EXAME Agro

Pagar agricultores é chave para avançar na transição energética, diz CEO global da Yara

Em entrevista à EXAME, Svein Tore Holsether diz que não haverá transição verde com 'números vermelhos'

Svein Tore Holsether, CEO global da Yara Fertilizantes: Desde sua chegada na nova função, a companhia norueguesa tem acelerado em projetos de descabornização (César H.S. Rezende)

Svein Tore Holsether, CEO global da Yara Fertilizantes: Desde sua chegada na nova função, a companhia norueguesa tem acelerado em projetos de descabornização (César H.S. Rezende)

César H. S. Rezende
César H. S. Rezende

Repórter de agro e macroeconomia

Publicado em 26 de agosto de 2025 às 13h58.

Última atualização em 26 de agosto de 2025 às 14h24.

Oslo (Noruega)* — A descarbonização do agronegócio precisa ser lucrativa para as empresas [que investem nela] e o agricultor. Essa é a visão de Svein Tore Holsether, CEO global da Yara Fertilizantes.

Segundo o executivo, não haverá transição verde com 'números vermelhos'.

“Precisamos de cadeias de valor completas e de incentivos. Muitos agricultores querem participar, mas não sabem como monetizar isso. Sem lucro, não há escala", disse à EXAME na sede da empresa em Oslo, na Noruega nesta terça-feira, 24.

Holsether está na Yara há 10 anos e, desde sua chegada, a Yara tem acelerado em projetos de descabornização.

No Brasil, que responde por 30% do faturamento da Yara, a empresa norueguesa fechou um contrato com a Cooxupé, a maior cooperativa de café do mundo, para fornecer o fertilizante lower carbon (baixíssimo carbono) — o insumo é produzido de uma matriz renovável e reduz em até 40% a pegada de carbono das plantações.

Além da Cooxupé, a Coocacer, outra cooperativa brasileira de café, também utiliza o fertilizante de baixo carbono. Na Argentina, há uma iniciativa semelhante, mas voltada para produtores de batata, como o Parque Papas (o maior produtor de batatas do país vizinho), em um projeto que busca reduzir a pegada de carbono na produção do tubérculo.

Em entrevista à EXAME, o executivo fala sobre o crescimento e a importância do Brasil para a Yara, compartilha a evolução da empresa em relação à descarbonização, destaca a colaboração com a Petrobras e vê a COP30, que será realizada no Brasil em novembro, como uma oportunidade para impulsionar o debate sobre a descarbonização do sistema alimentar.

Qual a importância do Brasil para a Yara Fertilizantes?

A Yara é tão brasileira quanto norueguesa, se não mais. Contamos com mais funcionários brasileiros do que noruegueses – cerca de 5 mil ao redor do mundo. Isso é natural, considerando o Brasil como uma superpotência agrícola, com um mercado em crescimento e fundamentos bem estabelecidos. O Brasil tem sido e continua sendo um mercado estratégico para nós. Operamos globalmente e, por isso, é importante refletir os mercados em que atuamos.

É lá que tem uma das iniciativas de descarbonização com o fertilizante low carbon e a parceria com a Petrobras?

No setor de café, estamos colaborando com a Cooxupé para produzir café com uma pegada de carbono 40% menor. Trabalhamos juntos, combinando nossos produtos e as habilidades deles, para descarbonizar a produção. A Petrobras é uma grande empresa, e estamos muito satisfeitos em trabalhar com ela. Recentemente, há algumas semanas, embarcamos o primeiro carregamento de AdBlue [uma solução à base de ureia usada para reduzir as emissões de óxidos de nitrogênio — NOx], com o qual estamos colaborando nesse projeto para diminuir as emissões de NOx [óxidos de nitrogênio] no setor de transporte.

Como a descarbonização pode ser lucrativa para o agricultor e também para as empresas?

