Brasil

A nova era das GovTechs: quando o governo age antes do cidadão pedir

Com bilhões sendo investidos em inteligência artificial e plataformas digitais, a próxima fronteira da tecnologia pública é proativa, personalizada — e já começa a ganhar forma no Brasil

A verdadeira transformação digital não está em permitir que um cidadão solicite um serviço pela internet

A verdadeira transformação digital não está em permitir que um cidadão solicite um serviço pela internet

Publicado em 21 de maio de 2025 às 06h00.

Por Gustavo Maia*

 

A transformação digital dos governos entrou em um novo estágio. Depois de uma década de esforços para digitalizar serviços públicos, o desafio agora é outro: antecipar as necessidades da população e oferecer soluções antes mesmo que o cidadão precise pedir.

O relatório da MergerTech sobre o mercado GovTech no primeiro trimestre de 2025 revela com clareza essa mudança de era. Startups como Flock Safety levantaram US$ 275 milhões para construir uma infraestrutura de segurança pública baseada em IA, drones e sensores. A Peregrine, que usa dados em tempo real para decisões operacionais em governos, captou outros US$ 190 milhões. Empresas como Zencity, Euna Solutions, OpenGov e BS&A consolidaram ainda mais suas posições por meio de aquisições estratégicas. O movimento é evidente: há uma corrida global para construir plataformas digitais mais inteligentes, integradas e responsivas ao cidadão.

Mas se a eficiência deixou de ser diferencial e passou a ser obrigação, o novo diferencial está na proatividade.

Imagine um governo que, ao invés de aguardar solicitações, age com base nos dados que já possui. Uma gestante começa a receber notificações sobre seus exames de pré-natal, vacinas, ultrassons e, após o parto, orientações sobre a matrícula do bebê na rede pública. Um cidadão recebe seu Cartão do Idoso automaticamente ao completar a idade necessária. O Estado deixa de ser passivo e passa a ser um agente ativo da vida pública.

Essa mudança está sendo viabilizada por uma nova geração de soluções baseadas em inteligência artificial, muitas delas organizadas sob o conceito emergente de Agentic SaaS: softwares baseados em agentes de IA autônomos que não apenas automatizam processos, mas também aprendem, sugerem, adaptam e executam com base em contexto real. Não é mais uma ferramenta que espera comandos. É uma inteligência que reconhece padrões, entende legislações locais, propõe fluxos, envia alertas e ajuda o gestor público a tomar melhores decisões — mais rápido, com menos fricção e mais impacto.

O Brasil, com mais de 5.500 municípios e uma base de serviços públicos extremamente variada, tem tudo para se beneficiar desse novo modelo. Desde que a IA seja pensada não como fim, mas como meio para centrar ainda mais o governo na vida real das pessoas.

E isso já está acontecendo. No Colab, temos investido com intensidade nessa direção — desenvolvendo mecanismos de IA que permitem que os próprios gestores públicos criem serviços digitais a partir de um simples prompt, com fluxos completos, lógicas internas e canais como WhatsApp, app e portal integrados. O que antes levava semanas, agora leva minutos. Não por acaso, esse tem sido o aspecto mais valorizado por nossos clientes e parceiros hoje — e o que mais desperta interesse no Brasil e fora dele.

Ainda são poucas as GovTechs que estão construindo soluções voltadas à participação, à personalização de políticas públicas e ao engajamento cívico. O relatório da MergerTech mostra claramente que a maioria dos investimentos ainda se concentra em áreas como segurança, gestão de recursos e compliance. São áreas essenciais, mas não suficientes. A próxima onda de inovação — e de impacto — virá de plataformas que consigam cruzar dados administrativos com experiências digitais intuitivas e, principalmente, centradas no cidadão.

A inteligência artificial aplicada à gestão pública não pode ser apenas mais uma camada de automação. Ela precisa ser um instrumento de empatia em escala. Um sistema capaz de compreender, prever e agir de forma integrada, respeitando as particularidades de cada território e promovendo políticas públicas mais responsivas e inclusivas.

A verdadeira transformação digital não está em permitir que um cidadão solicite um serviço pela internet.

Ela está em construir governos que entendem quando, como e por que esse serviço será necessário — e se antecipam para entregá-lo.

*Gustavo Maia é diretor executivo do Colab e membro do Conselho Global sobre GovTech e Infraestruturas Públicas Digitais do Fórum Econômico Mundial.

Acompanhe tudo sobre:transformação digitalIndústria digitalInclusão digital

Mais de Brasil

Cigarro é o produto mais contrabandeado do Brasil; prejuízo é de R$ 10,5 bilhões, diz associação

Ministério da Gestão convoca reunião para discutir publicidade de convênios do governo federal

'Não vamos tolerar excessos', diz Tarcísio, após casos de violência da PM

Câmara instala comissão para analisar projeto que regulamenta Inteligência Artificial no Brasil