Radamés Casseb, CEO da EGEA Saneamento, empresa que é líder no segmento do setor privado de saneamento do Brasil, foi o convidado do 14º episódio do EXAME INFRA (Exame Infra/YouTube/Reprodução)
Publicado em 9 de julho de 2025 às 08h01.
A intensificação de eventos climáticos extremos, como secas prolongadas e enchentes históricas, tem colocado à prova o atual modelo de contratos de concessão no setor de saneamento básico no Brasil, afirma o CEO da Aegea Saneamento, Radamés Casseb.
À frente da maior operadora privada do setor do país, o executivo vê nesses fenômenos um risco crescente à infraestrutura e ao equilíbrio econômico-financeiro dos projetos.
"O dilema ambiental, com esse acirramento e as consequências climáticas, se sobrepõe à gestão da infraestrutura nesse curto espaço de tempo de três décadas, que é o que gira o contrato", afirmou Casseb em entrevista ao videocast EXAME INFRA.
"Ninguém previa que no Rio Grande do Sul ocorresse uma enchente histórica, em que a cota de inundação mudasse de um patamar 1 para um patamar 2,30, 2,5, no relativo à sua cota de inundação. Ninguém ia imaginar que o Rio Negro ia encolher na sua calha e baixar o nível em 30 metros. Ninguém previu no edital ou nos termos do regulamento da concessão de que rios secariam no Mato Grosso durante 45 dias", disse o executivo.
Casseb assumiu o comando da Aegea em 2020, ano da aprovação do novo marco legal do saneamento. A lei permitiu maior participação do setor privado em um mercado historicamente dominado por estatais e impulsionou uma nova geração de concessões estruturadas, com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Presente em 766 cidades brasileiras, com planos de investir R$ 45 bilhões até 2033, sendo 80% dedicados à expansão da coleta e tratamento de esgoto, a companhia tem sentido, na prática, os efeitos da crise climática sobre suas operações.
Segundo o CEO, a estiagem tem exigido investimentos adicionais em captação de água em mananciais distantes, enquanto a elevação do nível de rios em épocas de cheia demanda adaptações urgentes na infraestrutura.
As consequências das mudanças climáticas agravam ainda problemas estruturais, como a falta de acesso à água potável e esgoto tratado. Em abril, a Aegea venceu o leilão para administrar o saneamento de 99 dos 144 municípios do Pará, sede da COP30.
Com investimentos da ordem de R$ 15 bilhões, a empresa assumiu a meta de universalizar o abastecimento de água até 2033 e garantir a cobertura de 90% do esgotamento sanitário até 2039 no estado em que, hoje, apenas 55% da população tem acesso à água tratada e somente 9,2% conta com coleta de esgoto.
"Estamos atuando em locais onde há dificuldade real de oferta de água potável. Em muitos casos, a população ainda vive de água de poço, não tratada, ou coleta em açude. E as janelas de estiagem estão impondo, muito por conta do aprofundamento do calor, da amplitude do período sazonal mais quente, restrições da oferta de água. No Mato Grosso têm rios que secam e precisamos prover a água trazendo de mananciais que ficam 200 quilômetros distantes das cidades onde atuamos", disse Casseb.
Essas exigências impõem custos adicionais às concessionárias que, segundo o executivo, assumem integralmente a responsabilidade de manter o abastecimento.
No EXAME INFRA, o executivo chamou atenção para a necessidade de que os contratos passem a incluir mecanismos mais flexíveis de compartilhamento de risco e soluções de governança para eventos não previstos.
"Assim como vimos nas renegociações de contratos rodoviários, em que o TCU, a agência reguladora e o poder concedente, sentaram com método e se debruçaram sobre dilemas que não foram previstos pelos formuladores 25, 30 anos atrás e tratam disso com a responsabilidade de quem cuida de serviço público. E quem olha mais 30 anos à frente, eu acho que essa é a cultura sobre maturidade na gestão dos contratos que a gente está vivendo e que deve ser trazida para outros setores também", afirmou.
Entre os contratos mais emblemáticos da Aegea está o do estado do Rio de Janeiro, dividido entre os blocos 1 e 4, que abrangem 10 milhões de pessoas.
Desde a assinatura, já foram investidos mais de R$ 5 bilhões apenas em esgotamento sanitário, que é o foco de 80% dos recursos previstos para os R$ 29 bilhões totais do projeto.
Os efeitos começam a aparecer, segundo o CEO. A Baía de Guanabara, antes altamente poluída, já mostra recuperação ambiental.
"Ao tirar a carga orgânica, a natureza faz seu trabalho. A água da Baía se renova a cada 18 dias. Já vemos praias como Glória e Flamengo com balneabilidade semanal, e até a Enseada de Botafogo com atividade física e balneária voltando", afirmou Casseb.
