Agência de notícias
Publicado em 18 de agosto de 2025 às 07h11.
A Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados aprovou na semana passada a destinação de R$ 279 milhões em emendas de comissão para 304 municípios, em uma votação que durou apenas 14 segundos e não teve aviso prévio na pauta, revela ofício obtido pelo GLOBO. O episódio não foi um caso isolado na Casa: movimento e velocidade semelhantes também foram seguidos por outros colegiados.
No momento em que a comissão deu aval ao repasse, não foram informados os valores nem os responsáveis pelas indicações, mesmo após o Supremo Tribunal Federal (STF) ter feito uma série de exigências sobre transparência na alocação desse tipo de recurso. Após a sessão, O GLOBO teve acesso, porém, ao documento, que detalha a quantia de cada emenda, os autores, as cidades beneficiadas e o objeto — descrito genericamente como “apoio à política nacional de desenvolvimento urbano voltado à implantação e qualificação viária”. O ofício ainda não foi tornado público.
A aprovação a jato ocorreu sob a presidência do deputado Yury do Paredão (MDB-CE).
— A votação ocorreu como sempre. As emendas foram aprovadas por unanimidade simbolicamente — justificou o parlamentar.
Segundo a legislação recente e determinações do STF, as emendas parlamentares devem obedecer a critérios claros de transparência, com registro de quem indicou cada recurso e detalhamento de sua destinação. No entanto, as votações em comissões na semana passada mostraram que essas regras ainda encontram resistência na prática. Além da Comissão de Desenvolvimento Urbano, ocorreram aprovações em menos de um minuto também nos colegiados de Integração Nacional e Saúde.
A Comissão de Saúde, presidida pelo deputado Zé Victor (PL-MG), aprovou emendas em velocidade recorde: apenas 20 segundos. O valor total disponível para o colegiado é de R$ 3,8 bilhões, mas até o momento não há transparência sobre os beneficiários. Deputados relataram surpresa com a inclusão das indicações na sessão.
O GLOBO questionou alguns dos parlamentares que aparecem como autores das emendas aprovadas pela Comissão de Desenvolvimento Urbano se sabiam da aprovação dos recursos. Responsável pela indicação de R$ 500 mil a Angelândia e R$ 597 mil para Viçosa, em Minas, Reginaldo Lopes (PT-MG) respondeu que não.
— Não fazia a mínima ideia — disse.
O deputado Reimont (PT-RJ), que teve uma emenda de R$ 1 milhão para Japeri (RJ) aprovada, também demonstrou surpresa ao ser procurado.
Na Comissão de Integração Nacional, presidida por Yandra Moura (União-SE), a votação durou apenas oito segundos, também sem divulgação prévia. A presidente minimiza o procedimento, dizendo que aconteceu “como sempre foi”, e afirma que os detalhes seriam repassados posteriormente.
No total, foram seis comissões que aprovaram emendas, que juntas têm direito a mais de R$ 7 bilhões em recursos. Esporte, Turismo e Educação completam a lista. O mecanismo foi parecido em todas as comissões. Deputados que participavam das reuniões se disseram surpresos e sequer sabiam se suas indicações haviam sido contempladas, já que os detalhes não foram apresentados na ocasião.
— Eu cheguei um pouco atrasado, tinha acabado de votar e reclamei porque achei um processo muito rápido. A presidente me garantiu que vai me mandar a relação, talvez tenha enviado, mas viajei. Espero que daqui para a frente não seja mais assim — disse Paulo Guedes (PT-MG), membro do colegiado de Integração Nacional.
No caso da Comissão de Desenvolvimento Urbano, o ranking de partidos mais beneficiados indica que o PT foi o maior contemplado, com R$ 64 milhões, seguido pelo MDB (R$ 45,9 milhões), Republicanos (R$ 41,1 milhões) e PSD (R$ 35,2 milhões). União, PL, PSDB, Podemos, PP, PSB, PDT, Solidariedade e PRD completam a lista, com valores que variam de R$ 28,2 milhões a R$ 866 mil.
