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Tarifa de Trump pode gerar perda de confiança nos EUA e fazer 'China Great Again', diz Barral

Ex-secretário de Comércio Exterior avalia que a decisão do presidente americano resultará em uma perda de confiança duradoura e significativa no governo dos EUA

Donald Trump: o presidente dos EUA anunciou a aplicação de uma tarifa de 50% sobre todas as importações do Brasil (Win McNamee/AFP)

Donald Trump: o presidente dos EUA anunciou a aplicação de uma tarifa de 50% sobre todas as importações do Brasil (Win McNamee/AFP)

César H. S. Rezende
César H. S. Rezende

Repórter de agro e macroeconomia

Publicado em 11 de julho de 2025 às 06h05.

A tarifa imposta pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre os produtos brasileiros pode gerar uma perda de confiança na política norte-americana e aumentar a influência chinesa nas relações comerciais globais. Com isso, haveria um impacto duradouro na geopolítica mundial, que poderia tornar a "China Great Again".

A avaliação — que faz referência ao mote Make America Great Again, de Trump — é de Welber Barral, sócio-fundador da BMJ Consultores Associados e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil.

Segundo Barral, embora o Brasil seja menos dependente dos Estados Unidos hoje do que há 20 anos, o país ainda pode sofrer as consequências de uma economia global instável.

"A diversificação das exportações, especialmente para a Ásia, foi uma decisão acertada, mas o impacto do protecionismo americano ainda será grande", afirma Barral em entrevista à EXAME.

O ex-secretário destaca que o impacto da tarifa de Trump não afeta apenas o agronegócio, mas também a indústria brasileira, que, em grande parte, depende do mercado norte-americano.

Entre os impactos mais imediatos, destacam-se as dificuldades logísticas e o aumento nos custos de produção, o que pode reduzir a competitividade do Brasil.

No entanto, diz o ex-secretário, apesar dos desafios, o Brasil continuará a exportar, embora com menor rentabilidade, dependendo das negociações que ainda podem ocorrer até 1º de agosto, quando as tarifas devem entrar em vigor.

Leia a entrevista completa:

Como você avalia os possíveis impactos dessa tarifa de 50% do Trump?

Os produtos que exportamos para os Estados Unidos possuem situações distintas. O principal deles, em termos proporcionais, é o café, que tem visto uma grande elevação de preços nos últimos dois anos, com o preço internacional subindo 80%. Se os EUA impuserem tarifas sobre o café, isso geraria um impacto inflacionário significativo por lá. Portanto, o café possui uma situação particular nesse contexto.

Outro produto importante é a carne, que o Brasil exporta em grandes volumes para os Estados Unidos. Apesar dos EUA serem um grande produtor, eles também são um grande consumidor de carne, o que torna esse mercado muito relevante para o Brasil. Nesse caso, se a tarifa for elevada, o Brasil pode perder espaço para outros fornecedores, como a Austrália.

Já o açúcar e o suco de laranja, embora o Brasil exporte bastante, já enfrentam tarifas altas. Para o açúcar, por exemplo, a tarifa é calculada por tonelada, o que torna a situação ainda mais incerta, dependendo das mudanças nas tarifas finais.

O governo brasileiro tem 'poder de fogo' contra essa tarifa de Trump?

A dificuldade de retaliar contra os EUA é que o Brasil importa basicamente equipamentos, insumos, partes e peças, e petroquímicos, todos itens importantes para a indústria brasileira. Se você aumenta essas tarifas, acaba prejudicando a própria indústria nacional.

No entanto, a Lei de reciprocidade permite que o Brasil retalie também em áreas como propriedade intelectual e serviços. Foi justamente o que aconteceu no caso do algodão em 2009, o que forçou os Estados Unidos a negociarem. No caso do algodão, o Brasil venceu a disputa contra os EUA na OMC.

Os Estados Unidos tinham a obrigação de revisar sua legislação, mas não o fizeram. Então, a OMC autorizou o Brasil a retaliar, e o Brasil passou a ter o direito de aplicar a retaliação. Ao analisarmos onde retaliar, vimos que havia algumas opções pontuais, como o uísque, alguns bens de consumo e motocicletas, mas o volume era pequeno e não causaria grande impacto nos Estados Unidos. Uma estratégia era atacar os condados onde se localizam fábricas importantes politicamente para os republicanos, mas o efeito seria limitado.

O que o Brasil fez foi ameaçar retaliar em propriedade intelectual, como suspender patentes de empresas americanas, incluindo patentes farmacêuticas. Assim, o Brasil acabou recebendo uma indenização, e os produtores de algodão brasileiros foram compensados com cerca de US$ 800 milhões de dólares, para cobrir os prejuízos que haviam sofrido.

