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Eleição na Argentina: por que o agro será fundamental para Milei

Atenções devem se voltar para as províncias de Córdoba, Santa Fé e Entre Ríos, consideradas o "coração do agro" no país vizinho

Javier Milei, presidente da Argentina: em 2024, a receita da Argentina com exportações de grãos e derivados somou US$ 25,09 bilhões, alta de 27% em relação a 2023

Javier Milei, presidente da Argentina: em 2024, a receita da Argentina com exportações de grãos e derivados somou US$ 25,09 bilhões, alta de 27% em relação a 2023

César H. S. Rezende
César H. S. Rezende

Repórter de agro e macroeconomia

Publicado em 24 de outubro de 2025 às 06h10.

Última atualização em 24 de outubro de 2025 às 07h46.

O agronegócio da Argentina gosta de Javier Milei. Passados dois anos desde a chegada dele à Presidência, o setor, um dos pilares da economia argentina, segue sendo um dos principais apoiadores do atual presidente. E isso deve ter um papel significativo nas eleições legislativas que ocorrerão no próximo domingo, 26, no país.

"Houve medidas concretas que beneficiaram o setor, como a desregulação de trâmites burocráticos, a liberalização da importação de insumos, a facilitação de créditos para a compra de maquinários, a abertura de mercados e a defesa de interesses comerciais", diz Rodolfo Rossi, presidente da Asociación de la Cadena de la Soja Argentina (Acsoja), uma das principais entidades agrícolas do país.

Em 2024, a receita da Argentina com exportações de grãos e derivados somou US$ 25,09 bilhões, segundo a Câmara da Indústria Oleaginosa da República Argentina (Ciara) e o Centro de Exportadores de Grãos (CEC), o que representa um aumento de 27% em relação a 2023.

A Argentina é o segundo maior produtor mundial de commodities agrícolas na América Latina -- está atrás do Brasil.

O país vizinho compete com o Brasil nas exportações de soja e carne, mas lidera as exportações de farelo de soja, um subproduto do grão utilizado na ração animal. E foi justamente no setor agroexportador que Milei apostou e, agora, dobra a aposta.

"Há um fator positivo: a normalização do comércio exterior. Essa medida facilitou as importações (com maior acesso ao dólar e prazos de pagamento melhores) e também as exportações. Assim, apesar dos desafios, o balanço geral tem sido positivo, com expectativas de melhora contínua", avalia Juan Carranza, analista político da consultoria Aurora Macro Strategies.

A percepção positiva do governo Milei para o agro persiste, mesmo diante de dificuldades climáticas como seca e ondas de calor, que reduziram as produtividades de soja e milho e impactaram os embarques agrícolas.

As eleições legislativas de domingo renovarão o Congresso argentino e, na prática, serão uma espécie de referendo, em que a população argentina poderá dizer se deseja que o presidente Javier Milei continue com suas políticas

Para Carranza, as atenções devem se voltar para três províncias, consideradas o "coração do agro" na Argentina: Córdoba, Santa Fé e Entre Ríos.

Essas províncias concentram os principais produtores de soja, milho e carne do país e, historicamente, têm sido redutos políticos contrários ao peronismo, a vertente política populista da Argentina.

No país, porém, o peronismo é um fenômeno duradouro. Apesar dessa rejeição ao peronismo, Santa Fé, por exemplo, já foi governada por Néstor Kirchner, expoente do movimento, o que mostra que a capilaridade dessa corrente na Argentina.

"As províncias de Córdoba, Santa Fé, Entre Ríos e o interior de Buenos Aires são decisivas nas eleições — tanto por sua densidade populacional quanto por sua oposição histórica ao peronismo. Por isso, a aliança de Milei com o setor agropecuário é fundamental para seu sucesso eleitoral", afirma Carranza.

Por que o agro apoia Javier Milei?

