Publicado em 8 de março de 2025 às 08h00.
A inteligência artificial está redefinindo a relação entre governos e tecnologia. Se há poucos anos o avanço das GovTechs ainda se concentrava na digitalização de serviços e na modernização da infraestrutura pública, hoje a transformação em curso é ainda mais profunda. A IA não apenas acelera processos e reduz custos, mas também muda como políticas públicas são desenhadas, implementadas e avaliadas.
O mais recente relatório da MergerTech sobre o mercado GovTech no quarto trimestre de 2024 aponta que a inteligência artificial deixou de ser uma aposta para se tornar o eixo central da inovação no setor público. A mudança é impulsionada por novas ferramentas que automatizam serviços, analisam grandes volumes de dados em tempo real e possibilitam decisões mais rápidas e precisas.
Essa evolução dá continuidade a tendências apontadas anteriormente pelo Fórum Econômico Mundial, que já destacava o papel das GovTechs na modernização da gestão pública e no fortalecimento das economias. Conforme discutido em um artigo anterior, publicado na Exame, soluções tecnológicas para governos vinham se expandindo, atraindo investimentos e impactando diretamente a eficiência do setor público. Agora, o avanço da inteligência artificial leva essa transformação a um novo patamar, tornando possível não apenas digitalizar serviços, mas também automatizá-los e aprimorá-los com base em dados preditivos.
Nos Estados Unidos, empresas como a Flock Safety estão transformando a segurança pública com drones autônomos e análise preditiva de crimes. Já a Neighborly Software automatiza a gestão de programas sociais para centenas de governos, garantindo mais eficiência e transparência. Esses exemplos refletem uma tendência clara: a IA não é mais uma promessa para o futuro, mas uma tecnologia que já está sendo adotada em larga escala.
Esse crescimento acelerado tem atraído investimentos expressivos. O relatório da MergerTech mostra que gigantes do setor, como Motorola Solutions e i3 Verticals, estão adquirindo startups especializadas para fortalecer suas soluções tecnológicas. O mercado de GovTechs está em plena consolidação, e o número de unicórnios na área tem crescido rapidamente, especialmente em segmentos como ERP, engajamento cívico e gestão de ativos públicos. O motivo é simples: a IA permite que governos façam mais com menos. Ela automatiza tarefas repetitivas, antecipa demandas e otimiza recursos, tornando a gestão pública mais ágil e eficiente.
No Brasil, um dos exemplos desse movimento é a tecnologia desenvolvida pelo Colab, que usa IA para permitir que governos criem e digitalizem serviços de forma instantânea. Em vez de meses de desenvolvimento, gestores públicos agora podem estruturar fluxos completos com apenas alguns comandos. Isso reduz custos, acelera a entrega e melhora a experiência do cidadão. A plataforma também aposta na multicanalidade, permitindo que serviços sejam acessados via WhatsApp, aplicativos e portais, garantindo mais inclusão digital. O impacto vai além da eficiência operacional: ao usar IA para eliminar barreiras na oferta de serviços, a solução aproxima o governo das pessoas e melhora a percepção sobre a gestão pública.
Mas, como toda grande transformação, a adoção da IA no setor público enfrenta desafios. Resistência à mudança, falta de capacitação técnica e preocupações com transparência e viés algorítmico ainda são barreiras reais. Regulamentações precisam evoluir para garantir que a inteligência artificial seja usada de forma ética e responsável. Ainda assim, a tendência é irreversível. A eficiência e a inteligência de dados que a IA proporciona são simplesmente grandes demais para serem ignoradas.
Se há uma década o grande avanço foi a digitalização de processos, agora a transformação vai além. Estamos entrando em uma nova era da gestão pública, em que a inteligência artificial não deve ser apenas uma ferramenta de eficiência, mas um meio para ampliar o impacto positivo na vida das pessoas.
O verdadeiro valor dessa revolução tecnológica não está apenas na automação ou na redução de custos, mas na sua capacidade de garantir que serviços públicos cheguem a mais cidadãos, de forma mais rápida, acessível e com maior qualidade. A IA só faz sentido se for capaz de tornar governos mais humanos, reduzindo desigualdades e garantindo que cada inovação represente, no fim do dia, uma cidade mais conectada, um atendimento mais ágil, uma política pública mais eficaz. O futuro da gestão pública será definido não apenas por quem adotar essas tecnologias, mas por quem souber utilizá-las para transformar realidades e melhorar a vida da população.
Gustavo Maia é Diretor Executivo da GovTech Colab, advisor do fundo GovTech da KPTL e Membro do Global Future Council on GovTech and Digital Public Infrastructure do Fórum Econômico Mundial.