Piscina de combustível usado (SFP) da Usina Nuclear de Angra II (Ricardo Beliel/Getty Images)
Editor de Macroeconomia
Publicado em 17 de outubro de 2025 às 13h42.
Última atualização em 17 de outubro de 2025 às 16h41.
O setor de energia nuclear brasileiro vive uma das semanas mais agitadas dos últimos anos. Na quarta-feira, 15, a Âmbar Energia, que pertence ao grupo J&F, adquiriu a participação da Eletrobras na Eletronuclear, na primeira incursão do setor privado na geração dessa energia. O movimento acendeu antigas expectativas do setor, que vê na transação a senha para que a área nuclear se desenvolva no país — especialmente com recursos para finalizar a usina Angra 3, obra que se arrasta desde 2015 e custa mais de R$ 1 bilhão por ano aos cofres públicos.
Nesta sexta-feira, 17, a Eletronuclear anunciou que seu presidente interino, Sinval Zaidan Gama, renunciou ao cargo, como mostrou EXAME, em um fluxo de acontecimentos rápido para um setor que tradicionalmente opera de forma lenta.
Atualmente, as usinas Angra 1 e 2 geram, somadas, 2 GigaWatts (GW) para a matriz elétrica nacional — próximo a 1,8% do total. Caso Angra 3 fique pronta, adicionaria mais 1,4 GW à matriz brasileira — um total de 3,4 GW. É um aumento importante, dizem especialistas do setor, especialmente porque daria segurança ao sistema elétrico nacional. Mas o próprio governo, no Plano Nacional de Energia (PNE) para 2050 do país, aponta que o Brasil precisaria de uma capacidade instalada nuclear de 8 GW a 10 GW.
Isso significaria que o sistema precisaria de, pelo menos, mais três usinas com a capacidade de Angra 3 para estar em consonância com o plano de longo prazo para a matriz energética.
"No primeiro PNE, feito em 2006 com olhos em 2030, trabalhamos num plano nacional e fizemos uma estimativa além de Angra 1 e 2 de 4 GW até 2030", diz André Osório, vice-presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN). "Isso não se concretizou. Angra 3 nem iniciou a operação."
Segundo Osório, no PNE que saiu em 2021, houve uma sinalização, dependendo de outras fontes, de um montante de 8 GW a 10 GW até 2050, por meio [da construção] de plantas de grande ou pequeno porte, os Reatores Modulares Pequenos (SMR na sigla em inglês).
"Não temos um montante de usinas que vão entrar daqui a um tempo até 2050. Hoje, são 2 GW com Angra 1 e 2. Com Angra 3, iríamos para aproximadamente 3,4 GW", afirma.
Construção de Angra 3, em fotografia de 2021: CNPE deve decidir este ano pela retomada da obra (Brazil Photos/Getty Images)
A entrada do setor privado, por meio de um grupo capitalizado, somada à crise do curtailment — cortes de geração energia elétrica, sobretudo por excesso de oferta de fontes intermitentes —, que demanda energia de base à matriz, anima membros da área de que agora o país pode tirar da frente projetos que já deveriam estar prontos, como a finalização de Angra 3, além da extensão da vida útil de Angra 1 e 2.
A primeira etapa para Angra 3 é uma decisão, que cabe ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), de retomar ou não as obras em Angra 3, o projeto que hoje simboliza as travas do setor nuclear no país.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, garantiu no início do mês que essa decisão será tomada até o final do ano.
O enrosco é antigo, mas ganhou novos contornos recentemente. No início do mês, o CNPE aprovou uma resolução para que a Eletronuclear e o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) atualizem e complementem os estudos de modelagem econômico-financeira para a conclusão da usina.
Os novos estudos precisam contemplar os seguintes cenários:
Após a reunião do CNPE, Silveira defendeu que a retomada das obras da usina "robustecerá o sistema integrado nacional com energia limpa, firme e de base, fortalecendo a segurança energética do país”.
A próxima reunião do conselho está marcada para 31 de outubro.