O apoio do agronegócio a Javier Milei não é algo recente. Durante sua campanha eleitoral em 2023, o presidente sinalizou ao setor que implementaria medidas para impulsionar as exportações e aumentar as divisas dos produtores locais.

Naquele momento, os agricultores estavam descontentes com os rumos da economia argentina, especialmente após o então presidente, Alberto Fernández, do partido Frente de Renovação, lançar o "dólar soja", um câmbio especial indexado a um valor fixo para o setor agroexportador.

A medida teve um efeito ambíguo: embora tenha elevado o volume de dólares na Argentina, em um período em que o país enfrentava escassez de moeda, também prejudicou outros exportadores, como os de carne e milho.

Além disso, Fernández intensificou a política de "retenciones", um imposto sobre as exportações pago pelos produtores rurais, que visava aumentar a arrecadação do governo. Nesse cenário, Milei prometeu reduzir as alíquotas de exportação sobre soja, milho, trigo e carne, além de eliminar as retenções e simplificar as normas de exportação agrícola.

"Entendemos que é um governo que expressa constantemente compreender as necessidades do setor, mas que, por razões relacionadas ao necessário ordenamento da economia, não consegue implementar políticas mais favoráveis que permitam o aumento da produção e, consequentemente, das exportações" diz Rossi, da Acsoja.

Em setembro, Milei anunciou que zerou as retenciones para os grãos e derivados até o dia 31 de outubro. A medida afeta o comércio de soja, milho, trigo e girassol. O imposto sobre exportação é uma das principais fontes de arrecadação federal.

A gestão Milei é aprovada também pelo agro brasileiro. A Kepler Weber, empresa brasileira de armazenamento de grãos, aposta suas fichas no país vizinho.

Em entrevista à EXAME, em maio deste ano, Bernardo Nogueira, CEO da companhia, disse que a Kepler queria aproveitar o "bom momento econômico" vivido pelo país vizinho, que tem mostrado sinais de recuperação após o "choque" de gestão implementado pelo presidente Javier Milei.

Estamos vendo um retorno da Argentina, um país fundamental no agro mundial, especialmente em milho e soja. Eles estão voltando à mesa”, afirmou Nogueira.

A expectativa é de que a Argentina represente 15% dos negócios internacionais da Kepler em 2025, contra menos de 5% atualmente.

Trump, Milei, soja e China

Outro fator que favorece o agro e, consequentemente, a gestão de Milei, são suas ações geopolíticas.

Com medidas que facilitaram as exportações, como a redução das retenciones, a Argentina se tornou o segundo maior fornecedor de soja para a China, em meio à guerra comercial entre os Estados Unidos e o país asiático.

Desde maio, com a China deixando de comprar soja americana, Brasil e Argentina se tornaram os principais fornecedores do grão para o mercado chinês.

Segundo a Bloomberg, importadores chineses adquiriram pelo menos dez novos carregamentos da oleaginosa, principalmente para embarques previstos para novembro. As remessas argentinas já somam mais de 1,3 milhão de toneladas.

"Após dois anos de governo, ainda há confiança em Milei, embora os desafios persistam — como a volatilidade cambial e a recente redução temporária das retenciones, que acabou beneficiando as grandes exportadoras", afirma Carranza.

Além disso, o presidente dos EUA, Donald Trump, tem sinalizado a possibilidade de aumentar para 2 milhões de toneladas as exportações de carne bovina da Argentina, como uma tentativa de reduzir os preços da proteína nos EUA.

Otimista, Rodolfo Rossi, da Acsoja, acredita que uma eventual vitória do partido La Libertad Avanza, de Milei, no próximo domingo, deve favorecer ainda mais o agronegócio argentino:

"Se o governo melhorar sua participação no poder legislativo, provavelmente continuará, como prometido, no caminho da liberalização da economia e adotará medidas voltadas para o aumento da produtividade, o que, desde já, é considerado muito positivo pelo setor agroindustrial".

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