Sala de monitoramento do ho (MIT/Divulgação)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 28 de setembro de 2025 às 08h01.
O professor Zen Chu, diretor da Hacking Medicine Initiative, do MIT, veio ao Brasil no começo de setembro colocar profissionais de saúde, engenheiros e empreendedores para criar inovação. Ideias surgidas em conversas assim vão impactar o futuro da medicina, que precisa da força da tecnologia para atender milhões de pessoas que seguem desassistidas.
Chu, no entanto, ressalta que o país está bem avançado em tecnologia de saúde.
"O Brasil não tem nada a aprender com os Estados Unidos. Países como China, Brasil e Tailândia têm liderado inovações em dispositivos médicos e sistemas de atendimento que, depois, chegam a países ricos. O Einstein tem uma medicina melhor do que muitos dos principais hospitais dos EUA", diz Zen, em entrevista à EXAME.
O MIT Hacking Medicine é um projeto liderado por estudantes do Massachusetts Institute of Technology há 15 anos, que já envolveu mais de 10 mil pessoas em 35 países.
"Estimamos que startups nascidas ou inspiradas em nossos eventos já atraíram mais de 20 bilhões de dólares em investimentos. Os eventos reúnem diversidade e criatividade em um espaço seguro para criar protótipos de ideias ousadas", diz o professor.
Leia a seguir mais trechos da conversa.
Como foi a sua viagem ao Brasil e como vê o cenário da tecnologia em saúde no país?
Eu disse ao público no [hospital Albert] Einstein que o Brasil não tem nada a aprender com os Estados Unidos nesse aspecto. Países como China, Brasil e Tailândia têm liderado inovações em dispositivos médicos e sistemas de atendimento que, depois, chegam a países ricos. O Einstein tem uma medicina melhor do que muitos dos principais hospitais dos EUA. É uma instituição fantástica, mas é para os muito ricos. E então há hospitais públicos, com diferentes sistemas. Temos de começar no Einstein e depois levar isso, em cascata, para os hospitais públicos, conforme a tecnologia ficar barata o suficiente. Você precisa de tecnologia para escalar a medicina.
É emocionante ver como a inovação em saúde está acelerando. Já vimos estudantes do MIT desenvolverem conceitos de nanorrobôs para atacar células cancerígenas em poucos dias. Tecnologias como IA e novos medicamentos têm potencial para democratizar o acesso e não devem ficar restritas aos mais ricos. O Brasil, com sua riqueza e diversidade, está pronto para liderar parte dessa transformação.
Por que o hospital Albert Einstein se destaca?
Principalmente porque tem dinheiro, para comprar os melhores equipamentos, como máquinas de ressonância de última geração. Porém, o desafio é transferir essas inovações para hospitais públicos com menos recursos. Além disso, mais atendimento não significa melhor atendimento. É preciso investir em prevenção, especialmente contra a obesidade, porta de entrada para várias doenças crônicas. Fabricantes estão trazendo ao Brasil medicamentos de grande impacto.
Central de monitoramento do hospital Albert Einstein (Germano Lüders/Exame)
Como é a escolha de hospitais e escolas para parcerias?
Gostamos de nos associar às melhores escolas médicas de cada país, porque trazemos nossos alunos para ensinar o processo de inovação em saúde. Parece simples, mas é baseado em décadas de pesquisa sobre criatividade humana, especialmente em problemas complexos como a medicina, marcada por uma cultura avessa ao risco.
Criamos há 15 anos um processo para transformação digital em saúde. Nosso foco é no problema, e a comunicação é feita por meio de pitches. Reunimos equipes diversas, com 1/3 de profissionais de saúde, 1/3 de engenheiros ou PhDs e 1/3 de empreendedores. Cada um apresenta os problemas que mais o motivam, sem falar em soluções de imediato. Depois, eles formam grupos para explorar como a tecnologia pode melhorar a medicina. Os princípios básicos são: diversidade cognitiva e de experiências, inclusão de pacientes no processo e um ambiente seguro para arriscar. Incentivamos improvisação e abertura, permitindo imaginar novos espaços, tecnologias e modelos de atendimento fora dos hospitais — em centros especializados, em casa, em estações de transporte ou até barbearias. Isso já mostrou bons resultados em vários países.
