresse para os animais é durante o transporte entre a granja e a unidade de abate, que dura, em média, de 4 a 6 horas. No caso dos suínos, por exemplo, o programa de bem-estar da Aurora investiu em um novo modelo de acessibilidade para os animais na hora do embarque e desembarque dos caminhões. Saiu de cena as velhas rampas com degraus em madeira, que prendiam as patas e poderiam provocar até fratura, e entrou uma rampa com um novo piso, que não é escorregadio, mas sem nenhum tipo de obstáculo para o animal.

“O cuidado que se tem atualmente com o bem-estar animal é um diferencial poucas vezes visto tanto na indústria brasileira quanto internacional”, assegura Wagner Travessini, veterinário responsável pelo controle da produção de suínos em São Carlos.

Procura por certificação cresce 100% 

A crescente demanda por alimentos com origem responsável tem provocado mudanças no setor de produção animal em todo o mundo. Uma pesquisa feita pela organização independente NSF, em março de 2025, mostrou que 73% dos consumidores no mundo consideram o bem-estar animal importante na hora de escolher os produtos que consomem.

Alinhado a esta demanda de mercado, a Certified Humane Internacional, representante na América Latina e Ásia da Humane Farm Animal Care (HFAC), principal organização internacional certificadora do bem-estar para animais de produção, registrou um crescimento de 100% nos últimos cinco anos no número de empresas habilitadas. Este aumento foi fruto da participação expressiva de operações da região asiática, desde o início de sua atuação no continente em 2017.  Hoje, a organização certifica na Índia, Indonésia, Malásia, Singapura, Tailândia, Turquia, Vietnã, Filipinas e Laos.

“Quando iniciamos as atividades no mercado asiático em 2017, participamos das primeiras discussões sobre bem-estar para animais de produção junto a outras organizações locais, quando o assunto ainda era muito desconhecido, mas o potencial gigantesco”, conta o catarinense Luiz Mazzon, diretor da Certified Humane na América Latina e Ásia.

O tamanho do mercado local de proteína animal, a renda em crescimento e a tendência mundial de entender melhor a origem dos alimentos e como são produzidos foram grandes estopins para a expansão do segmento de bem-estar animal.

O Brasil como referência

Com 45 empresas certificadas apenas no Brasil e mais de 130 em países em desenvolvimento, o programa Certified Humane da HFAC consolidou-se como referência em boas práticas na produção animal. No Brasil, segundo dados da NSF, o índice de consumidores que consideram o bem-estar animal essencial sobe para 81%.

Criada há mais de 20 anos nos Estados Unidos, a Certified Humane atua hoje em mais de 26 países e é reconhecida por sua independência e rigor técnico, impactando a vida de mais de meio bilhão de animais anualmente criados sob critérios rigorosos de bem-estar anualmente. Além da Ásia, na América Latina, são dez países com o selo em países como Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Paraguai, Peru e Uruguai.

As auditorias são conduzidas por inspetores próprios, geralmente veterinários ou zootecnistas especialistas em bem-estar animal, o que garante padronização e confiança ao processo. Luiz explica que as auditorias não são terceirizadas a empresas privadas que auditam diferentes padrões. “Por não termos fins lucrativos, não estamos sujeitos a pressões comerciais. Isso nos dá independência para manter os mais altos padrões de bem-estar animal em todas as regiões onde atuamos”.

Os números da Aurora Coop

Terceiro maior grupo agroindustrial brasileiro da proteína animal, a Cooperativa Central Aurora Alimentos (Aurora Coop) obteve um consistente crescimento em 2024: a receita operacional bruta chegou a R$ 24,9 bilhões, 14,2% maior que o ano anterior e a receita líquida fechou em R$ 22,8 bilhões (crescimento de 13,5%).

A Aurora Coop contabilizou sobras no montante de R$ 880,5 milhões no ano passado, o que equivale a 3,9% do seu faturamento líquido.  Ao apresentar o balanço do exercício aos associados, o presidente Neivor Canton salientou que “os desafios climáticos, econômicos, mercadológicos e políticos nas esferas nacional e internacional não impediram a Aurora Coop de seguir firme na sua jornada para consolidar-se como a terceira maior fornecedora de alimentos do Brasil”.

A Aurora Coop também ampliou sua presença no comércio mundial. A receita operacional bruta no mercado externo cresceu 23,7% totalizando R$ 9,1 bilhões, enquanto as receitas obtidas no mercado brasileiro totalizaram R$ 15,7 bilhões, um crescimento de 10%.

Ou seja: 63,6% do faturamento originou-se no mercado interno e 36,4% no mercado externo. Em 2024 a empresa respondeu por 21,6% das exportações brasileiras de carne suína e por 8,4% das exportações de carne de frango. E diferentemente de outros segmentos impactados pelo tarifaço, o mercado americano tem uma participação inferior a dois dígitos na carteira da cooperativa.

“Crescer no mercado mundial é prioridade de nossa planificação estratégica”, enfatiza o presidente.

Por esse motivo, inaugurou no ano passado a unidade corporativa comercial de exportação, na cidade portuária de Itajaí (SC). Para avançar ainda mais no projeto de internacionalização, a Aurora Coop abrirá a primeira unidade no exterior em Xangai, na China. De acordo com Canton, “a Aurora Coop Xangai será inaugurada ainda em 2025”.

Neivor Canton, presidente da Aurora Coop: "Crescer no mercado mundial é prioridade de nossa planificação estratégica” (Leandro Fonseca /Exame)

A adoção do Programa Bem-Estar Animal, em 2024, foi mais um avanço em uma área onde a Aurora Coop é referência, pois foi uma das primeiras empresas brasileiras a adotar a política de bem-estar animal no segmento de aves e suínos. Em 2008 foi pioneira na adesão ao Programa Nacional de Abate Humanitário e, nos anos seguintes, implementou melhorias contínuas nas cadeias produtivas da suinocultura e da avicultura industrial.

A preocupação com o bem-estar animal, explica Neivor, está presente em todas as fases e é uma prática cotidiana para mais de 87 mil famílias cooperadas que formam a base produtiva no campo.

Desde a implementação do programa de bem-estar animal, a Aurora Coop segue as mais rigorosas diretrizes internacionais, com base no protocolo Welfare Quality®. A cooperativa participa ativamente do Programa Nacional de Abate Humanitário certificado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e pela World Animal Protection (WAP), promovendo capacitações anuais em todas as suas plantas industriais para assegurar as melhores práticas no manejo dos animais.

Acompanhe tudo sobre:AgronegócioExame-sulSanta CatarinaConsumidoresAnimaisExportações

Mais de EXAME Agro

ITR 2025: prazo para declaração do imposto começa em agosto; saiba quando

Preços vão cair? Maior produtora mundial de azeite sinaliza recuperação após crise histórica

Com peso valorizado, frigoríficos argentinos recorrem à carne importada

Setor de mel sugere que governo arque com tarifa de 50% de Trump para manter as cadeias de produção