Decreto da orla: novas regras da prefeitura do Rio proíbem som, bandeiras e garrafas nas praias e geram reação de comerciantes e frequentadores (andresr/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 20 de maio de 2025 às 06h40.
Um decreto da prefeitura do Rio, publicado na sexta-feira passada, impõe regras mais rigorosas para o uso do espaço público nas praias. A medida, que entra em vigor a partir do próximo dia 31, promete trazer ordem ao espaço mais democrático da cidade.
O texto traz uma lista com 16 condutas que passam a ser expressamente proibidas em toda a orla. Algumas das novas regras — como o veto a garrafas de vidro, música e bandeiras em quiosques e barracas — foram alvo de críticas tanto de donos dos estabelecimentos quanto de frequentadores. Embora o decreto ainda não esteja em vigor, ontem fiscais da prefeitura já percorriam as praias, e muitos comerciantes tiveram que inverter as faixas de identificação das barracas para não exibir os nomes dos espaços, uma das proibições contidas no decreto.
Em vez dos nomes, a identificação, daqui por diante, deverá ser feita por números. Na manhã de ontem, Peter Oliveira, de 42 anos, dono da Barraca 96 – Paraíso Tropical, no Leblon, tentava manter o ritmo de trabalho, apesar do constrangimento.
— Eles estão vindo todos os dias intimidar. Estou aqui há dois anos. Não tem como trabalhar direito. O cliente não vai reconhecer a barraca só com o número — desabafa.
As condutas vetadas pelo decreto incluem ainda apresentações de música ao vivo e qualquer outro tipo de som e até o hasteamento de bandeiras na faixa de areia — prática antiga que, ao longo dos anos, passou a demarcar o ponto de encontro para as diferentes tribos praianas. A criação de “cercadinhos” de área pública com cadeiras, o funcionamento de escolinhas de esportes ou atividades recreativas sem autorização municipal e acampamentos para pernoite também foram banidos.
O rol de proibições engloba ainda a venda ou distribuição de bebidas em garrafas de vidro; a instalação e funcionamento de comércio ambulante — carrocinhas, food trucks, barracas, trailers — sem autorização; a circulação e o estacionamento de ciclomotores, patinetes motorizados ou similares no calçadão; a fixação de objetos ou amarras em árvores ou outro tipo de vegetação e a ocupação indevida de área pública com guarda-sóis, tendas ou estruturas grandes.
Bruno de Paula, que mantém, com seus sócios, cinco quiosques na orla do Leme e Copacabana — Ginga, Nacho Praia, Samba Social Clube, Areia MPB e o recém-inaugurado Coisas de Bamba — vê com preocupação a proibição de música ao vivo nos estabelecimentos:
— Quanto mais ordem na cidade, na orla, melhor, claro, mas não consigo entender a proibição de música nos quiosques. A gente trabalha corretamente, respeitando o que diz a lei, os horários. Se tem alguém que está desrespeitando, que haja fiscalização, mas acabar com tudo é algo que não entendo. Vai gerar desemprego, o movimento certamente será afetado.
As reações ao decreto já chegaram às redes. O Alalaô Kiosk, em Ipanema, divulga em seu perfil no Instagram um abaixo-assinado on-line contra a proibição de música ao vivo nos quiosques. No texto, o estabelecimento diz que “cerca de cem músicos se apresentaram nas ecléticas rodas” que acontecem no local.
A publicação aponta ainda que o decreto soa “contraditório, vindo de um prefeito apaixonado pela vitalidade de rua do Rio de Janeiro e que acaba de promover um megaevento planetário em Copacabana”.
As turistas Fabiane Evol, de 25 anos, de São Paulo, e Ana Letícia Diniz, de 26, de Belo Horizonte, chegaram ao Rio para reviver a experiência de desfrutar a praia, mas se viram desorientadas.
— A gente conhece a orla. Vai sempre nas mesmas barracas. Como vamos nos localizar agora? Por número? A gente vai perder a referência — reclama Fabiane.
O chef Nicolas Kinoshita, de 33 anos, reforça o impacto cultural que esse decreto gera nos frequentadores da praia:
— O turista vem procurar a barraca pela bandeira, pelo nome. Tem gente que nem fala português. Sem isso, você tira o acolhimento.
Num encontro com donos de quiosques e barraqueiros no Teatro Ipanema, poucas horas depois da publicação do decreto, na sexta-feira, o prefeito Eduardo Paes adotou um tom duro para tratar das novas regras:
— Me perdoem pela dureza, mas eu fiz questão de vir aqui para dizer: “esse decreto é meu”. Tem um monte de ajuste que eu acho que tem que fazer, porque ele está frouxo. Não trata de um monte de coisa, mas essa missão é minha, eu vou comprar isso pessoalmente. Não tenho medo de perder voto, eu vou disputar uma eleição em breve, não vou dizer qual, mas vou disputar. Prefiro perder na boa. Já ganhei, já perdi, faz parte da vida, mas prefiro perder do que ser um prefeito incompetente, ter uma cidade esculhambada.
Paes também fez alguns acenos à plateia quando disse, por exemplo, que pode desapropriar um imóvel na Rua Teixeira de Melo, sem especificar qual, para criar um depósito para os barraqueiros de Ipanema e buscar alternativas semelhantes também em Copacabana e Barra da Tijuca.
Em manifesto divulgado ontem, a Orla Rio, responsável pela gestão de 309 quiosques e 27 postos de salvamento do Leme ao Pontal, afirma que “o Decreto 56072 ameaça dois pilares vitais da experiência da orla: a música e o vidro”. O texto afirma que “154 das 179 marcas que operam quiosques” têm programação musical regular e que “retirar a música ou restringir a experiência é apagar o que torna o Rio inesquecível. É silenciar a alma da orla”.
Sobre o uso de garrafas de vidro, a entidade afirma que a proibição “empobrece a experiência e transforma a pluralidade gastronômica em algo padronizado e sem alma”, além de “comprometer o faturamento e afastar parte do público”.
Hoje, às 10h, a Câmara de Vereadores realiza uma audiência pública para debater o Projeto de Lei 488/2025, que cria o Estatuto da Orla do Rio.
— A proposta tem basicamente os mesmos preceitos do decreto, só que é uma lei, portanto, não fica sujeita a uma eventual mudança de entendimento por parte do Executivo. Vamos promover essa audiência pública para ouvir os diversos segmentos da praia e aprimorar o texto — explica o vereador Flávio Valle (PSD), autor do projeto.