Gripe aviária: Brasil está preparado para lidar com a situação, já que é referência em biosseguridade, diz pesquisador da Embrapa.
Repórter de agro e macroeconomia
Publicado em 20 de maio de 2025 às 06h01.
Última atualização em 20 de maio de 2025 às 09h43.
Os casos confirmados de gripe aviária acenderam um alerta no agronegócio brasileiro. Na avaliação de Luizinho Caron, pesquisador da Embrapa Suínos e Aves e médico-veterinário, os temores do setor são justificáveis, já que a doença pode se espalhar e pôr em risco a produção brasileira de frango.
Segundo o pesquisador, a gripe aviária de alta patogenicidade, causada pelo vírus Influenza A (H5 e H7), pode matar até 100% do plantel infectado em poucos dias. Um surto em granjas pode gerar abates sanitários em massa, como o que aconteceu nos Estados Unidos, paralisar a produção e ameaçar as exportações brasileiras de carne de frango.
Até o momento, 46 países já suspenderam total ou parcialmente as importações da proteína e seus derivados. Para Caron, o Brasil está preparado para lidar com a situação, já que é referência em biosseguridade. Contudo, ele ressalta que a vigilância precisa ser contínua e que o controle imediato de focos é essencial para evitar impactos maiores na cadeia produtiva.
Leia a entrevista completa a seguir:
Por que o caso de gripe aviária no Rio Grande do Sul acendeu um alerta no agronegócio brasileiro?
A gripe aviária, também chamada de influenza aviária, é uma doença infecciosa causada pelos vírus Influenza tipo A, especialmente os subtipos H5 e H7, que são de alta patogenicidade, ou seja, podem causar doenças graves e mortes em aves domésticas. O agronegócio brasileiro está atento porque o vírus pode provocar altas mortalidades nos plantéis, afetando diretamente a produção.
Quando você fala em alta letalidade, isso quer dizer que o vírus se espalha rápido?
Os vírus de alta patogenicidade causam mortalidade que pode chegar a 100% do plantel em poucos dias após a introdução do vírus. Essa rápida disseminação e a gravidade da doença fazem com que, para conter o surto, seja necessário o abate sanitário de todo o plantel infectado e, muitas vezes, também dos animais em risco na vizinhança, para evitar a propagação. Portanto, o controle é rigoroso e rápido, visando preservar o restante da produção e garantir a sanidade do setor.
Os casos de gripe aviária no Brasil sempre foram restritos a aves silvestres. Nesse caso, como as aves silvestres podem transmitir o vírus para granjas comerciais?
As aves migratórias silvestres são os principais reservatórios naturais do vírus Influenza A, mantendo o vírus em circulação sem apresentarem sintomas graves. Elas eliminam o vírus principalmente pela excreção fecal e secreções respiratórias. Quando essas excreções contaminam corpos d’água, alimentos ou mesmo o ambiente próximo às granjas, há risco de transmissão para as aves domésticas. Além disso, o vírus pode ser transportado inadvertidamente por equipamentos, pessoas, veículos, roupas e calçados. Por isso, a biosseguridade — conjunto de medidas para impedir a entrada do vírus na granja — é fundamental para evitar contaminação e surtos.
No caso de um caso em granja comercial, como o vírus pode ter chegado?
Normalmente, o vírus chega às granjas por falhas nas barreiras de biosseguridade. Pode ser por meio do contato direto com aves silvestres contaminadas que tenham acesso às instalações, água ou alimentos contaminados, ou pela entrada inadvertida de pessoas, veículos ou equipamentos que tenham contato com o vírus em outras áreas. A contaminação pode ocorrer também por meio da movimentação de aves domésticas ou produtos avícolas de áreas afetadas. Por isso, é essencial o rigor no controle sanitário e na movimentação dentro do setor.
A transmissão da gripe aviária pode afetar humanos ou outros animais?
Embora os casos humanos sejam raros, a gripe aviária pode infectar pessoas que tenham contato próximo e prolongado com aves infectadas. Desde 1996, houve menos de mil casos humanos documentados mundialmente, o que demonstra que o risco de transmissão para humanos é baixo, mas não inexistente. Outros animais, como bovinos, felinos, canídeos e animais marinhos, também já foram infectados, possivelmente por contato com aves infectadas ou por consumo de produtos contaminados. Contudo, a principal preocupação permanece na avicultura comercial, devido ao potencial impacto econômico e sanitário.
O Brasil está preparado para lidar com um surto severo, como o que aconteceu nos EUA, que teve que abater milhões de aves?
O Brasil tem condições diferentes e está melhor preparado para lidar com surtos. Temos menos concentração de aves aquáticas silvestres próximas às granjas e um sistema de vigilância epidemiológica bem estruturado, o que facilita a detecção rápida dos casos e a adoção imediata de medidas de controle. Além disso, o Ministério da Agricultura mantém planos de contingência que incluem ações rápidas de contenção, abate sanitário e compensação aos produtores. A experiência adquirida em surtos anteriores reforça a capacidade do país de limitar os impactos e preservar o status sanitário.
Mas, nesse caso, o ministério adota medidas preventivas para conter a doença ou só reage quando o problema aparece?
O governo brasileiro mantém desde os anos 2000 uma série de medidas preventivas, incluindo regulamentações, vigilância contínua em áreas de risco e programas de biosseguridade. Há também tratados internacionais que orientam a gestão da doença, além de planos de ação para mitigar impactos econômicos e sanitários. A ideia é identificar precocemente qualquer foco para agir rapidamente e evitar a disseminação, não apenas reagir quando o surto já estiver instalado.
Qual a diferença entre a gripe aviária atual e a Newcastle do ano passado em termos de protocolos?
Os protocolos para controle de gripe aviária e Newcastle são bastante similares, pois ambas são doenças graves e de rápida disseminação. Isso inclui medidas de notificação imediata, isolamento dos focos, abate sanitário, descontaminação, quarentena e restrições de movimentação. A principal diferença está nos agentes causadores, mas os planos de erradicação e contenção têm procedimentos muito parecidos e estão sendo aplicados de forma eficaz.
Com o inverno chegando, o risco de novos casos aumenta?
Embora a gripe aviária possa ocorrer em qualquer época do ano, condições climáticas e comportamentais das aves migratórias podem influenciar o risco. No inverno, algumas condições podem favorecer a sobrevivência do vírus no ambiente e o contato entre aves. Portanto, é fundamental manter a vigilância, comunicar qualquer suspeita e fortalecer as medidas de biosseguridade, para evitar que um eventual foco evolua para um surto maior.