Além de Angra 3, há expectativa para que a nova sociedade na Eletronuclear permita finalizar projetos em andamento como os Programas de Extensão de Vida (LTO, na sigla em inglês) de Angra 1 e 2.
"O LTO de Angra 1 está em curso e tem bastante desenvolvimento. Usinas nucleares foram construídas para operar 40 anos. Com substituição de equipamentos podemos alongar esse tempo por mais 40 anos", afirma Osório. "É um investimento de R$ 3,5 bilhões, já autorizado pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEM)."
No caso de Angra 2, que é 20 anos mais nova do que a primeira, os trabalhos para essa extensão de vida útil por mais 40 anos estão no início, aponta Osório.
Segundo Osório, o setor está ansioso por mudança, focado nos movimentos internacionais de revisitação das matrizes elétricas e energéticas. "O Brasil tem pujança grande de fontes de energias. Muitas delas são mais baratas que a nuclear, que tem alto Capex. Mas o ponto não é esse", diz. "Há um efeito transbordamento da geração nuclear para diversas outras áreas que estão paradas e precisando de investimento."
Usina Angra 1, a mais antiga do país: processo de extensão de vida da usina está em curso (Angra 1 Eletronuclear/Divulgação)
Esse transbordamento, aponta Osório, passaria por melhorar e dinamizar o ciclo do combustível nucelar pelas Indústria Nuclear Brasileira (INB), dar atividade à indústria pesada nucelar, acelerar o reator multipropósito brasileiro (RMB), considerado essencial essencial também para o desenvolvimento de combustíveis nucleares e cujo desenvolvimento anda a passos lentos.
Ele também aponta usos na medicina nuclear, além de toda a discussão sobre Defesa — o Brasil desenvolve um submarino nuclear desde 2009.
"[O efeito de investir na área nuclear] é muito grande para a economia. Um estudo da FGV mostra que efeito multiplicador é de 3. Cada R$ 1 investido em energia nuclear vira R$ 3. Temos a urgência de dinamizar uma obra parada há 30 anos e criar energia firme de base, já que vivemos o desafio do curtailment. A entrada de fontes intermitentes, seja por Geração Distribuída seja por leilão, traz perturbação ao sistema. O ideal é termos fontes térmicas e mais as renováveis. É necessária essa entrada de Angra 3 imediatamente", afirma.
A opinião é compartilhada pelo deputado federal Julio Lopes (PP-RJ), presidente das frentes parlamentares da Energia Nuclear e do Brasil Competitivo. Para ele, a entrada do grupo J&F na Eletronuclear representa um movimento estratégico alinhado à tendência global de retomada da energia nuclear.
Segundo ele, o Brasil tem condições únicas para ser protagonista na área.
“O Brasil enriquece o isótopo do urânio a 20%. É um dos seis únicos países do mundo que faz isso. Tem uma reserva que é a quinta maior do mundo, com 306 mil toneladas cubadas de urânio, que representam um valor próximo a uma Petrobras de valor, porque um quilo de urânio hoje custa R$ 200, e você tem 306 mil toneladas para extrair”, afirma Lopes, que convocou uma sessão solene para discutir o tema na Câmara dos Deputados na próxima terça-feira, 21.
Para ele, a paralisia do setor é fruto da falta de decisão do governo. “Recebi o planejamento da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), e em todos os planejamentos eles estão considerando que em 2029 a usina nuclear brasileira 3 (Angra 3) tem que andar e operar para dar segurança sistêmica ao grid brasileiro", diz. "O que trava é a dificuldade do governo de decidir as coisas."
Mesmo assim, acredita, a expansão é inevitável: "Independentemente do nome do ministro, independentemente do presidente da República, vai ter energia nuclear no mundo porque é uma fonte de energia inexorável. Pode demorar mais um pouco, menos um pouco, mas em algum momento isso vai acontecer."
Em audiência pública na Comissão de Relações Exteriores da Câmara nesta semana, o ministro Silveira defendeu uma reorganização da energia nuclear brasileira — e deu pistas sobre seu futuro. Segundo Silveira, o governo prepara um "grande plano de reestruturação do setor nuclear brasileiro".
