(Isaac Amorim/MJS/Flickr)
Repórter de Brasil e Economia
Publicado em 21 de novembro de 2025 às 06h00.
Mesmo com os embates públicos entre o governo federal e os governadores de direita a cerca do combate ao crime, Mario Sarubbo, Secretário Nacional de Segurança Pública, afirma que a integração entre a Polícia Federal (PF) e as forças estaduais já ocorre no Brasil.
"Em Brasília temos profissionais das Dracos, que são as delegacias especializadas em combate ao crime organizado de todo o Brasil, fazendo uma capacitação dentro da Renorcrim, que é a Rede Nacional de Combate às Organizações Criminosas", afirma em entrevista exclusiva à EXAME.
O secretária afirma que a sinergia funciona desde o primeiro semestre do ano passado e tem como objetivo criar integração entre as delegacias especializadas, além de incluir a Polícia Federal, os Gaecos e os Ministérios Públicos.
"Eles estão trabalhando em rede. Isso é um trabalho integrado que já funciona. A integração já existe", diz.
Sarubbo afirma esse trabalho, por vezes invísivel, pode gerar a sensação de que a pasta não realiza nenhum trabalho.
"Brinco que tenho a sensação de que meus amigos, minha família, devem achar que não faço nada. Passo a semana em Brasília e não acontece absolutamente nada. Mas são seis diretorias trabalhando 24 horas por dia trabalhando em projetos de segurança", diz.
Para o secretário, além de integração, o esforço deveria ser concentrado em operações como a Carbono Oculto, deflagrada em São Paulo, que mirou um esquema milionário de adulteração e lavagem de dinheiro em postos de combustíveis, e sem alta letalidade. Ele disse que o governo federal trabalhará com base em dados.
"A nossa Polícia Federal sempre trabalha integrada aos estados, com operações esmagadoras, a maioria delas sem letalidade, olhando os núcleos econômicos do crime. Esse é o modelo que imaginamos ser o melhor para o combate ao crime organizado", afirma.
Sarubbo evita criticar diretamente a operação fluminense, que teve mais de 120 mortos, citando que ela é totalmente diferente da realizada em São Paulo, mas reforçou que ela não trará nenhum resultado.
"É uma operação em que se troca tiros. É um modelo diferente, com objetivo específico de prisão. Não se pode nem falar em retomada de território, até porque, se quisessem retomar o território, não poderiam entrar e sair, como foi feito lá. Ou seja, não muda nada" afirma.
E o resultado somente será alcançado com a PEC da Segurança Pública, segundo Sarubbo. Apesar de não defender a medida como uma bala de prata, o secretário diz o projeto cria diretrizes nacionais e fortalece o Sistema Único de Segurança Pública, permitindo que haja uma política nacional de segurança pública que nunca existiu.
"Talvez se nós tivéssemos essa política nacional lá atrás, no fim da década de 1980, o crime organizado não teria se espraiado por todo Brasil e América Latina, porque naquela época o problema era São Paulo e Rio e com um olhar nacional para isso talvez não teríamos deixado eles saírem desses estados e seria muito mais fácil de combater", diz.
Sarubbo detalha ainda as discussões sobre financiamento, opções de soluções para o Rio de Janeiro e medidas que o governo deve anunciar até o fim do ano na área de segurança.
A operação gerou muitas comparações com a operação em São Paulo, que teve um grande impacto financeiro e prisões. Como o senhor analisa essas diferentes operações?
É importante destacar que são duas operações completamente diferentes. A operação de São Paulo foi uma operação construída há muito tempo. O trabalho de inteligência envolveu o Ministério Público e a Polícia Federal, portanto, uma ação integrada já desde o início, porque se identificou uma questão dos combustíveis e que esse dinheiro estava sendo lavado através de fintechs, entrou a Faria Lima, aquela coisa toda. Mas foi essencialmente um trabalho de inteligência de mais de um ano. Não envolvia retomada de território, não envolvia entrada em território dominado pelo crime. Então, é uma operação sob esse prisma, formal, diferente da do Rio de Janeiro, que era uma operação voltada a prisão de 90 criminosos de várias partes do país que estavam em uma grande comunidade, uma comunidade muito grande, muito complexa, que é a comunidade do Alemão e da Penha. São ações absolutamente diferentes na sua forma.
Mas qual é a melhor forma de atuação?
Quando pensamos no melhor modelo para o enfrentamento ao crime organizado, diria que o fator principal e talvez o modelo que mais nos levaria ao sucesso em qualquer operação é esse que foi feito aqui em São Paulo. Aquele que vai diretamente na economia do crime, porque gera um prejuízo grande. Quando gera prejuízo financeiro, enfraquece as facções e também as relações entre os faccionados. Então, é a melhor maneira que tem de caminhar para estancar, ou pelo menos para controlar mais o crime organizado. O tipo de operação do Rio de Janeiro, de entrar numa comunidade daquela forma, é uma operação que se sabe que vai haver alta letalidade. É uma operação em que se troca tiros. É um modelo diferente, com objetivo específico de prisão. Não se pode nem falar em retomada de território, até porque, se quisessem retomar o território, não pode entrar e sair, como foi feito lá. Inclusive, vi uma notícia de que tem um ponto da comunidade que continua tomado por observadores do crime organizado. Ou seja, não muda nada. O governo federal investe, e muito, em operações como a Carbono Oculto, que sempre está trabalhando no Brasil inteiro. A nossa Polícia Federal sempre trabalha integrada aos estados, com operações esmagadoras, a maioria delas sem letalidade, olhando os núcleos econômicos do crime. Esse é o modelo que imaginamos ser o melhor para o combate ao crime organizado.
