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Defesa de Ramagem pede suspensão de ação por organização criminosa e nega orientação a Bolsonaro

Advogado minimiza documentos apreendidos pela PGR e afirma que ex-chefe da Abin era 'no máximo um compilador nacional da República'

Agência o Globo
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Agência de notícias

Publicado em 2 de setembro de 2025 às 15h55.

Última atualização em 2 de setembro de 2025 às 17h19.

O advogado do deputado federal Alexandre Ramagem defendeu no julgamento da trama golpista no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira, 2, que a acusação contra ele por organização criminosa também seja suspensa. A defesa negou ainda que o parlamentar tenha orientado o ex-presidente Jair Bolsonaro em qualquer ofensiva antidemocrática.

O advogado Paulo Cintra afirmou ainda que a Procuradoria-Geral da República (PGR) cometeu "erros graves" na denúncia e reiterou que Ramagem, que chefiou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em parte do governo Bolsonaro, já tinha deixado o governo federal na época em que a acusação narra que houve o "acirramento das intenções" golpistas.

Ramagem e os outros sete réus, incluindo Bolsonaro, foram acusados de cinco crimes: organização criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

A tramitação com relação às duas últimas imputações foi suspensa por decisão da Câmara, já que os crimes foram cometidos após a diplomação dele como parlamentar, prerrogativa que a Constituição dá ao Congresso.

Após aprovada pela Câmara, a suspensão foi aceita pela Primeira Turma do STF. O colegiado entendeu que a decisão dos parlamentares, contudo, não abrangeria as acusações relativas aos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, pois são fatos anteriores à diplomação.

Ao fazer a defesa de Ramagem, o advogado Paulo Cintra pediu que o entendimento seja expandido também para o crime de organização criminosa:

— A denúncia imputou-lhe o crime de organização criminosa. O entendimento da defesa é de que a resolução nº 18 da Câmara alcançaria o crime de organização criminosa, que continuava em vigência após a diplomação de Ramagem como deputado federal.

Cintra afirmou que Ramagem, ao contrário do que aponta a PGR, não orientou Bolsonaro a tomar nenhuma medida:

— Alexandre Ramagem não atuou para orientar o presidente da República, ele não era um ensaísta do presidente. Ele compilava ali (nos documentos que constam na denúncia da PGR) pensamentos do presidente. É muito grave dizer que Alexandre Ramagem seria ensaísta de Jair Bolsonaro. Não era. Quando muito ele era o grande compilador oficial da República. O que tinha naqueles documentos eram compilados de declarações públicas reiteradas.

A investigação encontrou uma série de documentos de autoria de Ramagem com supostas orientações e argumentos para questionar a segurança das urnas eletrônicas. Um dos documentos, intitulado 'Presidente TSE informa.docx', continha argumentos que a PGR afirma serem orientações para o então presidente Bolsonaro com argumentos falsos a serem usados por ele contra as urnas. Esse arquivo foi enviado por celular a um contato identificado como JB 01, que a PF afirma ser Bolsonaro.

"Erros graves"

A defesa afirmou ainda que a denúncia da PGR comete erros fáticos "graves" a respeito de Ramagem, citando o suposto acesso ao software FirstMile, que teria sido usado de maneira irregular no âmbito da chamada Abin paralela.

— O MPF afirmou que Ramagem não apenas teria ciência da utilização irregular dessa ferramenta [o software Firstmile] pelo serviço de inteligência, como tinha acesso ao sistema. (...) Ocorre que a autoridade policial não fez alusão ao log de acesso a sistema algum — disse Cintra.

Ele reiterou o argumento de que os textos encontrados pela PF com Ramagem nas quais ele questionada a lisura do processo eleitoral e das urnas eletrônicas eram apenas "anotações".

— Ele [Ramagem] sempre falou: "Eu sempre faço anotação de tudo. Meu computador é um mar de anotações" — disse o advogado.

Cintra frisou que não existem elementos que comprovem que essas anotações foram entregues ao ex-presidente da República. O advogado disse também que o suposto grupo de trabalho para "aferir a segurança das urnas" com a participação da Abin, mencionado por Ramagem em mensagem a Bolsonaro, "não chegou a sair do papel".

— Os documentos [citados na denúncia da PGR sobre Ramagem] basicamente tratam de falas, pensamentos e discursos publicizados durante longo tempo pelo presidente da República, sobre supostamente ter vencido as eleições de 2018 no primeiro turno — acrescentou o defensor.

Argumentos da defesa no processo

Em agosto, a defesa do deputado afirmou, em suas alegações finais entregues ao STF, que Ramagem jamais participou de discussões para manter Bolsonaro no poder após a derrota eleitoral. Paulo Renato Garcia Cintra ressaltou na época que Ramagem deixou o governo em março de 2022 para disputar a eleição, "antes do alegado recrudescimento das ações do alegado grupo".