O Brasil, apontou Silveira, tem a sétima maior reserva de urânio do mundo com apenas 30% do subsolo conhecido. Para ele, o país já domina a cadeia completa do elemento químico para a geração de energia e detém a cadeia de produção para construir usinas nucleares, citando as usinas Angra 1 e Angra 2.
"E estamos em discussão no Conselho Nacional de Política Energética sobre o término da terceira usina (Angra 3) e sobre o advento e a possibilidade real que vivemos da instalação e da tecnologia global dos pequenos reatores nucleares como solução em especial para os sistemas isolados", afirmou durante audiência pública na Câmara dos Deputados.
O país hoje tem 211 sistemas de energia isolados, em especial na Amazônia, que ainda custam ao Brasil R$ 13 bilhões por ano, segundo o ministro.
"Os pequenos reatores nucleares, no futuro breve, serão a solução para que a gente saia desses sistemas isolados, onde não há viabilidade de elevar a linha de transmissão", afirmou Silveira aos parlamentares.
Na audiência, o ministro apontou que a gestão do setor nuclear no país está "muito aquém" do que o país precisa. "Queremos ainda nesse terceiro mandato do presidente Lula, anunciar ao Brasil uma política contextual, holística, do setor nuclear brasileiro", afirmou.
Para ele, o setor nuclear brasileiro pode muito mais. Nesse aspecto, citou a necessidade de diálogo internacional com empresas como a Westinghouse Nuclear, nos Estados Unidos, Rosatom, na Rússia, e a CGN, na China. "Estive na CGN e pude ver a eficiência daquela empresa nuclear. Nós temos 2,4 Gigawatts em Angra 1 e Angra 2 e são 3.400 servidores", afirmou. "Na CGN, eles fazem a gestão de 7 GW de energia nuclear com apenas 1.700 funcionários, de forma extremamente eficiente.
Ele disse esperar apresentar um novo modelo para o setor nuclear em 2026 e destacou alguns avanços que foram feitos, do ponto de vista regulatório.
"O Brasil esperava há mais de 10 anos que fosse instaurada a Autoridade Nacional de Segurança Nuclear. E instauramos ano passado. Foram sabatinados os três membros da Autoridade Nacional Nuclear pelo Senado da República, que era antiga CNEM", disse. "É um grande avanço para licenciamento, inclusive na área da medicina nuclear."
O deputado Julio Lopes também lembra que o plano original para a energia nuclear no Brasil previa oito usinas em funcionamento. Osório, da Aben, adiciona que o mesmo plano, baseado em um acordo entre Brasil e Alemanha na década de 1970, foi bem-sucedido em outros cantos do mundo.
"Por coincidência, a Coreia do Sul fez o mesmo acordo com a Alemanha. No tempo previsto, a Coreia do Sul construiu as oito usinas e nós não completamos Angra 3. Só saiu Angra 2 do papel", diz Osório.
Não há novos projetos hoje, enquanto o país está à espera da conclusão de Angra 3. Em 2022, o MME e o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel) assinaram um convênio para estudar locais para implementação de novas usinas nucleares no Brasil, cujo resultado não é púbico.
Osório, que foi diretor do MME e é pesquisador da EPE, conta que outros estudos de novos sítios nucleares foram feitos na década passada.
Em 2011, por exemplo, a Eletronuclear lançou o Atlas Nuclear de Localização de Centrais Nucleares no Brasil, que identificou 40 áreas potenciais ao redor do território nacional para abrigar novas usinas nucleares.
"Há mais de 10 anos fizemos um estudo muito interessante apontando novos sítios nucleares para o Brasil. Tinham vários sítios no Nordeste e Sudeste, possíveis e com apoio local em estados como Sergipe, Pernambuco e Bahia. Isso com a perspectiva de Angra 3 estar operando entre 2015 ou 2018 no máximo. Acabou que não tivemos a decisão por Angra 3 e esse trabalho foi interrompido", diz Osório.
O especialista se mantém otimista. "Há perspectiva [de novas usinas]. O planejamento indica isso. Estou muito curioso e espero que o PNE 2055 traga também boas surpresas em termos de visualização de longo prazo", afirma.