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PEC da Blindagem: Câmara aprova medida que condiciona processos à autorização do Congresso

Texto aprovado condiciona investigações contra parlamentares à autorização do Legislativo

Agência o Globo
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Publicado em 16 de setembro de 2025 às 21h14.

Última atualização em 17 de setembro de 2025 às 06h53.

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A Câmara aprovou nesta terça-feira, em primeiro turno, a chamada PEC da Blindagem, proposta que altera a Constituição para proteger parlamentares de ações nas esferas criminal e cível. Com 353 votos a favor e 134 contrários, os deputados deram aval ao texto que dá ao Legislativo a prerrogativa de determinar se um congressista investigado será réu ou não, em votação secreta em plenário.

Com apoio do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), que alegou ser essa uma pauta de todos os partidos, a Câmara dá uma resposta ao Supremo Tribunal Federal (STF). Com o avanço das investigações sobre o mau uso de emendas parlamentares, a pressão por uma medida de cunho corporativista aumentou. Motta liberou a votação semipresencial e passou grande parte da discussão fora do plenário, mas retornou pouco antes da aprovação.

A votação também ocorre em meio à pressão de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro pela anistia aos envolvidos no 8 de janeiro e na trama golpista.

Mais cedo, Motta anunciou que a votação da PEC ocorreria hoje. Já a urgência do perdão deve ser pautada na quarta-feira. Entre parlamentares, havia esperança de que a primeira iniciativa alivie a pressão de "uma resposta ao STF" e o segundo texto possa ser derrotado em plenário.

Assim, seria aberta uma frente pela negociação de um outro projeto que tem efeito apenas na diminuição das penas dos condenados, sem afetar a inelegibilidade de Bolsonaro.

Depois da votação do texto principal da PEC da Blindagem, deputados ainda votam os chamados destaques, que podem alterar o texto da proposta. Ainda nesta terça a Câmara deve votá-la em segundo turno, para que depois seja encaminhada ao Senado.

O que é a PEC da Blindagem?

A proposta, oficialmente chamada de PEC 3/21 e apelidada por parlamentares de PEC das Prerrogativas, estabelece que o Supremo Tribunal Federal (STF) só poderá processar deputados e senadores com autorização prévia da Câmara ou do Senado. O texto reforça que congressistas continuam a ser julgados apenas pela Suprema Corte em processos criminais.

Além disso, a PEC determina que parlamentares só podem ser alvo de medidas cautelares determinadas pelo STF, inclusive após deixarem o mandato, caso o fato investigado tenha ocorrido durante o período em que exerciam o cargo.

Durante a votação, os deputados rejeitaram a volta do voto secreto para definir se um parlamentar pode ser processado. Com isso, a decisão deverá ser aberta e tomada em até 90 dias após o recebimento da ordem do Supremo.

Segundo o relator Cláudio Cajado (PP-BA), as mudanças não criam privilégios, mas garantem “a própria viabilidade institucional do Legislativo”. Já críticos da proposta, como a líder do PSOL, Talíria Petrone, afirmam que a medida abre espaço para impunidade e pode beneficiar até congressistas acusados de crimes graves.

Principais pontos da PEC da Blindagem:

  • Necessidade de aval da Câmara ou do Senado para que o parlamentar seja "processado criminalmente", ou seja, nenhum deputado ou senador responderá a uma ação penal no STF sem aval do Congresso. Essa regra já existe para o caso de presidente da República.

  • Deputados e senadores continuam a ser julgados apenas pelo STF em processos criminais.

  • Prisão só em flagrante de crime inafiançável (como racismo, tortura, terrorismo, tráfico de drogas etc.).

  • Se houver prisão em flagrante, os autos devem ser enviados em até 24h ao Supremo e à respectiva Casa Legislativa, que terá de votar, por maioria absoluta e em prazo curto, se mantém a prisão ou não.

  • Caso a Casa negue a licença, a prisão fica automaticamente suspensa enquanto durar o mandato.

  • O texto também reforça que Presidente da República, Vice, presidentes da Câmara, do Senado serão julgados pelo STF em infrações penais comuns. Mas acrescenta que presidentes nacionais de partidos políticos com representação no Congresso também serão julgados pelo STF.

Durante a sessão, deputados discutiram a favor e contra a medida. O relator, Cláudio Cajado (PP-BA), argumentou que as prerrogativas parlamentares são institucionais, não privilégios pessoais, e visam proteger a autonomia do Legislativo e remontam ao modelo original da Constituição de 1988, anterior a uma alteração da Carta de 2001.