No documento protocolado no STF, a defesa do deputado falou que os textos feitos por ele com questionamentos às urnas eletrônicas "se limitaram a reproduzir manifestações públicas do então presidente" e reiterou que “o conteúdo dos três arquivos de texto apenas revela convergência com aquilo que já era propagado pelo então Presidente da República”.

Em depoimento prestado em junho, Ramagem disse que os arquivos sobre urnas eram opiniões "privadas" e não foram enviados por ele a Bolsonaro. A defesa também pontuou que os textos era "anotações pessoais" e que "nada tinham de ilegal". "Não há qualquer escrito relativo a suposto de uso da força ou de adoção de atos temerários pelo Presidente da República", frisou.

O advogado rebateu a acusação da PGR de que Ramagem "auxiliou ativamente na construção argumentativa dos discursos e no constante reforço da mensagem de fraude eleitoral”. "Alexandre Ramagem auxiliou constante e ativamente na construção da mensagem de fraude eleitoral com 4 [quatro] arquivos de texto, produzidos em quase 3 [três] anos???", questionou.

Sobre o uso indevido da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para fins políticos, com utilização do software espião First Mile contra adversários do ex-presidente, a defesa alega que a ferramenta foi adquirida antes da gestão Ramagem e deixou de ser utilizada pela Abin em maio de 2021. "Alexandre Ramagem atuou de forma concreta para aferir a regularidade da utilização da ferramenta no âmbito da Abin, determinando a instauração de procedimentos administrativos com essa finalidade", ressaltou.

Ramagem foi acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por outros dois crimes: dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima e deterioração de patrimônio tombado. A ação penal com relação a esses delitos, porém, foi suspensa pelo fato de os crimes terem ocorrido após a diplomação de Ramagem como deputado federal. O ex-diretor da Abin é acusado de comandar um esquema de espionagem clandestina durante sua gestão à frente do órgão, no governo Jair Bolsonaro. Segundo a denúncia, Ramagem utilizou de forma ilícita estruturas do Estado para disseminar informações falsas sobre o processo eleitoral e contra ministros do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Defesa de Cid

Anteriormente, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, defendeu a validade do acordo de delação premiada e negou que tenha havido coação da Polícia Federal e do ministro Alexandre de Moraes, relator do processo no Supremo Tribunal Federal (STF).

Os advogados do tenente-coronel abrem a fase das sustentações orais. Eles têm até uma hora para defender seu cliente na sessão que analisa a ação penal contra o ex-mandatário e outros sete aliados por tentativa de golpe.

— Eu posso não concordar com o relatório, com o indiciamento do delegado e, de fato, não concordo. Agora, nem por isso eu posso dizer que ele coagiu o meu cliente ou que ele cometeu uma ilegalidade. Não posso dizer que ele e o ministro Alexandre de Moraes me coagiram, porque não seria verdade — afirmou o advogado Jair Alves Pereira

As defesas do ex-presidente Jair Bolsonaro e do general Braga Netto contestam a delação de Cid justamente indicando, dentre outros pontos, coação.

A defesa de Bolsonaro afirmou que "suas declarações, desde o princípio, não resultam de ato voluntário e nem estiveram pautadas na verdade". Já os advogados de Braga Netto afirmaram que a delação contém uma série de "vícios", como a falta de "voluntariedade do delator" e a "coação" por parte da Polícia Federal.

A defesa de Cid afirmou ainda que ele não tinha conhecimento do Plano Punhal Verde e Amarelo, que, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), previa o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice Geraldo Alckmin e de Moraes em 2022, após a derrota de Bolsonaro na eleição.

— O que há efetivamente nos autos? Que Mauro Cid jamais elaborou, compartilhou ou incitou qualquer conteúdo golpista que não há sequer nenhuma mensagem de sua autoria. O que há é o recebimento passivo de mensagens no seu WhatsApp — afirmou o advogado Cezar Bittencourt, que também integra a defesa.,

Anotações sobre a linha de defesa

Antes da sua fala, na sessão da manhã, Bittencourt segurava um papel com anotações que apontavam para qual direção deve seguir sua defesa: “Ele não estava no Brasil no 8 de janeiro. Não participou dos atos de invasão. Não comandou nenhum movimento militar. Não instigou, não planejou, não mobilizou ninguém”. Segundo o defensor, a acusação estaria baseada em “suposições” e “especulações”.

Cid firmou acordo de delação premiada e responde a cinco crimes — organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. A soma das penas pode chegar a 43 anos de prisão.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu ao Supremo que Cid seja condenado. Em manifestação nesta manhã, o procurador-geral Paulo Gonet criticou o “caráter seletivo” da colaboração e disse que ela não afasta a responsabilidade do militar.

