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Anistia, Foro e Motta sob pressão: o que está acontecendo no Congresso?

A prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro foi o estopim para a tentativa da obstrução das atividades legislativas por parte da oposição

Obstrução: oposição aumenta pressão após prisão de Bolsonaro (Saulo Cruz/Agência Senado/Flickr)

Obstrução: oposição aumenta pressão após prisão de Bolsonaro (Saulo Cruz/Agência Senado/Flickr)

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 7 de agosto de 2025 às 11h34.

Última atualização em 7 de agosto de 2025 às 11h46.

A crise envolvendo a tarifa de 50% dos Estados Unidos sobre os produtos brasileiros, a suspensão do passaporte do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, e a aplicação da Lei Magnitsky contra ele, chegou ao Congresso Nacional.

A prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro foi o estopim para a tentativa — bem-sucedida — de obstrução das atividades legislativas por parte da oposição. Com isso, houve ocupação das mesas da Câmara e do Senado por mais de 30 horas. O grupo exige que o chamado PL da Anistia, que perdoaria os envolvidos na suposta tentativa de golpe de Estado, seja pautado, e que uma votação sobre o impeachment de Moraes, que cabe ao Senado, fosse realizada.

O fim das manifestações ocorreu na noite de quarta-feira, com direito à participação da polícia legislativa, deputados se recusando a deixar a cadeira da presidência e o presidente da Casa, Hugo Motta, cercado por parlamentares até conseguir, depois de quase duas horas de negociação, se sentar à cadeira da Presidência.

Parte da negociação passou pelas mãos do ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ambiente é de pressão sobre Motta, há cinco meses no cargo.

"O problema para Motta — que já estava enfraquecido antes desta crise — é que ele teve que terceirizar a negociação", diz Creomar de Souza, CEO da consultoria de análise de risco político Dharma.

Para o analista, ao entregar a gestão da crise a Arthur Lira, ele se "tornou passageiro de uma agenda na qual deveria ser o protagonista".

"Isso, de certo modo, reforça a percepção de que uma parte considerável dos deputados vê Motta como um presidente fraco", afirma. "O resultado, me parece, é que ele sai dessa situação em uma condição não muito melhor do que a inicial, e o grande detalhe será saber o que ele negociou e como isso pode acabar jogando contra ele."

Discussão e Votação de Propostas Legislativas. (Marina Ramos/Câmara dos Deputados/Agência Câmara)

O pós-negociação e as distintas narrativas

O resultado da obstrução, segundo a oposição, foi satisfatório. O líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante, declarou que um acordo foi costurado para a votação do fim do foro privilegiado e do PL da Anistia.

As duas propostas, a depender da redação, podem favorecer Bolsonaro, em prisão domiciliar e à espera de seu julgamento no STF que pode condená-lo a mais de 40 anos de prisão.

Em seu discurso, Motta não esclareceu se pautará ou não as demandas da oposição, mas disse que "lutará pelas prerrogativas parlamentares".

Por outro lado, parlamentares governistas negaram a existência de qualquer acordo e classificaram o movimento da oposição como "inaceitável" e uma "chantagem contra o país". O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) afirmou que “ninguém pode parar pela força a atividade parlamentar e os trabalhos legislativos" e que acionará o conselho de ética contra os bolsonaristas.

O efeito de toda essa movimentação, inédita em dimensão e repercussão, pode impedir ou atrasar votações importantes para o governo, do ponto de vista eleitoral e econômico. Líderes da oposição não descartam uma nova mobilização caso as pautas não avancem.

Por que a votação sobre foro privilegiado importa?

A oposição afirma que a mudança na regra de foro privilegiado é importante para que os parlamentares deixem de sofrer "chantagem de alguns ministros do STF", nas palavras do líder do PL.

Cavalcante disse ontem que o projeto tem apoio de líderes de partidos de centro, como o PP, União Brasil e PSD.

O projeto mais avançado sobre o fim do foro foi aprovado no Senado em 2017 e está pronto para ser analisado pelo plenário da Câmara, por já ter passado em comissões.

O texto afirma que é "vedada a instituição de foro especial por prerrogativa de função". Hoje, por exemplo, deputados federais e senadores são julgados pelo STF.

O projeto aprovado, no entanto, preserva o foro no Supremo para o presidente da República, o vice e os chefes de Câmara, Senado e do próprio STF.

A ideia é incluir presidentes e ex-presidente fora do foro. O objetivo, segundo estratégia revelada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL), é que Bolsonaro não seja julgado pelo ministro Alexandre de Moraes.

"Hoje, a Constituição fala que, se um deputado ou senador cometer algum ato durante o exercício do mandato, ou em função dele, o local no qual vai responder a esse processo é o STF. E a gente pode mudar a PEC para dizer: ‘Olha, não é o STF. É a primeira instância, a segunda instância, onde quer que seja’. Isso só pode ser feito por intermédio de uma PEC”, disse em entrevista ao portal Metrópoles.