Apesar disso, o grande gargalo da operação continua na inclusão dos usuários. Das 3 milhões de ligações previstas para atender a população, a antiga Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) realizava apenas 900 mil. Em três anos, a Aegea já chegou a 1,7 milhão, mas ainda há muito a conectar.
"O Rio não tem poço. A água vem do Guandu e é fornecida pela Cedae. Mesmo a água consumida por quem está fora da base formal é paga pela concessionária. Hoje, pagamos R$ 2,4 bilhões por ano por essa água", disse ele. "Mostrar que a ligação legal é mais barata que a fraude é parte do desafio", afirmou.
Além da formalização, a empresa tem investido na mobilização social: pouco mais da metade dos seus 8 mil funcionários vieram de comunidades locais, treinados pela própria companhia.
"Esse acesso a regiões mais ermas é essencial para transformar o saneamento em um vetor de desenvolvimento econômico e ambiental."
O Rio Grande do Sul surpreende também pela dimensão da falta de saneamento. A concessão da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), incorporada à Aegea após privatização, cobre também cerca de 6 milhões de pessoas, mas que contam com apenas 18% de cobertura de esgoto no momento da assinatura do contrato.
A transição trouxe dilemas específicos: excesso de funcionários na estrutura herdada, necessidade urgente de investimentos e entraves ambientais que limitavam o avanço do setor imobiliário, especialmente no litoral.
A recente enchente que devastou o estado em 2024 foi mais um teste à resiliência da operação. "A experiência dos profissionais da antiga Corsan foi essencial. Hoje eles estão influenciando a cultura da Aegea", afirmou o CEO.
Com apoio de outras concessionárias, como Sabesp e Copasa, a empresa montou uma força-tarefa para atender áreas dentro e fora da sua base contratual, priorizando o atendimento à população afetada.
Olhando para os próximos anos, Casseb vê o marco legal do saneamento como um divisor de águas.
"Essa legislação abriu espaço para uma nova abordagem, com projetos mais estruturados e segurança jurídica", avalia.
Antes da COP30, a Aegea também promete entregar a universalização do saneamento básico em Bacarena, na região metropolitana de Belém.
Mais de 120 mil pessoas serão beneficiadas com as obras que incluem a implantação de mais de 100 quilômetros de novas redes de água tratada e ampliação das estações de captação e tratamento de água.
Para coletar e tratar o esgoto, serão mais de 260 quilômetros de novas tubulações implantadas, além da construção de seis novas estações de tratamento de esgoto (ETE) e 33 estações elevatórias.
Agora, o desafio é adaptar a modelagem à nova realidade climática e manter o setor atrativo para investidores dispostos a apostar em um serviço público essencial, de longo prazo e com alto impacto social.
"Estamos falando de deixar um legado. De transformar comunidades, dar acesso à água limpa e devolver o meio ambiente à população", concluiu Radamés Casseb.
O EXAME INFRA é um podcast da EXAME em parceria com a empresa Suporte, especializada em soluções para obras e projetos de infraestrutura. Com episódios quinzenais disponíveis no YouTube da EXAME, o programa se debruçará sobre os principais desafios do setor de infraestrutura no Brasil.
Ep. 1 - EXAME INFRA: SP planeja concessões de rodovias, CPTM e mais com R$ 30 bi em investimentos
Ep. 4 - '26 anos em 5': rodovias no Brasil terão R$ 150 bi em investimentos até 2030, diz presidente da ABCR
Ep. 5 - Com R$ 22 bi ao ano, Brasil ainda investe menos da metade para atingir meta de saneamento
EP. 6 - Privatização da Sabesp triplica velocidade da empresa, que contrata R$ 15 bi em 90 dias, diz diretor
EP. 7 - Investimento no Porto de Santos chega a R$ 22 bi e promete modernização e integração com a cidade
EP. 8 - Rumo investe R$ 6,5 bi para conectar terminal de grãos ao 'coração' da soja no MT
Ep. 9 - Concessionárias investirão R$ 40 bi de rodovias a hidrovias até 2029, diz CEO da MoveInfra
Ep. 10 - Fundos de investimentos se consolidaram no mercado de leilões, diz CEO de concessões de R$ 27 bi
Ep. 11 - 'Brasil tem pressa' e licenciamento ambiental deve ser votado antes do recesso, diz Arnaldo Jardim
Ep. 12 - Governo de São Paulo prepara leilão de R$ 20 bilhões para saneamento em cidades fora da Sabesp
Ep. 13 - Com R$ 30 bi em Capex até 2030, EcoRodovias prioriza seletividade, diz diretor-geral