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Crise do metanol acabou? Tudo que se sabe até o momento

Em dois dias, foram confirmados nove novos casos de intoxicação por metanol no Brasil; investigações federais e estaduais avançam

Crise do metanol: casos ainda geram preocupação no Brasil desde o fim de setembro (Getty Images/Getty Images)

Crise do metanol: casos ainda geram preocupação no Brasil desde o fim de setembro (Getty Images/Getty Images)

Paloma Lazzaro
Paloma Lazzaro

Estagiária de jornalismo

Publicado em 20 de outubro de 2025 às 19h04.

Última atualização em 20 de outubro de 2025 às 19h51.

Prestes a completar um mês do primeiro caso de intoxicação por metanol, a crise que envolve a adição criminosa da substância em bebidas alcoólicas não acabou. Até esta segunda-feira, 20, pelo menos 46 casos foram confirmados e nove pessoas morreram em decorrência da contaminação. As investigações seguem em diversas frentes, enquanto persistem dúvidas sobre como o metanol entrou e se espalhou no mercado nacional.

Até o momento, há algumas boas notícias. A fiscalização foi reforçada, a população tem monitorado mais ativamente os riscos do metanol e o faturamento de bares e restaurantes voltou a níveis próximos da normalidade nos últimos dias.

As polícias, tanto estaduais quanto federal, ainda buscam os responsáveis pelas intoxicações. Há uma hipótese em comum: o metanol presente nas bebidas adulteradas teria origem no mercado de combustíveis clandestinos. Contudo, o nível de organização dos criminosos ainda é debatido entre as forças de segurança. Uma das dúvidas é se há, de fato, uma organização criminosa por trás dos casos ou se os episódios têm caráter mais pontual.

A EXAME detalha a seguir os pontos principais da crise e o estágio atual das investigações.

Brasil tem 14 novos casos confirmados em cinco dias

Ministro da saúde, Alexandre Padilha, durante entrevista coletiva onde faz um balanço e apresenta novas medidas sobre a intoxicação por metanol no país. (Valter Campanato/Agência Brasil)

No desdobramento mais recente da crise, o Paraná registrou nesta segunda-feira, 20, a primeira morte por intoxicação por metanol. Ao todo, nove óbitos foram confirmados no país inteiro, quatro apenas na última semana.

Entre a segunda-feira, 13, e a sexta-feira, 17, foram confirmados 14 casos pelo Ministério da Saúde. Desde o início da crise, no dia 26 de setembro, já foram confirmados 46 casos no total:

  • 38 em São Paulo
  • 5 no Paraná
  • 3 em Pernambuco
  • 1 no Rio Grande do Sul

Outras 87 ocorrências permanecem em investigação, enquanto 528 suspeitas foram descartadas. 

Entre os casos ainda em investigação, a maior parte está em São Paulo, com 44 notificações. Em Pernambuco há 23 suspeitas, seis estão no  Rio de Janeiro, três no Piauí e duas no Mato Grosso do Sul, Goiás e Paraná. Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraíba e Tocantins têm uma suspeita cada.

As autoridades têm movimentado ações de saúde pública para conter a mortalidade e a gravidade dos casos.

O Ministério da Saúde adquiriu na quarta-feira, 15, novas 11,5 mil ampolas de etanol farmacêutico, um antídoto para a intoxicação por metanol. A gestão paulista, por exemplo, disponibilizou 2,5 mil ampolas do antídoto a 20 hospitais de referência.

A crise em São Paulo

São Paulo é o epicentro da crise, nas palavras do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.

Para tentar encontrar as origens e remediar os efeitos do surto, o governo paulista montou uma força-tarefa .

Desde o fim de setembro, a gestão tem realizado operações intensivas de fiscalização, interdição e cassação preventiva de inscrições estaduais de bares e distribuidoras de bebidas alcoólicas.

“Quem não conseguir comprovar de onde sua bebida está vindo, terá a inscrição estadual caçada e não poderá operar", afirmou Tarcísio de Freitas em coletiva de imprensa com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) no dia 6 de outubro.

Além dessas ações, investigações da Polícia Civil de São Paulo têm sido feitas para encontrar os responsáveis pela produção e distribuição de bebidas falsificadas.

