EXAME Agro

'Agricultura por píxel': avanço da IA no agro vai otimizar toda a produção, diz Marcos Fava

Diretor da Harven Agribusiness School comenta também as mudanças na relação entre agro e ESG e os efeitos que a COP poderá ter para o agro

Marcos Fava Neves, diretor da Harven Agribusiness School, durante o Ifama World Conference 2025 (Divulgação)

Marcos Fava Neves, diretor da Harven Agribusiness School, durante o Ifama World Conference 2025 (Divulgação)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 2 de julho de 2025 às 06h01.

Última atualização em 2 de julho de 2025 às 09h25.

Ribeirão Preto*, São Paulo - A agricultura de precisão muitas vezes é chamada de agricultura por metro quadrado. Com um grande volume de dados, é possível tratar de forma diferenciada cada pedaço da plantação e aplicar irrigação e fertilizantes de acordo com as necessidades. Com a inteligência artificial, o nível de detalhamento pode se ampliar, o que abre caminho para uma “agricultura por píxel”.

O uso de inteligência artificial nas fazendas foi um dos temas mais falados no Ifama 2025 World Conference. O evento reuniu pesquisadores, produtores e estudantes de vários países em Ribeirão Preto, interior de São Paulo.

“Tivemos avanços muito interessantes. [A inteligência artificial] é uma tecnologia que vai ajudar muito na tomada de decisão. Você consegue jogar produtos só onde precisa, otimiza tudo. Consegue colocar mais plantas por área e isso é um ponto muito importante”, diz Marcos Fava Neves, diretor da Harven Agribusiness School, uma escola voltada ao agronegócio que ajudou a organizar o evento.

Além da IA, Neves comentou sobre as mudanças na forma como o agro tem enxergado as demandas ESG, como o Brasil deve navegar o cenário de incertezas globais e quais poderão ser os efeitos da COP para os produtores brasileiros. 

Quais foram as principais ideias debatidas no congresso do Ifama?

Está todo mundo falando da questão da inteligência artificial e dos usos dela na agricultura. Tivemos avanços muito interessantes. Ela é uma tecnologia que vai ajudar muito na tomada de decisão, vai ajudar na questão da agricultura de metro quadrado ou agricultura por píxel, que é um termo legal.

Você consegue jogar produtos só onde precisa, otimiza tudo. Consegue colocar mais plantas por área e isso é um ponto muito importante.

Que outros temas se destacaram?

Falou-se muito da sustentabilidade. Percebo um cansaço do agro com aquela febre que foi o assunto do ESG e todo mundo saindo para fazer um monte de coisa, exagerando um pouco na dose e não tendo resultados muito palpáveis. Hoje tem que ter sustentabilidade com rentabilidade. As ações que você está fazendo, em agricultura regenerativa, no trabalho com pessoas, na área ambiental, elas têm que render dividendos para as empresas, porque senão elas não conseguem fazer.

Um terceiro ponto é que temos um desafio muito grande de aumento de produção de alimentos e de bioenergia, com biodiesel, etanol e biogás. Esse desafio o Agro consegue atender. Ele tem áreas suficientes que podem ser convertidas com mais eficiência para a segunda safra, que podem ser convertidas de pasto para a produção.

A agricultura e o agro são uma solução para a questão climática e o mundo vai perceber isso quando começarem a ficar mais evidentes os resultados que as novas tecnologias estão mostrando.

Como vê o papel do Brasil neste momento confuso do cenário global, com guerras de tarifas e escalada de conflitos no Oriente Médio?

O Brasil é amigo de todos, porque você não pode brigar com o cozinheiro. Somos a cozinha do mundo, a fábrica de comida do mundo e você não pode brigar com quem entrega a comida. Não podemos entrar em conflito, tomar lado de ninguém. Temos que falar o seguinte: o Brasil é um fornecedor seguro e sustentável de comida. Não vamos estar envolvido em confusão.

A gente vai conseguir entregar a sua carne, a sua soja. Isso é uma posição muito importante do Brasil, a neutralidade e o pragmatismo comercial, entregando o que as pessoas precisam com qualidade, sustentabilidade, na forma como quer. Se alguém quer carne bovina embalada com rastreabilidade, certificação de origem, tudo isso daí, nós vamos entregar. Se a pessoa quer comprar boi em pé [vivo], também vamos entregar desde que seja rentável.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, exibe quadro de tarifas em 2 de abril (Brendan Smialowski/AFP)

Como as tarifas de Trump podem afetar o agro brasileiro?

