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Construção do Plano Nacional de Educação a partir de um recorte étnico-racial

É urgente que as metas e diretrizes da próxima década da educação estejam comprometidas com a igualdade racial

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 21 de novembro de 2025 às 08h58.

Por Dandara Tonantzin*

A cada década, o Plano Nacional de Educação (PNE) se renova como bússola dos rumos da educação brasileira. Ao projetarmos o horizonte de 2024 a 2034, é inescapável reconhecer: sem o enfrentamento das desigualdades raciais e sem uma educação verdadeiramente antirracista, o PNE continuará incompleto. As metas de acesso, permanência e qualidade não podem ser analisadas isoladamente, pois o sistema educacional segue atravessado por desigualdades estruturais marcadas por cor, gênero, território e classe social.

A luta dos movimentos negros e educacionais organizados vem conquistando, há mais de duas décadas, inovações legislativas que são marcos da educação antirracista: as Leis nº 10.639/2003 e 11.645/2008, que tornaram obrigatório o ensino de História e Culturas Africana, Afro-Brasileira e Indígena; a Lei nº 12.796/2013, que incorporou a diversidade étnico-racial como princípio educativo; e a Lei nº 12.711/2012, que instituiu ações afirmativas no acesso ao ensino superior, cuja atualização relatei na Câmara dos Deputados e resultou na Lei nº 14.723/2023. No entanto, o racismo estrutural segue reproduzindo desigualdades históricas, e a implementação plena dessas leis permanece desigual e muitas vezes insuficiente.

Essas conquistas inscreveram a pauta antirracista no centro das políticas educacionais, abrindo caminhos para uma educação mais plural e equitativa. Ainda assim, o racismo estrutural mantém desigualdades e fragiliza a execução dessas políticas.

É a partir dessa compreensão que, no contexto do Novembro Negro, período em que reafirmamos nosso compromisso com a igualdade racial e celebramos a ancestralidade e as resistências negras, proponho um questionamento que também é um chamado à ação: como avançar nesta década de vigência do novo PNE em direção a uma educação brasileira efetivamente antirracista?

Como professora e pesquisadora, mulher negra e filha da escola pública, carrego em mim a trajetória de milhões de brasileiros que fizeram da educação um instrumento de emancipação. Hoje, no exercício do mandato parlamentar, apresentei, por meio da Frente Parlamentar Mista Antirracismo, uma iniciativa que pode contribuir com o avanço que almejamos: o PNE Antirracista (2024–2034).

Formulado a partir de mais de 400 contribuições enviadas ao chamado público que realizamos em maio de 2025, o PNE Antirracista reúne vozes do movimento negro, sindicatos, órgãos e conselhos de igualdade racial e cidadãos comprometidos com uma educação justa. O Caderno de Propostas resultante apresenta um diagnóstico rigoroso e uma agenda concreta para orientar políticas nos estados e municípios. Propõe metas explícitas de enfrentamento ao racismo institucional, formação continuada de educadores e monitoramento de indicadores desagregados por raça e território. Em outras palavras, não basta universalizar o acesso à educação: é preciso racializar o olhar sobre as políticas públicas.

Avançar nesse campo exige integrar o PNE às diretrizes da Política Nacional de Educação para as Relações Étnico-Raciais e garantir financiamento específico e contínuo. Instrumentos como o Censo Escolar e o Saeb precisam produzir dados detalhados por raça, gênero e território, permitindo diagnósticos precisos e políticas eficazes. É urgente fortalecer os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (NEABs), os coletivos de educadores antirracistas e as experiências de educação quilombola e indígena, que são referências inovadoras de currículo e gestão comunitária.

Outro passo essencial é articular o PNE à agenda climática e territorial, reconhecendo que populações negras e indígenas concentram as maiores vulnerabilidades socioambientais e educacionais. O enfrentamento do racismo ambiental e das desigualdades territoriais deve caminhar junto ao combate ao racismo educacional, especialmente nas periferias e zonas rurais, onde a evasão e a precarização do ensino persistem como desafios estruturais.

A educação antirracista não é um tema identitário, mas estrutural e civilizatório. Trata-se de uma agenda de democracia, qualidade e desenvolvimento sustentável. O novo PNE tem diante de si a oportunidade histórica de consolidar um pacto federativo pela equidade racial, transformando as Leis nº 10.639/2003 e 11.645/2008 de normas simbólicas em política de Estado. Um pacto que reconheça que a educação pública brasileira só será verdadeiramente universal quando for também antirracista.

Avançar no próximo decênio exige transformar a pauta antirracista em eixo estruturante da política educacional. Isso implica institucionalizar a agenda da equidade racial no planejamento e na avaliação do PNE, com metas acompanhadas de indicadores que revelam desigualdades raciais subjacentes. A formação de professores e gestores deve incorporar, de forma transversal, a educação das relações étnico-raciais e o enfrentamento ao racismo institucional. Além disso, o financiamento educacional precisa reconhecer desigualdades territoriais e raciais, priorizando escolas e comunidades historicamente vulnerabilizadas, especialmente nas periferias, áreas rurais, quilombolas e indígenas.

Por fim, avançar significa assumir o antirracismo como projeto nacional de desenvolvimento e não apenas como compromisso moral ou pedagógico. O novo PNE deve expressar a compreensão de que a reparação histórica é condição para a justiça social e para a qualidade da educação. É hora de alinhar o Brasil ao século XXI, construindo uma política educacional que reflita a pluralidade do seu povo e promova a igualdade como princípio civilizatório. Um PNE antirracista não é apenas um plano de metas, mas uma aposta coletiva em uma educação que reconhece, valoriza e liberta, capaz de reconstruir o Brasil a partir da dignidade de todas as suas cores, histórias e vozes.

*Dandara Tonantzin é deputada federal (PT/MG) e membro da Frente Parlamentar Mista da Educação

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