Obstrução parlamentar: quais são os desafios?

Para quem se interessa pela agenda econômica e de projetos do Congresso, resta a dúvida sobre como o imbróglio pode prejudicar o andamento de propostas importantes.

De acordo com a consultoria política Arko Advice, uma paralisia total da Câmara só seria possível com o apoio de 257 deputados. O PL, líder do movimento, tem 87 deputados. Para tal cenário, é necessário que partidos de oposição, como PP, Republicanos e União Brasil, entrem no movimento de forma mais decisiva.

“O problema da oposição é que o PP, o União Brasil e o Republicanos não estão 100% alinhados com a oposição”, afirma Cristiano Noronha, cientista político e vice-presidente da Arko.

A federação União e PP tem 110 deputados e o Republicanos, outros 44. Nesses partidos, ainda que exista uma maioria oposicionista, a existência de uma ala governista pode dificultar a adesão total. O PSD, que tem 45 parlamentares na Casa, tem grande presença no governo Lula e tende a adotar uma posição mais neutra.

PP e União Brasil são partidos com ministros no governo, e que, por vezes, votam com a gestão petista em projetos — um comportamento que suscita insatisfações no Palácio do Planalto.

Projetos que podem ser afetados

Noronha destaca que algumas propostas, como a Medida Provisória (MP) sobre a compensação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que inclui a tributação de letras de crédito, debêntures incentivadas e bets, podem ser prejudicadas pelo foco do Congresso em pautas da oposição.

Num primeiro momento, a confusão na Casa pode atrasar a discussão da medida, que precisa ser votada até outubro para não perder a validade — caducar, no jargão do Congresso. Além disso, a falta de sintonia nas negociações pode levar o projeto a sair enfraquecido do ponto de vista de potência arrecadatória e atrapalhar os planos do Executivo para a meta fiscal.

“O setor agropecuário foi um dos mais afetados pela tarifa de 50% imposta por Trump. Isso pode aumentar a resistência à MP, embora a proposta deva ser aprovada, mas com alterações significativas”, afirma o cientista político.

A reforma do setor elétrico, que já enfrenta resistência no Congresso, é outra proposta que entra nessa lista de incertezas sobre tempo de votação e qual conteúdo terá chances de sobreviver ao plenário.

E não menos importantes, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que deveria ter sido sancionada pelo presidente até 17 de julho, segue sem ser votada. O texto chegou ao Parlamento em abril, mas ficou quase dois meses sem relator na Comissão Mista de Orçamento (CMO). Um cronograma previa que a discussão, que acontece via Congresso Nacional, se iniciasse nesta semana, mas a obstrução atrapalhou até aqui o planejado.

A paralisia parlamentar pode fazer com que o tema só seja votado no limite do prazo, ou, pelo segundo ano consecutivo, o governo precisará elaborar a proposta orçamentária com base no projeto original da LDO, sem considerar eventuais alterações dos parlamentares.

Por fim, tema essencial para o Planalto, a votação da isenção de Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil, também pode ser adiada. Contudo, Noronha acredita que o impacto será limitado, uma vez que a oposição não deseja se desgastar com uma medida que é vista como popular por todos os agentes políticos.

"Pode haver algum atraso, mas é improvável que a oposição se oponha abertamente a essa proposta, dado seu apelo popular", afirma.

Comissões e sabatinas podem ser mais afetadas

As comissões da Câmara e do Senado devem ser mais impactadas pela obstrução do que o plenário, na avaliação da Arko. Na Câmara, o PL preside as comissões de Saúde, Segurança Pública, Relações Exteriores, Agricultura e Turismo, cujas atividades podem ser paralisadas.

As sabatinas de indicações do presidente Lula para a ANEEL, ANP, ANAC, Antaq e ANTT podem ser travadas pela decisão dos presidentes das comissões.

Anistia só avançará com ajustes

Noronha acredita que a proposta de anistia, principal pauta da oposição, só avançará se sofrer ajustes. Uma possível solução seria conceder o perdão apenas para os participantes dos atos de 8 de janeiro, sem incluir os supostos mentores intelectuais e financiadores.

“Uma anistia ampla e irrestrita, como os apoiadores de Bolsonaro desejam, tem poucas chances de ser aprovada”, afirma o cientista político.

Ele ressalta que, mesmo que a anistia seja aprovada, ela será contestada no STF, o que pode acirrar ainda mais a tensão entre o Legislativo e o Judiciário.

“Anistiar alguém envolvido em [uma tentativa de] um golpe [de Estado] pode banalizar a situação e encorajar tentativas similares no futuro”, conclui.

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