Consumidores em supermercado em Zaozhuang, na China (AFP)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 28 de junho de 2025 às 08h01.
Ribeirão Preto, São Paulo* - A alta do preço dos alimentos é um fenômeno praticamente global. Quase todos os países viram a comida ficar mais cara nos últimos anos. Para a FAO, órgão das Nações Unidas para agricultura e alimentação, a saída para isso passa por dois caminhos principais: manter os mercados globais abertos e aumentar a produção local.
"Muitas vezes, ouvimos as pessoas falarem sobre termos um problema de disponibilidade de alimentos. Mas não é isso. É um problema de acessibilidade e de preço" disse Beth Bechdol, vice-diretora geral da FAO, em entrevista à EXAME. Ela veio ao Brasil para participar da Ifama World Conference, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo.
"Há países que estão experimentando suas próprias restrições nacionais às exportações, tentando se distanciar um pouco do comércio global. Na FAO, estamos constantemente defendendo que os mercados permaneçam abertos, para garantir que não criemos pressões extras", afirma.
Nos últimos meses, houve maior debate sobre a adoção de barreiras comerciais, como as tarifas em debate pelos EUA, que restringem ou encarecem a circulação de alimentos e outras commodities.
Beth Bechdol, vice-diretora da FAO, durante o Ifama World Conference 2025 (Divulgação)
Bechdol, que já foi chefe de gabinete do Departamento de Agricultura dos EUA, defende também um aumento da produção local, do comércio regional e até de novos cultivos.
"Precisamos incentivar a produção mais localizada em algumas partes do mundo. Isso está chegando com novos programas em torno de diferentes sementes, tentando nos afastar das tradicionais seis a sete commodities básicas que compõem algo como 80% do que é produzido e consumido no mundo", afirma.
"Também precisamos priorizar mais o comércio intra-regional. Muito foco tem sido dado ao cenário do comércio global, mas incentivar a produção localizada, o comércio inter-regional e trazer uma abordagem mais sistêmica aos setores agrícolas será uma grande parte da estratégia de como chegar a um sistema mais resiliente e eficiente", afirma Bechdol.
A diretora aponta ainda que o Brasil tem um papel de liderança na FAO, ao estimular políticas para reduzir a falta de alimentos no mundo, como a Aliança Global contra a Fome, lançada ano passado. Para ela, o país poderia avançar mais no trabalho de pressionar outros países a agir.
"Esperamos ver uma liderança e um comprometimento mais contínuo no cenário global por parte do Brasil, para não apenas demonstrar seu conhecimento técnico e seus compromissos, mas continuar a pressionar outros países a demonstrar o mesmo comprometimento", afirma.
Ela sugere ainda que o país poderia criar mais parcerias envolvendo capacitação. "O Brasil é um parceiro muito significativo da FAO na captação de conhecimento e recursos que vêm do Sul Global. Em alguns casos, poderia misturar isso com tecnologia, pesquisa, inovação ou capacidade técnica do Norte Global e, por fim, transmitir isso para um programa de agricultores na África ou no Sudeste Asiático, por exemplo", diz.
"Tem muita gente falando sobre déficits de financiamento. A FAO reconhece que nem sempre precisa ser apoio financeiro. Há uma necessidade enorme de conhecimento técnico, de projetos, de treinamento prático para agricultores e de bons modelos de políticas", afirma.
A alta no preço dos alimentos ganhou força após a pandemia e se mantém desde então. A alta constante do preço das commodities foi captada pelo FAO Food Price Index, um indicador do departamento das Nações Unidas para Alimentação que monitora o preço dos principais alimentos ao redor do mundo.
Esse índice determinou o preço médio dos alimentos entre 2014 e 2016 como base, de valor 100. Desde outubro de 2020, o indicador nunca mais ficou abaixo de 100 e teve recorde em 2022, quando bateu em 160,2, no começo da guerra contra a Ucrânia. Em maio deste ano, fechou em 127,1.
Em 2020, a pandemia trouxe entraves para a produção e distribuição de comida, mas outro fator impactou o mercado. Como não havia atividades externas disponíveis, como viajar ou ir ao cinema, as pessoas acabaram gastando mais com comida. Além disso, governos, como do Brasil e dos Estados Unidos, deram dinheiro extra para as pessoas, em forma de benefícios emergenciais.
Os dois fatores geraram alta na demanda, em um momento de restrições de suprimentos, o que gerou aumento de preços. Dois anos depois, em 2022, quando os problemas de distribuição ainda estavam sendo resolvidos, a Rússia invadiu a Ucrânia. Os dois países são muito importantes para a produção de comida e de fertilizantes, e o novo choque gerou a alta recorde de preços, que demora a cair.
*O repórter viajou a convite da organização do Ifama World Conference.