Uma das linhas de investigação da polícia é que falsificadores tenham comprado etanol adulterado com metanol de postos de combustíveis e utilizado o combustível como base para as bebidas.

A informação foi dada por autoridades da Secretaria da Segurança Pública em coletiva de imprensa concedida no dia 10 de outubro.

O secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, afirmou que "o crime organizado adulterava o etanol para lucrar, e esse etanol contaminado acabou sendo usado por falsificadores de bebidas".

Apesar de acreditarem na participação do crime organizado na adulteração de combustíveis, o governo paulista mantém a posição de que a produção de bebidas irregulares é feita de forma difusa.

De acordo com Derrite, o crime organizado em São Paulo tem como objetivo principal o lucro.

"Na questão da bebida, o lucro é infinitamente inferior. Por que uma organização que lucra exponencialmente com exportação de pasta base de cocaína, por exemplo, ia migrar para um negócio muito menos rentável? Até aqui, não há nenhum indício da participação do PCC nesse processo todo”, afirmou na coletiva do dia 6 de outubro.

Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública de São Paulo: "Não há nenhum indício da participação do PCC nesse processo todo" (Rodrigo Costa/Alesp/Divulgação)

Operação Poison Source: fonte do veneno

Na terça-feira, 14, foi deflagrada a Operação Poison Source, conduzida pelo Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).

Ao todo, foram expedidos 20 mandados de busca e apreensão — sete deles na capital paulista e os demais em Santo André, Poá, São José dos Campos, Santos, Guarujá, Presidente Prudente e Araraquara.

Até o momento, 1,8 mil garrafas foram apreendidas em diversos estabelecimentos. Destas, 300 já foram periciadas, sendo que cerca de 50% apresentaram de 10% a 45% de metanol.

De acordo com a delegada Leslie Caran Petrus, que coordena a operação, as investigações começaram há cerca de dez dias, após a prisão de um dos maiores fornecedores de bebidas falsificadas do Brasil.

“Ele vendia garrafas com rótulos, tampinhas intactas e lacres, praticamente impossível de identificar a falsificação. Depois, descobrimos quem adquiriu esses produtos e estamos indo atrás deles hoje”, afirmou Petrus em coletiva de imprensa.

Mesmo com parte dos falsificadores sendo identificada, a origem do etanol adulterado com metanol era um incógnita.

Estabelecimentos no ABC paulista

Na manhã da sexta-feira, 17, a Polícia Civil de São Paulo identificou dois postos de combustível que vendiam álcool adulterado com metanol aos falsificadores de bebidas.

Os postos de combustível pertencem a uma mesma família e estão nas cidades de São Bernardo do Campo e Santo André.

A suspeita dos policiais é que o esquema criminoso seja o responsável por todos os casos no estado de São Paulo. Até o momento, a investigação apenas comprovou a ligação entre os postos e a contaminação em bares do ABC e das zonas leste e sul da capital.

“O primeiro ciclo foi fechado. Vamos continuar as diligências para identificar a origem de todas as bebidas adulteradas no estado”, disse o delegado-geral, Artur Dian, durante uma coletiva.

Cadeia das bebidas falsas

Um levantamento deste ano da Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp) indicou que 36% das bebidas comercializadas no Brasil são falsificadas. Ou seja, a cadeia produtiva de bebidas adulteradas é ampla e complexa.

Parte importante dessa produção ilegal são as garrafas.

"Só existe bebida falsificada se foi reutilizada uma garrafa. Não se fabrica uma garrafa nova para a falsificação", segundo Rodrigo Oliveira, CEO da startup de logística reversa Green Mining, disse à EXAME.

No processo de reciclagem de garrafas, todas são quebradas. A compra de vasilhames inteiros é feita por "garrafeiros", que oferecem muito mais dinheiro pelas garrafas inteiras do que o preço por quilo do vidro para reciclagem.

O preço do vidro quebrado no mercado formal da reciclagem varia entre R$ 0,06 e R$ 0,10 o quilo. Enquanto isso, os sucateiros chegam a oferecer de R$ 2 a R$ 5,00 por uma garrafa intacta.

"Eles compram por um valor alto e não sabemos para onde vai. O ponto é justamente esse: existem muitos fornecedores nessa cadeia de sucateiros especializados em garrafas não retornáveis, que fornecem as garrafas para os falsificadores", afirmou Oliveira.

