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Tarifa zero nos ônibus? Belo Horizonte pode ser a 1ª capital do Brasil a adotar medida

Proposta prevê taxa para empresas e subsídio municipal; Femig e CDL alegam inconstitucionalidade

Agência o Globo
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Publicado em 3 de outubro de 2025 às 06h48.

Última atualização em 3 de outubro de 2025 às 06h51.

A Câmara Municipal de Belo Horizonte vai analisar nesta sexta-feira, 3, um projeto de lei que, se aprovado, fará com que a capital mineira seja a primeira do Brasil a adotar tarifa zero nos ônibus municipais.

Com resistência do setor empresarial e até do prefeito Álvaro Damião (União), a proposta sugere uma mudança na lógica financeira do sistema para sustentar a medida. Em todo o país, 127 municípios oferecem ônibus de graça para a população, mas a maioria é de pequeno porte ou conta com receitas extraordinárias.

De autoria da vereadora Iza Lourença (PSOL), o texto que tramita no Legislativo local determina o fim do pagamento do vale-transporte pelas empresas e a criação de uma nova taxa a ser desembolsada por elas, que seria de R$ 185 por cada empregado — apenas para empresas com mais de dez funcionários. Haveria ainda um subsídio municipal para complementar a viabilidade do sistema, diante do aumento da demanda. Hoje, a passagem de BH custa R$ 5,75 aos usuários.

"Cidades que implementaram a tarifa zero viram a demanda triplicar, enquanto os gastos aumentaram apenas cerca de 30%. Em BH, o custo total pode chegar a R$ 2,5 bilhões, o que exigiria um subsídio de cerca de R$ 500 milhões. Ainda assim, menos da metade do que a prefeitura gasta hoje", afirma Lourença.

Resistência do setor produtivo

Em nota divulgada nesta semana, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Femig) alegou que a cobrança da taxa é inconstitucional, já que “o transporte público não é um serviço de utilização obrigatória, dado que ninguém é obrigado a utilizar”. Outra representante de classe, a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) também se colocou contra a possibilidade de taxar o setor produtivo para viabilizar o benefício.

O prefeito Damião, por sua vez, criticou a proposta sob o argumento de que empresas acabariam movendo seus CNPJs para municípios vizinhos, a fim de evitar o pagamento da taxa.

Segundo mapeamento do jornal mineiro O Tempo, a maioria dos vereadores ainda reluta em dar uma opinião sobre o projeto. Dos poucos que participaram da enquete, o placar é de dez a dois a favor da tarifa zero.

Estudo da UFMG e impacto econômico

Novo estudo da UFMG aponta que os gastos com transporte público em BH corroem 19% da renda das famílias mais pobres. Ao avaliar positivamente o projeto de tarifa zero, a pesquisa prevê um aumento do poder de compra dessas pessoas no comércio e em serviços locais, “favorecendo a geração de empregos e a ampliação da renda municipal”. A cada R$ 1 investido pela cidade na gratuidade, R$ 3,89 poderiam voltar de outras formas.

É nessa lógica que Maricá, considerada pioneira no modelo, por adotá-lo há mais de dez anos, se baseia para dizer que R$ 16 milhões são movimentados por mês na economia local por causa da gratuidade. Hoje, o município rico em petróleo na Região Metropolitana do Rio conta com 158 veículos que operam 49 linhas e realizam 115 mil embarques diários. Com 197,2 mil moradores, a cidade fluminense vem registrando crescimento populacional na esteira de programas sociais como esse, na contramão da maioria dos municípios do Rio.

Cenário nacional e desafios

Levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) identifica 127 municípios no país com passe livre no transporte. Outros 27 oferecem gratuidade em dias específicos da semana ou em parte da frota. Quando se consideram apenas aqueles com gratuidade irrestrita, não há nenhuma capital, e apenas 12 têm mais de 100 mil habitantes. A maior cidade da lista é Caucaia, no Ceará, com 355,7 mil moradores.

O boom do passe livre se deu a partir de 2020, com a pandemia de Covid-19, quando houve uma crise enorme na demanda pelo serviço de transporte: 73% das cidades que ofertam gratuidade passaram a oferecê-la depois da crise sanitária.

Diretor-executivo da NTU, Francisco Christovam evita comentar diretamente o caso de Belo Horizonte, mas destaca que o principal desafio para a tarifa zero é o alto custo, sobretudo por causa do aumento significativo na demanda que a gratuidade tende a gerar.

"Quando a demanda aumenta, é preciso ampliar a oferta. E não é uma relação linear. Caucaia, por exemplo, que é a segunda maior cidade do Ceará, viu a demanda quadruplicar após a implantação da tarifa zero. Isso revela o tamanho da chamada “demanda reprimida”, ou seja, pessoas que não usavam o transporte coletivo porque não tinham condição de pagar", aponta. "Em São Caetano do Sul, a demanda triplicou. Cada cidade que adota essa política precisa ajustar sua capacidade de oferta. É necessário avaliar o sistema em operação e projetar diferentes cenários de aumento da demanda".

Alternativas de financiamento

Nas cidades onde a tarifa zero foi adotada, os recursos comprometem, em média, até 3% do orçamento municipal, observa Christovam. Em municípios com população superior a um milhão de habitantes e frotas de centenas de ônibus, esse percentual pode chegar a 5% ou mais. No caso de São Paulo, com cerca de 12,5 milhões de pessoas e frota de quase 12 mil ônibus, a isenção de tarifa consumiria de 15% a 20% do orçamento anual da cidade.

A solução, segundo ele, não está necessariamente na criação de uma taxa para as empresas de acordo com o número de empregadores, como propõe o projeto em discussão em BH. Em vez disso, poderiam ser formuladas novas fontes de financiamento, como a cobrança por estacionamento em vias públicas, a implantação de pedágio urbano ou de taxas de congestionamento, além do aumento da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), já cobrada sobre combustíveis.

"O município investe na construção e na manutenção de ruas, avenidas e espaços públicos. Aí o cidadão estaciona seu carro em via pública o dia inteiro e não paga nada. Se quiser parar ali, precisa pagar. Esse recurso pode ser direcionado a um fundo específico para financiar o transporte coletivo", avalia o diretor da NTU. "E não falo apenas da cobrança por vagas. Há outras medidas que são comumente rejeitadas, mas que precisam ser consideradas: pedágio urbano, taxa de congestionamento, aumento da Cide sobre gasolina e etanol. São mecanismos que podem ajudar a bancar a prestação do serviço."

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