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Bolsa Família: o que explica a saída de 1 milhão de beneficiários — e o futuro do programa

Programa tem redução no número de beneficiários após dois anos de crescimento, enquanto o aumento da renda e a formalização do trabalho ajudam a aliviar a pobreza, segundo especialistas

 ( Roberta Aline / MDS/Divulgação)

( Roberta Aline / MDS/Divulgação)

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 27 de julho de 2025 às 08h01.

No primeiro ano do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2023, o Bolsa Família atingiu o pico do número de beneficiários, com mais de 21,8 milhões de famílias. Apenas no mês de junho daquele ano, o programa distribuiu R$ 15 bilhões.

O recorde no valor reservado do orçamento para o Bolsa ocorreu em 2024, com R$ 168,2 bilhões, em valores nominais.

Em um cenário de expansão, no qual se discutia se o programa estava se transformando em uma espécie de renda básica, com mais beneficiários e aumento do ticket médio, os questionamentos sobre a medida aumentaram.

Empresários e políticos de diferentes cantos do país questionavam se o tamanho do programa poderia prejudicar o mercado de trabalho, mesmo com a sua eficácia no combate à extrema pobreza já comprovada — e premiada.

Essa realidade parece, ao menos por ora, ter mudado. Dados do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), divulgados nesta semana, mostraram uma nova realidade. Em julho, 1 milhão de famílias deixaram o programa, a primeira queda expressiva de um mês para o outro desde a pandemia da Covid-19.

Ao todo, 19 milhões de famílias — ou mais de 50 milhões de pessoas — recebem o Bolsa Família (veja o gráfico). Trata-se do menor contingente de beneficiários desde julho de 2022, quando eram 18 milhões de famílias.

Para ser elegível ao benefício, o rendimento por integrante da família tem de ser até R$ 218.

A explicação para esse novo momento do programa se dá, principalmente, por três fatores, segundo especialistas ouvidos pela EXAME: pente-fino, com exclusão de quem não deveria acessar o benefício, regra de proteção, mecanismo criado em meados de 2023 e que permite o retorno garantido em caso de desemprego para quem saiu do programa por aumento de renda, além de um mercado de trabalho aquecido.

"A expansão do Bolsa Família aconteceu logo após o Auxílio Emergencial e o Auxílio Brasil. Entre 2014 e 2018, houve uma redução no número de beneficiários, mas nos últimos anos tivemos um aumento de 50% no número de beneficiários e uma triplicação no valor médio do benefício", diz Marcelo Neri, diretor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Social.

O valor médio do benefício saltou de R$ 186,78 em dezembro de 2018 para R$ 607,14 em dezembro de 2022, aumento de 260,75%. Em termos reais, segundo cálculo da FGV Social, entre 2022 e 2024, a renda do Bolsa Família por habitante cresceu 45,8%. Hoje, o valor médio pago é de R$ 671,52.

Neri explica que, após uma forte expansão, é natural uma queda, que o pesquisador considera inclusive saudável do ponto de vista fiscal.

"Uma expansão tão forte é difícil de sustentar a longo prazo, especialmente do ponto de vista fiscal. Seria preocupante continuar expandindo indefinidamente", afirma o professor. "Portanto, é natural que haja uma desaceleração ou até uma queda, o que não é um problema, pois isso reflete uma dinâmica fiscal saudável."

Mais eficiência operacional

Os dois primeiros fatores que explicam a queda estão relacionados ao desenho do programa. O governo afirma que melhorou o cruzamento de dados para oferecer o recurso para quem realmente precisa, além de evitar fraudes. Especialistas concordam.

Essa medida foi essencial, principalmente após o salto no número de beneficiários de famílias unipessoais, de apenas uma pessoa, de 2 milhões para 5 milhões entre os anos de 2022 e 2023.

Um exemplo de medida implementada pelo MDS é a maior integração de informações de renda das famílias, que passaram a ser atualizadas automaticamente.

"A fotografia do programa é boa. Mas é preciso continuar aprimorando ao longo do tempo. Isso significa remover do programa aquelas pessoas que não deveriam estar nele e incluir aqueles mais pobres que ainda não foram contemplados. Esse processo de 'pente fino' busca garantir que o benefício chegue a quem realmente precisa", diz Neri.

Essa eficiência operacional permitiu que o CadÚnico, instrumento do governo para coleta de dados que identifica todas as famílias de baixa renda do país, estivesse mais azeitado em comparação com outros anos.

A tese dos especialistas é que as melhorias tornaram o programa ainda mais focalizado, ou seja, com maior possibilidade de chegar de forma mais eficaz aos mais pobres.

"A qualidade dos cadastros melhorou com a adoção de novas regras e processos que garantem que mais pessoas elegíveis sejam incluídas no programa. Além disso, a adoção da regra de proteção em 2023 foi crucial", diz.

Vale lembrar que o programa tem recursos centralizados no governo federal, mas a sua gestão de concessão é local. Ou seja, as prefeituras, com apoio dos órgãos de assistência social, são responsáveis pela gestão dos benefícios dentro dos municípios para cadastro e recadastramento.

Regra de proteção é garantia de renda mesmo com emprego

Implementada em 2023, a regra de proteção, citada pelo diretor da FGV, consiste na garantia de renda, mesmo em caso de entrada no mercado de trabalho.

Em resumo, a medida permite uma transição suave para a saída do programa em direção ao mercado de trabalho.

Críticos do programa afirmavam que o desenho antigo favorecia que pessoas trabalhassem na informalidade ou nem procurassem emprego para seguir recebendo o benefício.