Entre os municípios que mais foram contemplados com a destinação dos recursos, destacam-se Macapá (AP), com R$ 6 milhões; Ribeira do Pombal (BA), com R$ 4,8 milhões; Vargem Grande Paulista (SP), com R$ 4,27 milhões; Itapevi (SP), com R$ 4,16 milhões; e Normandia (RR), com R$ 3,9 milhões. Entre os estados, lideram São Paulo (R$ 43 milhões), Rio de Janeiro (R$ 25,3 milhões), Minas Gerais (R$ 23,6 milhões), Bahia (R$ 23,2 milhões) e Paraná (R$ 22,7 milhões).
Macapá recebeu uma única emenda do deputado Vinicius Gurgel (PL-AP), que tem a cidade como seu reduto eleitoral, destinada a “apoio à política nacional de desenvolvimento urbano voltado à implantação e qualificação viária”. O mesmo motivo levou Antonio Brito (PSD-BA) e Ricardo Maia (MDB-BA) a destinarem, juntos, R$ 4,8 milhões a Ribeira do Pombal. Maia é natural do município e Brito foi o terceiro parlamentar mais votado na cidade em 2022.
Entre os parlamentares com maior volume em emendas, estão Altineu Côrtes (PL-RJ), com R$ 7,5 milhões; Cleber Verde (MDB-MA), R$ 6 milhões; Marcos Pereira (SP), presidente do Republicanos, R$ 6 milhões; Vinicius Gurgel, R$ 6 milhões; e Cezinha de Madureira (PSD-SP), R$ 4,27 milhões. Também figuram na lista Ricardo Maia (R$ 4 milhões) e Helena Lima (R$ 3,9 milhões), do MDB de Roraima, e Otto Alencar Filho (PSD-BA), com R$ 3,77 milhões.
O deputado não precisa ser membro da comissão para que um projeto ou município indicado por ele seja contemplado. Frequentemente, presidentes de comissão ou relatores negociam com lideranças partidárias para definir quem terá recursos aprovados. Também é comum que líderes partidários, coordenadores de bancada estadual ou deputados próximos à direção da Câmara consigam espaço nas emendas de comissões nas quais nem atuam formalmente.
Interlocutores da Câmara afirmam que a liberação acelerada das emendas é uma iniciativa direta do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB). Ele se reuniu com presidentes das principais comissões permanentes na terça-feira para definir um plano para destravar as emendas que ainda não haviam sido empenhadas este ano. Dos R$ 7,6 bilhões previstos no Orçamento para as indicações de comissão da Câmara em 2025, nenhum valor havia sido destinado até então.
A estratégia de Motta, segundo aliados, busca fortalecer sua posição política após a obstrução da oposição no início do mês. Até mesmo aliados avaliaram que a dificuldade em retomar o comando da Casa revelou perda de força, algo que Motta busca reverter com a execução mais rápida das emendas.
As emendas de comissão não têm caráter obrigatório, diferentemente das individuais e de bancada, mas historicamente são executadas por acordos políticos. O peso desse tipo de emenda cresceu desde 2023, quando elas passaram a receber parte dos recursos antes destinados ao chamado orçamento secreto.
No primeiro ano do governo Lula, 99,5% dos R$ 6,8 bilhões previstos para emendas de comissão foram empenhados; em 2024, apesar do aumento do montante, apenas 82% foram liberados. O STF passou a atuar de forma mais incisiva, exigindo documentação detalhada sobre o destino dos recursos. Em dezembro do ano passado, o ministro Flávio Dino reforçou que todo o processo orçamentário deve ser registrado para garantir rastreabilidade e transparência.
Uma lei aprovada pelo Congresso no ano passado exige que cada comissão receba as propostas de indicação dos líderes partidários, que devem ouvir suas bancadas antes da votação. Também determina que a justificativa das indicações contenha elementos claros que permitam avaliar os benefícios do repasse.