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Dino diz que ordens de tribunais internacionais integrados pelo Brasil seguem com eficácia imediata

Ministro fez esclarecimento após despacho que veio na sequência de sanções impostas a Moraes pelos EUA por meio da Lei Magnitsky

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Publicado em 19 de agosto de 2025 às 13h47.

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O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu nova decisão nesta terça-feira e afirmou que ordens de tribunais internacionais dos quais o país é signatário, como o Tribunal Penal Internacional (TPI), seguem com eficácia imediata no Brasil.

Na segunda-feira, ele havia decidido que leis e ordens administrativas ou judiciais de outros países não produzem efeitos no Brasil de forma automática e necessitam de homologação da Justiça brasileira para terem validade. O despacho foi feito após os Estados Unidos sancionarem o ministro Alexandre de Moraes com a Lei Magnitsky, que impõe restrições econômicas como o bloqueio de contas bancárias e de bens em solo americano.

Os termos da decisão original, segundo o próprio ministro, provocaram dúvidas em juristas.

"Assim, cumpre assinalar no presente Despacho complementar que os tribunais internacionais, cujas competências são definidas em tratados incorporados ao Direito brasileiro, não se inserem no conceito de “tribunais estrangeiros”. Tribunais estrangeiros compreendem exclusivamente órgãos do Poder Judiciário de Estados estrangeiros, ao passo que tribunais internacionais são órgãos supranacionais", escreveu Dino.

O ministro acrescentou que a primeira decisão trata "exclusivamente" de ordens "proferidas por tribunais estrangeiros que exigem homologação ou adoção de outros instrumentos de cooperação internacional para a produção de efeitos internos, preservada a jurisdição obrigatória de tribunais internacionais, uma vez reconhecida pelo Brasil, e os efeitos imediatos de suas decisões".

Entenda o caso

No despacho anterior, Dino também convocou uma audiência pública para aprofundar a discussão e comunicou a decisão ao Banco Central, à Federação Brasileira de Banco (Febraban) e entidades do setor financeiro, para evitar que ordens externas interfiram em operações no Brasil sem chancela do STF. Como mostrou O GLOBO, bancos brasileiros contrataram escritórios de advocacia nos EUA para entender o alcance da medida e como deveriam agir de agora em diante.

Na decisão, Dino destacou que, nos últimos anos, “ondas de imposição de força de algumas nações sobre outras” passaram a agredir postulados essenciais do Direito Internacional, com tratados sendo “abertamente desrespeitados”, inclusive os que garantem proteção a civis em conflitos armados.

Ao fixar a tese, Dino estabeleceu que normas e decisões de outros países não têm validade automática no Brasil.

“Leis estrangeiras, atos administrativos, ordens executivas e diplomas similares não produzem efeitos em relação a pessoas naturais por atos em território brasileiro, relações jurídicas aqui celebradas, bens aqui situados, depositados, guardados, e empresas que aqui atuem”, escreveu o ministro.

Segundo a decisão, tais atos só podem produzir efeitos em território nacional caso sejam homologados pela Justiça brasileira ou incorporados ao ordenamento jurídico por meio de mecanismos formais de cooperação internacional. O ministro também determinou que estados e municípios brasileiros estão impedidos de propor novas demandas em tribunais estrangeiros.

'Neocolonialismos'

A decisão foi tomada no âmbito da ação movida pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que questionou a legalidade de municípios brasileiros contratarem escritórios estrangeiros para propor ações em cortes internacionais relacionadas a desastres socioambientais.

“Instituições do multilateralismo são absolutamente ignoradas. Tratados internacionais são abertamente desrespeitados, inclusive os que versam sobre a proteção de populações civis em terríveis conflitos armados, alcançando idosos, crianças, pessoas com deficiência, mulheres. Diferentes tipos de protecionismos e de neocolonialismos são utilizados contra os povos mais frágeis, sem diálogos bilaterais adequados ou submissão a instâncias supranacionais”, completou o ministro.

Evento vinculante

A decisão tem efeito vinculante e afasta a possibilidade de que determinações unilaterais de governos ou cortes estrangeiras interfiram em contratos, bens ou direitos estabelecidos no Brasil. Nos bastidores do STF, a avaliação é a de que a decisão de Dino serve como um "reforço" a respeito da não-aplicabilidade de leis e ordens judiciais estrangeiras no Brasil.