Declarações de Moraes

O julgamento teve início às 9h desta terça-feira. Antes de ler o relatório final, o magistrado afirmou que o país e a Corte só têm a "lamentar que mais uma vez se tenha tentado novamente um golpe de Estado". Ele fez uma crítica à proposta de anistia, apresentada por bolsonaristas na Câmara, e afirmou ainda que "apaziguamento significa impunidade". A declaração ocorreu logo após a abertura da audiência pelo ministro Cristiano Zanin, presidente do colegiado.

Moraes acrescentou que, se existirem provas, os réus serão condenados:

— Assim se faz a Justiça. Esse é o papel do STF: julgar com imparcialidade e aplicar a justiça a cada um dos casos concretos, ignorando pressões internas e externas. É o mesmo respeito ao devido processo legal que o STF vem seguindo nas 1.630 ações penais ajuizadas pela PGR referentes à tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023.

Parecer da PGR

Segundo a falar, Gonet defendeu a condenação dos acusados e argumentou que a impunidade poderia "recrudescer ímpeto de autoritarismo" e colocar "em risco o modelo de vida civilizado". O chefe do Ministério Público foi o segundo a falar na sessão. Antes dele, o relator, ministro Alexandre de Moraes, apresentou seu relatório sobre o caso.

Logo no início de sua fala, Gonet rebateu argumentos das defesas sobre a execução ou não de um plano golpista. Para o procurador-geral da República, para que a tentativa de golpe se consolide, não seria preciso uma ordem assinada pelo presidente da República e as articulações antidemocráticas não podem ser tratadas como um "plano bonachão".

O procurador-geral destacou em sua sustentação oral o apoio do grupo aos acampamentos em frente a quartéis no fim de 2022, que deram origem às invasões dos prédios dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

Gonet afirmou ainda que documentos encontrados com os investigados previam "medidas de intervenção inaceitáveis constitucionalmente". Bolsonaro admite ter conversado com os comandantes das Forças Armadas sobre alternativas ao resultado eleitoral, mas alega que foram discutidos apenas instrumentos previstos na Constituição.

Após a defesa de Mauro Cid, os advogados de cada um dos réus terão uma hora para falar. Eles serão apresentados em ordem alfabética.

O que está em discussão?

O ponto central a ser debatido pela Primeira Turma do STF, composta pelos ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Luiz Fux, é o plano golpista. De acordo com a PGR, foi arquitetado um complô para reverter o resultado da eleição, contrariando a Constituição, para manter Bolsonaro no poder. A investida só não teria ido adiante, mesmo com apoio de alguns militares, porque os então comandantes do Exército, Freire Gomes, e da Aeronáutica, Baptista Júnior, rejeitaram colocar as tropas à disposição do ex-presidente. O processo também representa um marco para a caserna, porque pode levar pela primeira vez à prisão de integrantes das Forças Armadas por atentado à democracia.

“Todos eles convergiram, dentro do seu espaço de atuação possível, para o objetivo comum de assegurar a permanência do presidente da República da época no exercício da condução do Estado, mesmo que não vencesse as eleições”, escreveu o procurador-geral da República, Paulo Gonet, em sua manifestação final. Os réus negam as acusações.

Ordem do julgamento

No início da sessão, Zanin esclareceu as regras, como a proibição de filmar e fotografar na sessão e explicou o passo a passo:

Leitura do relatório

  • Sustentação oral pela PGR por até duas horas
  • Sustentação das defesas, começando pelo réu colaborador e depois na ordem apresentada na denúncia
  • Apresentação do voto pelo relator
  • Voto dos demais ministros
  • Além de Bolsonaro, serão julgados os ex-ministros Braga Netto, Augusto Heleno, Anderson Torres e Paulo Sérgio Nogueira; o ex-comandante da Marinha Almir Garnier; o deputado federal
  • Alexandre Ramagem, ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência e delator da trama golpista.

Como será o julgamento?

Após o presidente da Primeira Turma da Corte, Cristiano Zanin, abrir a sessão, o primeiro ponto do julgamento é a leitura do relatório, momento em que o ministro Alexandre de Moraes faz um resumo do processo, apresentando os principais pontos listados pela acusação e pelas defesas.

Na sequência, é a vez das manifestações da Procuradoria-Geral da República (PGR) e das defesas, que se posicionam em ordem alfabética — a exceção fica com os advogados do tenente-coronel Mauro Cid, que se manifestam primeiro em função do acordo de delação premiada.

Há cinco dias já reservados para o julgamento, em oito sessões.

Veja as datas do julgamento

  • 2 de setembro: 9h
  • 2 de setembro: 14h
  • 3 de setembro: 9h
  • 9 de setembro: 9h
  • 9 de setembro: 14h
  • 10 de setembro: 9h
  • 12 de setembro: 9h
  • 12 de setembro: 14h
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