A regra define que as famílias que ultrapassarem o limite de renda para entrada no Bolsa Família — de R$ 218 por pessoa da família — até o limite de renda de R$ 706, poderão seguir no programa por mais 12 meses, recebendo 50% do valor do benefício. Até maio, o tempo de permanência era de dois anos.

Além disso, esse público é protegido por outra medida: o Retorno Garantido. Ela é aplicada quando a família que ultrapassou o período de 24 meses na Regra de Proteção ou solicitou o desligamento voluntário do programa volta à situação de pobreza. Nestes casos, os antigos beneficiários têm prioridade para voltar a receber o Bolsa Família.

Dados do governo indicam que, após entrarem na regra de proteção, cerca de 90% das famílias registraram aumento na renda ao conseguirem um emprego formal. O tempo médio de permanência na regra é de oito meses.

Do total de famílias de deixaram o programa em julho, 536 mil cumpriram os 24 meses na regra de proteção. Outros 385 mil domicílios ultrapassaram R$ 759, meio salário mínimo, de rendimento por pessoa em julho.

Com essas medidas, o governo diminuiu o número de famílias em mais de 2,3 milhões em dois anos.

Mercado de Trabalho aumenta renda de beneficiários

O terceiro ponto destacado pelo especialistas é a junção da regra de proteção e um mercado de trabalho aquecido.

O Brasil vive com um desemprego nas mínimas históricas e recorde de geração de vagas de carteira assinada, que estão chegando nos mais pobres.

Com vagas disponíveis, a medida que ampara a transição paga o mercado de trabalho estimula o emprego.

Dados do Caged indicam que, nos primeiros quatro meses de 2025, 54,7% das vagas formais preenchidas foram ocupadas por beneficiários do Bolsa Família, refletindo um aumento da renda desses indivíduos.

Em 2024, 98,87% das vagas de emprego formais criadas foram ocupadas por pessoas inscritas no Cadastro Único, e 75,5% desse total era de beneficiários do programa de transferência de renda.

"Os dados de emprego e benefícios do Bolsa Família me surpreenderam. Isso é reflexo tanto da expansão do mercado de trabalho quanto da regra de proteção que permite que essas pessoas sigam recebendo o benefício mesmo ao conquistarem um emprego", diz Neri.

Impacto no fiscal

O efeito prático das mudanças no Bolsa é, além de aproximar o governo da meta de retirar o Brasil novamente do Mapa da Fome, um possível alívio fiscal.

Com o aumento do valor pago e do número de beneficiários nos últimos anos, o programa passou de 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2022 para 1,5% em 2024, segundo dados do Tesouro.

A expectativa com essa nova realidade é trazer uma redução do valor gasto com o programa. De 2024 para 2025, a queda foi de R$ 7,7 bilhões.

Neste mês, o desembolso mensal com o programa foi de R$ 13,1 bilhões, R$ 2 bilhões a menos do pico em junho de 2023.

No pacote fiscal anunciado no fim de 2024, o governo projetou economizar R$ 2 bilhões com os novos mecanismos de controle do programa. Entre 2026 e 2030, as contas são de uma diminuição anual do gasto de R$ 3 bilhões, R$ 15 bilhões no total.

Em um cenário de busca de arrecadação para cumprimento da meta do novo arcabouço, uma possível redução do programa pode ser uma boa notícia aos cofres públicos.

"O Brasil tem dado avanços nos programas de transferência de renda, mas é necessário garantir que essas iniciativas sejam sustentáveis fiscalmente e que atendam de forma eficaz os mais pobres. O país precisa adotar uma abordagem equilibrada, que busque não apenas expandir, mas também melhorar a qualidade do gasto público em programas sociais", afirma Neri.

E o futuro do Bolsa Família?

Hoje, portanto, o Bolsa Família caminha para um de seus melhores desenhos, com caminho claro para o emprego e melhores ferramentas de controle de fraudes, segundo especialistas.

A avaliação é que, com o tempo, o número de famílias atendidas siga em queda, associado a um maior nível de "precisão" para alcançar quem realmente precisa.

"À medida que o Brasil melhora suas condições de mercado de trabalho e reduz a pobreza extrema, o Bolsa Família deve continuar a perder a necessidade de atender uma parcela maior da população", afirma Daniel Duque, economista e pesquisador da FGV-Ibre.

Duque afirma que é difícil precisar qual será o tamanho do programa nos próximos anos, mas é claro a tendência de queda.

O economista alerta que é natural que o número de beneficiários não caia todos os meses com a mesma magnitude como ocorreu neste mês.

"Mesmo com o crescimento do mercado de trabalho, ainda existam pessoas que dependem do Bolsa Família. É um processo estrutural, e essas pessoas podem demorar mais para sair do programa", diz.

Apesar da atual capilaridade, mais de 300 mil famílias que deveriam estar no programa seguem à margem dessa rede básica de proteção social.

Dados da Secretaria de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único (Segicad) apontam que, em julho de 2025, 302 mil famílias estão pré-habilitadas para receber o benefício, com uma queda no número desde janeiro, quando eram 565 mil.

O dado sugere, segundo especialistas, que o Brasil consegue diminuir o 'backlog' de pessoas que precisam do recurso e não estavam incluídas.

Duque afirma que o programa não deve ser ampliado para uma espécie de renda básica, uma vez que sua estrutura foi projetada para combater a pobreza extrema e deve seguir focado nesse objetivo.

"O programa de renda básica universal, que tem a ideia de garantir uma renda mínima para todos, exigiria uma estrutura completamente diferente e um valor menor para cada beneficiário. Além disso, a implementação de uma renda básica universal teria grandes desafios fiscais e econômicos", afirma.

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