O governo dos Estados Unidos anunciou no dia 30 de julho a aplicação da Lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes. Ele é o primeiro brasileiro sancionado diretamente pela norma. A sanção ocorre após a escalada da crise entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e governo e Judiciário brasileiros.

A inclusão de Moraes na Lei Magnitsky se deu no mesmo dia em que Trump formalizou o tarifaço de 50% contra exportações brasileiras, ainda que com exceções para quase 700 categorias de produtos, entre elas aviões, petróleo, suco de laranja e celulose.

A decisão de Dino aborda parâmetros gerais envolvendo decisões judiciais estrangeiras, sem entrar no mérito específico do caso envolvendo Moraes e a lei norte-americana. Citando a Constituição, o ministro do STF ressaltou que decisões judiciais estrangeiras só podem ser executadas no Brasil mediante homologação ou observados os mecanismos de cooperação judiciária internacional.

De acordo com Dino, os princípios constitucionais da soberania nacional e da igualdade entre os Estados tornam inadmissível que o Estado brasileiro se submeta à jurisdição de outro país, uma vez que as nações são consideradas iguais e, por isso, não podem exercer julgamento umas sobre as outras.

O GLOBO apurou que antes de tomar a decisão, Dino informou alguns colegas sobre a medida, explicando qual seria a extensão de seu entendimento. Integrantes do STF avaliam que a decisão foi positiva por esclarecer pontos que não estavam claros, e que a audiência pública convocada pelo relator do caso será uma oportunidade para que as entidades possam balizar suas atuações. Ainda não há data para que o encontro ocorra, mas a expectativa é que aconteça em outubro.

Na ação apresentada ao STF em 2024, o Ibram menciona ações apresentadas pelos Executivos municipais brasileiros em países como Estados Unidos, Alemanha e Holanda. Entre eles estão ações de ressarcimento relativas aos acidentes de Mariana e Brumadinho – tema que está em andamento também na Justiça brasileira.

Articulação no STF

Diante desse cenário e da perspectiva de ampliação das sanções para pessoas próximas a Moraes ou mesmo outros ministros do STF, os bancos brasileiros contrataram escritórios de advocacia americanos para obter orientação e respaldo jurídico.

De forma ainda incipiente, os pareceres vão na linha de que os bancos podem manter relacionamento com Moraes nas operações em reais. Ainda assim, há receio no setor: caso o entendimento da Justiça americana seja de que é preciso cortar totalmente o relacionamento com sancionados, quem mantiver alvos como correntistas pode até mesmo perder a capacidade de receber empréstimos de instituições estrangeiras.

Entre os maiores bancos do Brasil, apenas a Caixa Econômica Federal não tem operações nem ações nos Estados Unidos. Mas a estatal é sócia, com BB e Bradesco, da bandeira de cartões Elo e, como todo banco brasileiro, utiliza o sistema Swift para realizar transações internacionais.

De acordo com o Banco Central, um banco ou instituição bancária não são obrigados a abrir ou a manter conta corrente de clientes que considerem inviáveis.

"O banco pode estabelecer critérios próprios para abertura e manutenção da conta, desde que observadas a legislação e a regulamentação atual. Assim, caso não tenha interesse, ele pode se recusar a abrir ou manter conta corrente ou conta poupança para o cidadão", diz a autarquia.

O que é a Lei Magnitsky?

Sancionada em 2012 pelo então presidente dos Estados Unidos Barack Obama, a lei Magnitsky prevê uma série de sanções que, na prática, extrapolam as fronteiras dos Estados Unidos e que podem ser decretadas sem necessidade de condenação em processo judicial. A rigor, basta um ato administrativo do governo americano, que pode ou não ser lastreado em informes de autoridades e organismos internacionais.

A principal sanção prevista na lei é o bloqueio de bens de pessoas ou organizações que estejam nos Estados Unidos. Isso inclui desde contas bancárias e investimentos financeiros até imóveis, por exemplo.

Os sancionados tampouco podem realizar operações que passem pelo sistema bancário dos Estados Unidos. Na prática, isso leva ao bloqueio de ativos dolarizados mesmo fora da jurisdição americana, bem como o bloqueio de cartões de crédito internacionais de bandeiras com sede no país.

A aplicação da norma a Moraes é controversa, uma vez que o ministro não é acusado de corrupção e suas decisões judiciais são referendadas pelo STF em um regime democrático. O Brasil é considerado uma democracia com poder Judiciário independente pelos principais projetos acadêmicos internacionais de democracia comparada, como o da organização americana Freedom House e do V-Dem.

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