Alguns analistas dizem que o Brasil pode escoar essa produção que não for exportada para os EUA. Isso se aplicaria a todos os produtos do agro?

Quando se trata de commodities, sempre há a venda, isso é inevitável. Você acabará vendendo para outro mercado, mas o problema é que não venderá pelo mesmo preço. Precisa desenvolver uma rede logística, lidar com custos logísticos inesperados, enfrentar riscos contratuais, de garantias e custos com seguros.

Isso resulta em um desempenho financeiro inferior, se pensarmos em termos de uma empresa individual. Você terá menos retorno financeiro do que teria em um mercado consolidado, como o mercado premium, que é o mercado americano. Portanto, não é que a carne ou o café deixarão de ser vendidos, mas eles não serão tão rentáveis quanto os contratos de longo prazo.

Qual é o tamanho do impacto para os produtos brasileiros de forma geral? 

Se você olhar para 20 anos atrás, os Estados Unidos respondiam por 25% das exportações brasileiras. Ou seja, se isso tivesse ocorrido há 20 anos, o impacto para a economia brasileira seria gigantesco.

Desde então, o Brasil diversificou suas exportações, especialmente para a Ásia. Hoje, o Brasil depende muito menos dos Estados Unidos do que há duas décadas. Em termos geopolíticos, essa decisão de diversificação tomada pelo primeiro governo Lula I se mostrou acertada.

A médio prazo, o que acontecerá não só com o Brasil, mas também com vários parceiros comerciais dos Estados Unidos, é a perda de confiança na administração americana.

No caso do Brasil, embora a motivação seja equivocada, pois os Estados Unidos têm superávit, e apesar de as questões políticas não deverem ser misturadas, ainda estamos em um nível de relação comercial relativamente pequeno. Mas no caso de países como o México, o Canadá e a Coreia, os Estados Unidos estão violando acordos que o próprio Trump assinou em seu governo anterior.

A perda de confiança no governo americano será significativa e duradoura. Em termos geopolíticos, isso representará uma garantia de que eles estão, de certa forma, "fazendo a China great again".

Analisando sob a perspectiva política de alguém que já esteve no governo, você acredita que a situação com Trump pode aproximar o governo Lula do agronegócio, ou acha que isso é uma questão que independe desses fatores?

Eu acredito que, mais do que aproximar do agronegócio, pode haver um desgaste da direita brasileira devido a essa situação. Algo semelhante aconteceu no Canadá. Isso também ocorreu na Austrália e em outros países onde havia um lado que apoiava ou estava vinculado ao Trump.

Eventualmente, isso pode acontecer no Brasil também. Ou seja, aqueles que adotaram o "bonezinho do MAGA", podem acabar se desgastando com os resultados dessa situação.

Quando você fala sobre esse desgaste, pode detalhar um pouco mais?

No Canadá, o Partido Liberal já estava perdendo a eleição quando Trump começou a dizer que o país seria o 51º estado dos EUA. A eleição foi revertida. Algo similar aconteceu na Austrália.

O Partido Liberal australiano era crítico ao Trump, mas os conservadores não eram, o que acabou garantindo a vitória eleitoral para o Partido Liberal. Isso mostra que, em vários países, os grupos mais à direita acabam sofrendo desgaste eleitoral por causa da imprevisibilidade do Trump.

Até países com laços históricos fortes com os Estados Unidos, como o Reino Unido, não conseguiram grandes vantagens comerciais por conta disso.

Mesmo sendo impactado, o agronegócio não deve ser o principal afetado, certo?

Individualmente, o setor mais afetado será a indústria, especialmente a que exporta em grande quantidade para os Estados Unidos. Atualmente, o comércio entre o Brasil e os EUA é predominantemente industrial.

Os Estados Unidos têm um superávit muito grande na balança de serviços e são grandes importadores de produtos agropecuários, mas a maior parte das importações e exportações envolve produtos industriais. Portanto, é o setor industrial que sofrerá o maior impacto. Isso inclui empresas americanas que possuem cadeias de suprimento no Brasil e que realizam grande parte do seu comércio internamente. Elas, certamente, serão as mais afetadas caso essa medida seja aplicada. Na verdade, ainda temos até 1º de agosto para tentar uma negociação com os Estados Unidos.

Mas, sem dúvida, o setor industrial, que possui muitas empresas dependentes do mercado americano, será o mais impactado. No caso do agronegócio, depende da análise de cada produto, pois cada um tem características diferentes.

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