"Quero acrescentar que esta PEC, em hipótese nenhuma, trata de defender privilégios individuais. Ela trata de resguardar a imunidade material e formal previstas em nossa Carta Magna, fundamentais para que nossos parlamentares possam exercer suas funções com independência", discursou Cajado.

Em contrapartida, a líder da federação PSOL-Rede, Talíria Petrone, afirmou que a matéria não é de interesse da população brasileira.

"Parlamentar pode tudo, inclusive cometer crimes de ódio. Isso não fortalece a democracia. A gente precisa avançar com as agendas que o Brasil precisa: quando vamos votar a isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil?"

Com a resistência de parte da base governista em dar votos em prol da matéria, integrantes do centrão ameaçaram deixar caducar a medida provisória (MP) que impõe a tarifa social para o setor elétrico, uma das bandeiras do Palácio do Planalto. O prazo para apreciação vence amanhã e ainda falta passar pelo Senado Federal.

Hugo Motta afirmou que a proposta foi ao plenário por ter tido a maioria no colégio de líderes.

"A motivação de estar na pauta é o compromisso que esta presidência tem com a autonomia dos mandatos. A decisão de trazer a pauta, decidida na reunião de líderes, é que a gente possa nos resguardar. O relatório do deputado Claudio Cajado retoma o texto constitucional, sem novidades, sem invencionismos e que garante, na minha avaliação, o fortalecimento do mandato parlamentar de cada um desta Casa".

O projeto permite aos parlamentares derrubarem uma prisão em flagrante de um de seus pares. Nessas situações, caberá à Casa Legislativa respectiva — Câmara ou Senado — decidir se mantém ou não a medida. Caso seja indeferido, a prescrição do processo ficará suspensa durante o exercício do mandato.

A PEC também busca reforçar o controle do Congresso sobre medidas cautelares e ordens judiciais que afetem diretamente deputados e senadores.

Na prática, instâncias inferiores ao STF não poderão expedir medidas contra parlamentares em casos cíveis, como bloqueio de bens, blindando-os durante o mandato. Isso não deve mais ocorrer, por exemplo, em processos de improbidade administrativa.

A proposta diz que apenas o STF poderá determinar cautelares "a qualquer tempo".

Foro para presidente de partido

A PEC ainda amplia o alcance do foro privilegiado. O artigo 102 passa a prever que, em infrações penais comuns, além do presidente e vice-presidente da República, congressistas e presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo, também os presidentes de partidos políticos serão julgados diretamente pelo STF.

A proposta resgata elementos de versões anteriores da PEC, que foi apresentada em 2021, mas com ajustes que, segundo líderes, buscam reduzir resistência de integrantes do Supremo.

A PEC chegou a ser retirada de pauta no final de agosto. Neste contexto, Motta trocou o relator, que antes era Lafayette Andrada, tido como um nome do meio jurídico. Lafayette se sentiu desconfortável com as pressões por um texto mais duro contra o STF.

Insatisfação com o PT

Durante a sessão desta terça-feira, líderes do Centrão ficaram incomodados com o fato de o PT ter orientado contra o texto da PEC da Blindagem.

A avaliação é que o partido do presidente Lula dificultou a aprovação da proposta, que já enfrentava dificuldades para passar por ser impopular. Momentos antes da votação, um integrante da cúpula do PP disse que os deputados do PT “deveriam ficar de castigo” e serem excluídos de uma reunião com Motta, que deve ser feita após a votação e deve tratar do destino da anistia e da Medida Provisória do setor Elétrico.

Por outro lado, outros integrantes do Centrão fizeram uma ressalva que, mesmo orientando contra, alguns deputados do PT já haviam se comprometido em apoiar a PEC. Diante do risco de derrota, Motta se ausentou do plenário e entrou em seu gabinete para tentar contar votos e procurar representantes das bancadas para garantir e maioria.

Integrantes da esquerda preveem um cenário de retaliação após o PT ter se recusado a aprovar a PEC, mas ainda têm a esperança de que isso não respingue em uma aprovação da anistia e na perda da validade da MP do setor elétrico.

Há expectativa que Motta retalie em outra iniciativa, como a MP alternativa ao IOF. Líderes veem dificuldades de aprovar uma anistia ampla e também de fazer uma MP popular perder a validade, mas a avaliação é que o apoio ou não às duas iniciativas só vai ser decidido quando Motta ouvir seus principais aliados na Câmara, em uma reunião que deve acontecer antes da reunião ampla com líderes amanhã de manhã.

 

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