É uma combinação. Tenho sido muito claro também com os políticos ao redor do mundo de que não haverá transição verde com números vermelhos. A transição precisa ser lucrativa tanto para os agricultores quanto para nós. No final das contas, se isso significar colocar um fardo adicional sobre os agricultores, reduzindo suas margens, não será sustentável, pois eles não têm lucro suficiente para absorver esse impacto. O mesmo vale para nós. Por isso, é essencial criar cadeias de valor completas, mas também com incentivos para tornar isso viável.

Tem algum exemplo nessa linha?

Hoje, não existe um preço ou imposto global sobre o CO₂, e isso é uma lacuna que precisa ser preenchida com urgência para apoiar os agricultores nessa transição. Há o projeto que desenvolvemos com a PepsiCo na Europa. Eles buscam descarbonizar suas operações e estão dispostos a pagar um prêmio aos agricultores que apresentam uma pegada de carbono menor. Esse é um bom exemplo de cadeia de valor bem estruturada, mas precisamos levar esse modelo para uma escala muito maior. A solução precisa fazer sentido financeiramente.

Mas o senhor acha que o produtor rural tem interesse em descarbonizar?

Conversamos com os agricultores diariamente, e o que eles geralmente dizem é que, claro, não são contra a agricultura de baixo carbono, mas precisam ganhar dinheiro com isso, caso contrário, não funciona. Outra questão que eles levantam é que sabem que podem lucrar com créditos de carbono e outros mercados, mas não sabem como acessar essas oportunidades. No entanto, para fazer isso em grande escala, precisamos garantir que o agricultor esteja no centro do processo, recebendo os incentivos Eles podem ajudar a reduzir as emissões, mas não conseguirão fazer isso se não forem recompensados. Esse é um desafio que precisamos resolver juntos.

Mas a descarbonização tem sido lucrativa para a Yara?

Tem sido lucrativo para a Yara, e já tivemos bons retornos sobre os investimentos feitos até agora. Os frutos mais fáceis já foram colhidos, e agora estamos enfrentando os desafios mais complexos, como o gás renovável e o biometano. Isso envolve custos adicionais, pois se trata de usar energia renovável para produzir de forma verde, além de incluir tecnologias como CCS [captura e armazenamento de carbono]. Alcançar isso tem um custo, tanto para nós quanto para os agricultores. Temos 80 projetos em andamento.

E quais avanços a Yara tem visto nessa agenda mais verde?

Estamos muito orgulhosos de ter atingido nossa meta de redução de emissões para 2024, e estamos no caminho certo para alcançar a meta de 2025 também. Essas metas foram estabelecidas há cerca de cinco anos, e conquistar isso em uma indústria que consome muita energia é um grande feito. Estamos na fase final de implementação da captura e armazenamento de carbono [CCS], uma tecnologia já conhecida na indústria, que estamos utilizando para capturar CO2 da produção de amônia, incluindo CO2 puro. Esse CO2, que vai desde as bolhas de bebidas gaseificadas até a cerveja, vem desse processo. Estamos escalando isso para uma proporção muito maior: no ano que vem, começaremos a capturar 800 mil toneladas de CO2 na Holanda, que serão liquefeitas, transportadas para a Noruega e armazenadas permanentemente na plataforma continental norueguesa.

E tem a amônia verde no Brasil...

No Brasil, estamos trabalhando com biomassa e biometano para produzir amônia, mas esse projeto ainda está em uma fase inicial, com cerca de 3% de implementação até agora. Contudo, isso já demonstra o grande potencial para descarbonização, criando um ciclo no qual os fertilizantes aumentam os rendimentos das colheitas, e o desperdício das colheitas é transformado em biometano, utilizado para produzir fertilizantes e outras aplicações.

Como a COP30, que será realizada em novembro no Brasil, pode ampliar a discussão sobre lucro e transição energética?

Essa é a minha grande esperança para a COP no Brasil este ano. É uma grande oportunidade de destacar a importância do sistema alimentar em termos de descarbonização global e como podemos colocar incentivos para ajudar os agricultores a descarbonizar, o que, por sua vez, impulsionará a demanda por nossos produtos de baixo carbono.

*O repórter viajou a convite da Innovation Norway e da Yara Fertilizantes

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