Assim como nos EUA e na Indonésia, o Brasil enfrenta escassez de médicos e enfermeiros. A única forma de reduzir custos, ampliar qualidade e acesso é usar tecnologia para ampliar o impacto dos profissionais. Essa é a “mira tripla” da saúde pública: baixar custos, aumentar a qualidade e ampliar o acesso. Apesar do curto tempo de um fim de semana, vimos no Brasil equipes criando aplicativos e protótipos de dispositivos médicos com materiais locais, mais baratos e viáveis. O objetivo não é exportar soluções americanas, mas estimular invenções adaptadas às necessidades e culturas locais. Em 15 anos, já aplicamos esse modelo em mais de 35 países.
Quais foram as ideias mais impressionantes que encontrou no Brasil?
Houve muitas, mas queria destacar que nem sempre os vencedores dos prêmios são os que prosperam depois. As equipes que continuam trabalhando após o evento, aplicando os métodos aprendidos, acabam chegando a soluções viáveis para o mercado local.
Quais áreas da tecnologia em saúde são mais promissoras?
Estamos na era da inteligência artificial, e ela avança na saúde tão rápido quanto em outros setores. Embora a medicina adote novas tecnologias mais lentamente, a grande presença dos smartphones e das ferramentas de IA acelera essa transformação. No Brasil, vimos equipes usando ChatGPT e outros sistemas para criar aplicativos e experiências em português e até em línguas indígenas da Amazônia, com avatares que interagiam com pacientes, ou ao menos dizem algumas frases que fazem sentido para os pacientes em línguas tribais.
Como vê o uso de IA como “médico”, em que pessoas conversam com chatbots em busca de tratamento?
É necessário impor limites e cuidados, já que a IA pode alucinar. Mas tem vantagens. A IA não se cansa e pode analisar exames com mais consistência, como buscar sinais de câncer em um raio-x no final do dia, quando os médicos estão cansados. A IA nunca fica cansada e pode ver cada píxel da imagem. Há estudos que mostram que a capacidade de diagnóstico dos médicos cai ao final do dia. Esse apoio é essencial diante da sobrecarga e da falta de profissionais, agravadas após a pandemia. As pessoas estão tendo doenças piores agora porque ficaram sem ir ao médico por um tempo.
De que forma o uso de sensores, como relógios inteligentes, abre caminhos para a inovação?
Os dispositivos vestíveis ampliaram enormemente a quantidade de dados disponíveis. Antes, os pacientes recebiam um exame a cada três meses, para então o médico poder mudar sua dose de remédio ou avaliar a progressão de uma doença. Hoje, há sensores que fornecem medições contínuas, permitindo diagnósticos mais precisos e personalizados. Há muitas diferenças entre a biologia de cada pessoa.
Quais os desafios de educar CEOs e gestores de saúde?
O maior deles é fazê-los entender que não se deve começar pela tecnologia, mas sim pelo problema. É preciso olhar a realidade do paciente e do profissional e pensar além do hospital, levando soluções a clínicas locais, vilarejos e ao domicílio. A pandemia mostrou que muitas pessoas preferem ser atendidas em casa. Por isso, ensinamos também executivos a aplicar o mesmo processo que usamos em hackathons.
Há planos de realizar outros eventos do tipo no Brasil?
Sim, queremos realizar o próximo hackathon em português. O primeiro foi possível graças a médicos brasileiros que estudaram em Boston e trouxeram a ideia. Agora, o Einstein e outras instituições podem organizar os próximos eventos sozinhos, assim como aconteceu na Índia. Mas continuaremos voltando com estudantes, porque aprendemos muito com as necessidades locais.