O CEO da Green Mining explicou ainda que adquiridas as garrafas para falsificação, a bebida colocada dentro tende a ser o mais barata possível. Ela pode ser feita a base do álcool de cereais ou bebidas alcoólicas de baixo custo, ambos seguros para consumo, apesar da irregularidade do produto final.

Outra opção, imprópria para o consumo, é o etanol disponível em postos de combustíveis. De acordo com as investigações da Polícia Civil, uso deste é o provável culpado pelas intoxicações por metanol.

Operação Alquimia

Receita Federal

Receita Federal e órgãos parceiros deflagram Operação Alquimia, que busca investigar a cadeia do metanol em si (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A Operação Alquimia buscava rastrear a origem do metanol presente nas bebidas alcoólicas adulteradas. A Receita Federal anunciou a ação na quinta-feira, 16.

São investigadas 24 empresas em 21 cidades pelo envolvimento na distribuição irregular de metanol no Brasil. Para isso, se investigam atuantes no setor sucroalcooleiro, importadores, terminais marítimos, empresas químicas, destilarias e usinas.

A Receita Federal, a Polícia Federal, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) participam da força-tarefa, que coleta amostras das empresas para análises químicas.

Em resposta à EXAME, a Receita Federal afirmou que, devido ao sigilo fiscal, não pode informar os nomes das empresas 24 empresas sendo investigadas. No entanto, o órgão disse que a atuação delas pode não ser independente.

"Há ligação entre algumas das empresas que tiveram amostras de produtos coletadas hoje. Algumas dessas empresas usam metanol no seu processo de produção. A ideia é verificar se há algum desvio no processo", afirmou a Receita.

A Alquimia é um desdobramento das operações Boyle e Carbono Oculto, que revelaram um esquema de adulteração de combustíveis com metanol.

Segundo os investigadores, há fortes indícios de que o combustível adulterado, descoberto pelas operações anteriores, esteja sendo utilizado na fabricação clandestina de bebidas alcoólicas.

São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul foram os focos da operação. No entanto, há casos de intoxicação por metanol confirmados em Pernambuco e no Rio Grande do Sul, ambos estados fora desse foco investigativo.

Segundo a Receita Federal, os resultados das perícias sobre as amostras coletadas nesta quinta-feira ajudarão a fazer hipóteses e provas sobre a cadeia de distribuição de bebidas adulteradas.

As 24 empresas investigadas estão em 21 cidades:

  • Mato Grosso: Várzea Grande
  • Mato Grosso do Sul: Caarapó, Campo Grande e Dourados
  • Paraná: Araucária, Colombo e Paranaguá
  • Santa Catarina: Cocal do Sul
  • São Paulo: Araçariguama, Arujá, Avaré, Cerqueira César, Cotia, Guarulhos, Jandira, Laranjal Paulista, Limeira, Morro Agudo, Palmital, Sumaré e Suzano

Cadeia do metanol

Segundo os investigadores da Receita, existe uma cadeia complexa, que começa com a entrada do metanol no Brasil por meio de importadores. O produto pode ser desviado em diversos momentos para a adulteração de combustíveis.

Nos terminais marítimos, as empresas importadoras movimentam volumes expressivos de metanol, que permanecem nesses locais até serem encaminhados às empresas químicas ou aos clientes finais.

As empresas químicas, por sua vez, adquirem o metanol para uso industrial próprio ou para revenda a outras indústrias químicas. Conforme o comportamento comercial observado pela força-tarefa, algumas delas desviaram parte do produto, retirando-o indevidamente de sua cadeia regular de produção.

Já as destilarias investigadas teriam adquirido metanol por meio de empresas conhecidas como “noteiras”. As notas fiscais indicavam caminhões e motoristas que, contudo, nunca chegaram aos destinos informados, sugerindo possível fraude documental.

As usinas, produtoras e distribuidoras de etanol anidro e hidratado, também estão sendo verificadas por atuarem em pontos estratégicos da cadeia, fundamentais para rastrear eventuais lotes adulterados ou irregularidades na destinação do produto.

A maneira com que a distribuição do metanol e, posteriormente, das bebidas adulteradas é feita no Brasil continua hipotética.

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