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Brasil contesta investigação dos EUA e reforça defesa do Pix, agro e combate ao desmatamento

Processo pode durar um ano e resultar em novas barreiras a produtos brasileiros

Agência o Globo
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Publicado em 19 de agosto de 2025 às 07h26.

O governo brasileiro enviou ontem resposta ao Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR, na sigla em inglês), na qual pede que o governo americano reconsidere a investigação aberta pelo órgão, diante de possíveis consequências adversas para as relações entre os dois países. Depois que Donald Trump anunciou um tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros, que entrou em vigor neste mês, o USTR abriu processo para investigar supostas “práticas desleais” comerciais do país.

O processo, com base na Seção 301 da Lei de Comércio americana, lista tópicos que vão do acesso ao mercado de etanol, passando por desmatamento, combate à corrupção, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre redes sociais, pirataria na Rua 25 de Março e até o uso do Pix.

A investigação representa um risco adicional, já que, a depender da decisão, pode resultar em novas restrições. No documento enviado ontem, o Brasil diz que não há base jurídica ou factual para imposição de sanções comerciais e “afirma que seus atos, políticas e práticas não são, de forma alguma, injustificáveis, discriminatórios ou onerosos ao comércio dos EUA”.

Diálogo construtivo

"O Brasil insta o USTR a reconsiderar o início desta investigação e a iniciar um diálogo construtivo. Medidas unilaterais previstas na Seção 301 podem comprometer o sistema multilateral de comércio e ter consequências adversas para as relações bilaterais", escreveu o governo brasileiro na resposta. “O Brasil permanece aberto a consultas e reafirma seu compromisso de resolver preocupações comerciais por meios cooperativos e legais”, diz outro trecho.

Na carta, o Brasil diz não reconhecer a legitimidade de investigações ou ações retaliatórias comerciais fora da Organização Mundial do Comércio (OMC). “O Brasil reitera sua posição de longa data de que a Seção 301 é um instrumento unilateral incompatível com princípios e regras do sistema multilateral de comércio. O Brasil não reconhece a legitimidade de investigações, determinações ou possíveis ações retaliatórias tomadas fora do quadro jurídico da OMC, o único fórum apropriado para a resolução de disputas comerciais entre seus membros”, diz o texto. A carta refuta os tópicos levantados pelo USTR na abertura da investigação.

Manifestações registradas

O governo não foi o único a responder. Ontem, perto de 80 manifestações estavam registradas na página do USTR. Foram protocoladas por associações e companhias dos dois países, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), Unica (da indústria de cana-de-açúcar e bioenergia), Embraer, Taurus, Associação de Madeireiros do Mississipi, X, Coalizão de Integridade de Madeira Compensada Estrutural dos EUA.

Parte delas, a exemplo de CNI, Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Abipesca e Embraer, pedia para participar da audiência marcada para o dia 3 de setembro. O total de manifestações será divulgado pelo USTR, excluindo os de tom panfletário ou político.

Processo pode levar até um ano

No documento enviado ao USTR, a CNI buscou rebater críticas e destacar avanços do Brasil em diferentes áreas. Afirma que o Brasil não adota práticas que prejudiquem empresas americanas no comércio digital e nos serviços de pagamentos eletrônicos, citando o Pix como exemplo de inovação comparável ao FedNow, do Federal Reserve, e efeitos positivos em inclusão financeira e comércio eletrônico.

Outro ponto é que as preferências tarifárias concedidas a países como México e Índia estão em conformidade com acordos internacionais, sem afetar a competitividade dos EUA, que já se beneficiam de tarifas médias mais baixas, em torno de 2,7%, contra 4,7% para produtos indianos e 3,2% para mexicanos.

A CNI ressalta o arcabouço legal anticorrupção do Brasil, com destaque para a independência do Judiciário e a atuação do STF — fatores que, segundo a entidade, garantem previsibilidade e segurança ao ambiente de negócios.

Em relação à propriedade intelectual, cita medidas que reduziram o tempo médio de análise de patentes para 2,9 anos em 2025 — próximo aos padrões de países desenvolvidos —, políticas de combate à falsificação e à pirataria. E rebate críticas relacionadas ao etanol, afirmando que o Brasil não adota práticas discriminatórias aos EUA.

Na agenda ambiental, a CNI destaca o fortalecimento das leis e da fiscalização contra o desmatamento ilegal, além do controle sobre a produção e comercialização de produtos florestais, que exige licenciamento em todas as etapas da cadeia produtiva. Outras instituições enviaram declarações de apoio à carta da CNI, como Abicalçados, Abipeças, Abiquim, Abrinq, Abit e Abividro.

A CNA concentrou sua defesa em três pontos: tarifas preferenciais, acesso ao mercado de etanol e desmatamento ilegal.

"O Brasil se tornou um grande exportador agrícola porque somos altamente produtivos e competitivos. A CNA, que representa mais de 5 milhões de produtores rurais brasileiros, tem confiança de que a investigação americana comprovará o compromisso, não só do agro, mas de toda a economia brasileira, com um comércio internacional justo, transparente", disse Sueme Mori, diretora de Relações Internacionais da CNA.

Reações de empresas

Em carta, a Embraer afirmou que a imposição de restrições a importações da empresa seria “diretamente contrária” aos interesses dos EUA e diz que desempenha “papel crítico” para o sistema aéreo americano. Outras empresas se manifestaram, como a Incepa, de louças sanitárias, e Triunfo, de erva-mate.

Do lado americano, o X, de Elon Musk, diz que o Brasil representa uma das maiores bases globais de usuários e mercado estrategicamente significativo, mas que há preocupações quanto à previsibilidade regulatória, proporcionalidade na aplicação da lei e proteção do comércio.

A expectativa é que negociadores de Brasil e EUA voltem a debater o tema em audiência pública em dezembro. Se o USTR concluir que o Brasil tem práticas anticompetitivas, poderão ser adotadas novas barreiras a produtos brasileiros. O processo deve levar, no mínimo, um ano.

Pontos da defesa brasileira

Defesa do Pix

A carta apresenta o Pix como iniciativa que aumenta a eficiência, competição e inclusão financeira. “O Pix foi criado como infraestrutura pública de acesso aberto para modernizar o mercado de pagamentos, aumentar a concorrência, promover a inclusão financeira e reduzir os custos das transações”.

Decisão do STF sobre redes

O Brasil nega que decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre responsabilidade de plataformas por conteúdo de usuários sejam discriminatórias ou prejudiciais a empresas americanas. Argumenta que as decisões não impõem responsabilidade estrita às empresas e exigem ordem judicial na maioria dos casos de conteúdo ilegal, exceto em crimes graves como terrorismo, pornografia infantil e crimes contra a democracia.

Propriedade intelectual e etanol

Os EUA se queixam da pirataria e citam a Rua 25 de Março. O Brasil diz que suas políticas são consistentes com compromissos internacionais de combate a esses crimes. Sobre o etanol, o governo diz que não impôs barreiras discriminatórias ao etanol dos EUA (a tarifa brasileira é de 18%, a dos EUA é de 52,5%).

Tarifas e acordos comerciais

O Brasil cita que 73,7% das exportações dos EUA têm tarifa zero. E diz que acordos com Índia e México estão em linha com regras da OMC.

Desmatamento

O governo diz agir para reprimir o desmatamento ilegal e eliminar a parcela de produtos com origem em terras desmatadas ilegalmente.

 

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