Toda tarifa colocada, se é um mercado importante para o Brasil, ela nos prejudica. Nesse momento, temos um movimento que foi feito pelo presidente americano de colocar tarifas.

Em um primeiro momento, isso beneficia o Brasil, porque são tarifas para compradores nossos que ele tá colocando e os americanos concorrem com muitos produtos. Mas num segundo momento, se eles fizerem um acordo gordo e privilegiar o produto americano, aí a gente pode sair perdendo.

Então, temos que ficar de olho nisso e cada vez mais abrir o mercado para que a gente possa ser competitivo como são as empresas exportadoras. Elas estão sujeitas à competição, a trabalhar nas condições tão difíceis que o Brasil oferece. Questão institucional de legislação, a própria lentidão da justiça, insegurança, crime, roubo, logística ainda complexa, pouca armazenagem... Mesmo com tudo isso, a gente ainda consegue mostrar ao mundo esses resultados. 

Em que medida o acordo UE-Mercosul poderá criar mais negócios para o agro?

O acordo vai abrir espaço para alguns produtos que o Brasil tem mais dificuldade hoje, porque o país tem tarifas que outros mercados concorrem com a gente não têm. Vai ajudar o suco de laranja porque derruba a tarifa, o café também. Tem outras frutas que têm restrições, e também terá alguma coisa para carne bovina. Mas tudo isso vem com um ônus muito grande da rastreabilidade, da certificação, da garantia de qualidade. Isso envolve um custo.

Quais as dificuldades trazidas pelas regras da UE?

A União Europeia é o cliente mais chato do Brasil, o que está comprando menos e o que mais coloca restrições. Mas é um comprador importante porque paga bem. No café e no suco de laranja eles são relevantes, mas se você olhar no agro como um todo, eles vêm caindo enquanto a Ásia vem crescendo.

Se e a gente for olhar, 80% dos estômagos do mundo em 2050 vão estar na África e na Ásia, São os principais mercados do Brasil. A União Europeia é quem mais prejudica a nossa imagem. No ano passado, tivemos CEOs de duas grandes empresas criticando o Brasil de forma injusta. 

Quais as expectativas de efeitos da COP30 para o agro do Brasil?

Se a gente tiver a chance de mostrar ao mundo toda a questão ambiental do Brasil, de caracterizar o desmatamento como uma atividade criminosa, como ela é, que precisa ser combatida, São áreas sem titulação, é uma coisa ilegal. E então esse é o lado bom que eu vejo. Se esses casos puderem ser mostrados na COP, o Brasil ganha bastante porque vai dar visibilidade como essa conferência aqui deu. 

O evento pode trazer riscos?

Se a gente usar a COP como festival circense das pessoas que são contra o agro, aí a gente corre o risco de danificar a nossa imagem e, através de um ou outro caso, você generalizar e com isso o Brasil sair perdendo. A COP é como uma festa de casamento, não é para ter briga com os garçons, é para estar todo mundo integrado e ali o Brasil tem que ser o grande ganhador. 

Em biocombustíveis, o Brasil investe em vários tipos diferentes no momento. Em sua visão, quais são os mais promissores?

O etanol é um produto muito interessante, porque ele entra na moda, sai da moda, entra na moda. Eu acompanho o setor há 30 anos e o etanol voltou com tudo. Está sendo usado como aditivo, ele aumentou agora no Brasil para 30% [de composição da gasolina]. O biodiesel também agora vai a 15% [da composição do diesel] e vai chegar a 20% em 2030. O SAF começa a 1% em 2027, indo a 10% em 2037.

A grande incógnita é porque a gente conhece o tamanho dos estômagos das pessoas, mas não conhece o tamanho dos motores de carros e das turbinas. Se você for adotando índices de mistura bons, o agro brasileiro tende a ser o grande beneficiado, porque é o único lugar do mundo hoje que você consegue expandir área [plantada] sem [abrir] novas áreas. Para nós, vai ser uma grande oportunidade.

*O repórter viajou a convite do Ifama World Conference, organizada pela Harven Agribusiness School e FB Group.

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