Agência de notícias
Publicado em 24 de julho de 2025 às 10h15.
Em 2024, o Brasil registrou um estupro a cada seis minutos, totalizando 87.545 ocorrências no ano, de acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira, 24.
Este número marca o maior registro desde o início do projeto, em 2006, e representa um crescimento significativo em relação aos anos anteriores. Ao contrário dos homicídios e crimes de rua, que apresentam uma tendência de queda a longo prazo, os crimes sexuais, especialmente o estupro, continuam a aumentar.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) acredita que o aumento no número de estupros é real, e não apenas resultado de uma melhoria na subnotificação, um fator comum para crimes de natureza sexual. A pesquisadora Manoela Miklos, do FBSP, observa que o crescimento dessas ocorrências está enraizado em problemas socioculturais profundos no país.
A consolidação do estupro como um crime que ocorre majoritariamente no âmbito doméstico não é uma novidade, mas se mantém como uma realidade persistente nos dados de 2024.
Dois terços dos casos registrados no ano passado ocorreram dentro de residências, e quase metade dos estupradores (45,5%) eram familiares das vítimas. Além disso, 20,6% dos agressores eram parceiros ou ex-parceiros íntimos das vítimas.
Outro dado alarmante é que 77% das ocorrências foram classificadas como "estupro de vulnerável", envolvendo vítimas menores de 14 anos, pessoas com deficiência ou aquelas incapazes de oferecer resistência devido a condições como sedação ou embriaguez. A maioria dessas vítimas são crianças e adolescentes, o que agrava ainda mais a situação.
O perfil das vítimas de estupro também reflete a fragilidade de populações marginalizadas. Mais da metade das vítimas eram mulheres negras (56%), e a renda das vítimas é um fator de risco importante.
A busca por vítimas mais vulneráveis, como crianças e mulheres em situação de marginalização social, é um indicativo claro de que o estupro, além de ser um crime de violência física, também está profundamente ligado a desigualdades sociais e raciais.
O estupro não é o único crime sexual que apresentou crescimento no Brasil em 2024. Entre os 11 indicadores de crimes sexuais monitorados no anuário, sete apresentaram aumento. Isso inclui assédio sexual, importunação sexual e pornografia (divulgação não consensual de fotos ou vídeos íntimos), que teve um aumento de 13% no período. Miklos explica que a migração dos crimes do ambiente real para o virtual é uma tendência crescente. As redes sociais, que frequentemente alimentam a cultura do estupro, têm se tornado um terreno fértil para esse tipo de violência.
A pesquisadora aponta que as redes sociais, ao criarem um ambiente tóxico e muitas vezes hostil para as mulheres, estão contribuindo para a perpetuação de uma cultura de violência sexual. A vulnerabilidade das vítimas offline (no mundo físico) se reflete também nas vítimas online, com a disseminação de pornografia não consensual e a normalização de comportamentos predatórios.
Quando analisados os dados regionais, o estupro ocorre com maior frequência em centros urbanos emergentes, especialmente em áreas de expansão do agronegócio, como nas cidades de Boa Vista (RR), Sorriso (MT) e Ariquemes (RO), que apresentam taxas de estupro superiores ao triplo da média nacional, com 132,7, 131,9 e 122,5 casos a cada 100 mil mulheres, respectivamente.
Miklos sugere que a ausência de políticas públicas eficazes e a falta de fiscalização nessas cidades, muitas delas em expansão devido ao agronegócio, agravam a situação. “Esses centros urbanos se expandem rapidamente, mas não têm a infraestrutura necessária para lidar com questões de segurança pública, incluindo a violência sexual”, afirma.
O anuário também destaca a importância da perícia sexual nos casos de violência sexual. Embora a perícia médica seja essencial para a investigação de estupros, ela nem sempre consegue colher evidências do elemento crucial deste crime: o não consentimento. Esse é um dos maiores desafios, principalmente em casos de violência doméstica, onde a vítima muitas vezes sofre abusos de parceiros ou ex-parceiros. Miklos destaca que o debate sobre consentimento está no centro desse problema e está diretamente ligado à cultura de violência contra as mulheres.
[Grifar] O aumento dos casos de estupro e outras formas de violência sexual no Brasil reflete uma combinação de fatores socioculturais e a migração de crimes do ambiente físico para o virtual.