As pesquisas de opinião mostram que a segurança tem se tornado uma das maiores preocupações dos brasileiros. Ao mesmo tempo, em alguns estados, certos crimes, como roubos de carro, têm diminuído. Como o governo vê essa mudança no perfil dos crimes, com a violência sendo cada vez mais visível, mas com índices de homicídios em queda?
É importante que o debate sobre segurança pública seja coerente e baseado em dados e evidências. Não devemos cair em espetáculos mediáticos, pois não necessariamente trazem resultados. A sensação de insegurança continua. Por mais que se faça uma operação como a Carbono Oculto, se na quinta-feira, na frente da sua casa, roubaram o celular, a sua sensação de insegurança não mudou. E a operação do Rio de Janeiro também não vai ter efeito em termos de sensação de segurança. A sensação é a última que vai cair ou subir. Ou seja, por mais que os índices de crimes caiam, vai demorar muito para sair da gente. Nós vivemos há décadas, e em especial nos últimos anos, em grandes cidades, com cada vez mais medo. Não saímos com o celular, com a aliança, ficamos atentos. Isso vai demorar para mudar. O que precisamos mostrar à população é que estamos trabalhando, com base na ciência, nas evidências e buscando as melhores políticas. Isso é o que estamos fazendo. Brinco que tenho a sensação de que meus amigos, minha família, devem achar que não faço nada. Passo a semana em Brasília e não acontece absolutamente nada. Mas são seis diretorias trabalhando 24 horas por dia trabalhando em projetos de segurança.
O senhor mencionou que a segurança pública deve ser tratada com base em dados e evidências. Mas como o governo está trabalhando para melhorar a qualificação da polícia, dado que as operações em algumas áreas geram uma sensação de violência?
Um exemplo disso é o projeto de qualificação do uso da força. Há quem pense que queremos que os policiais enfrentem criminosos armados com fuzis usando armas menos letais. Estamos falando de qualificar o uso da força para que os policiais sejam treinados para usar o fuzil, se necessário, ou para usar um dispositivo menos letal, como o capacitar neuromuscular, para enfrentar alguém desarmado, alguém em surto. O objetivo é garantir que o policial seja bem treinado, instrumentalizado e, principalmente, que ele não se coloque em situações de risco desnecessárias. Polícia não gosta de matar. O policial sabe que matar é um transtorno, que ele ficará fora das ruas, terá que responder a inquérito. Qualificar as polícias, valorizá-las, é uma política que tem dado certo, porque, onde foi implantada, mostrou bons resultados.
O senhor mencionou também a integração entre as forças. Como isso está sendo feito na prática, considerando as dificuldades de coordenação entre os estados e a União?
Recentemente, em uma entrevista, alguém questionou os governadores sobre a integração, e eu disse que hoje em Brasília temos profissionais das Dracos, que são as delegacias especializadas em combate ao crime organizado de todo o Brasil, fazendo uma capacitação dentro da Renorcrim, que é a Rede Nacional de Combate às Organizações Criminosas. Essa rede funciona desde o primeiro semestre do ano passado, e a ideia é criar sinergia entre as delegacias especializadas, além de integrar a Polícia Federal, os Gaecos, os ministérios públicos. Eles estão trabalhando em rede. Isso é um trabalho integrado que já funciona. A integração já existe. Também houve uma reunião recente com o Consórcio Nordeste, onde discutimos estratégias de segurança pública que já estão dando resultados positivos em vários estados, como na Bahia e no Piauí.
Como a PEC da Segurança Pública vai ajudar no combate ao crime organizado, considerando as diferentes formas de atuação das facções em diversas regiões do Brasil?
O crime organizado atua de forma diferente dependendo da região. No Rio de Janeiro, há disputas por territórios; em São Paulo, é um cenário diferente; no Norte, as facções buscam controlar as rotas para o tráfico internacional de drogas. A PEC da Segurança Pública não é uma solução única para o crime organizado. Ela é um projeto que visa estruturar e fortalecer o Sistema Único de Segurança Pública, permitindo que haja uma política nacional de segurança pública que nunca existiu. Talvez se nós tivéssemos essa política nacional lá atrás, no fim da década de 1980, o crime organizado não teria se espraiado por todo Brasil e América Latina, porque naquela época o problema era São Paulo e Rio e com um olhar nacional para isso talvez não teríamos deixado eles saírem desses estados e seria muito mais fácil de combater. A PEC vai possibilitar diretrizes nacionais, porque o crime organizado é diferente em cada estado, mas as diretrizes precisam ser unificadas. Isso é fundamental para atacar essas facções em diferentes regiões. A PEC vai possibilitar isso.
A questão do financiamento da segurança é outra preocupação, especialmente em um momento de crise fiscal no país. Como o governo federal pode ajudar os estados nesse aspecto, considerando as dificuldades financeiras?
A PEC também trata disso. Ela busca constitucionalizar os fundos para garantir financiamento constante para a segurança pública. Queremos estabelecer padrões mínimos para o sistema prisional e outras áreas da segurança pública. Não adianta financiar uma parte e deixar outras em desvantagem. Precisamos de um financiamento adequado e contínuo para que a segurança pública funcione bem em todo o Brasil. A ideia é garantir que o governo federal tenha as condições para pagar a conta e apoiar os estados e municípios na questão fiscal.
E sobre o impacto do crime na economia, como o governo vê isso?
Sim, trabalhamos com essas estimativas. O crime organizado é, sem dúvida, um grande custo para o país. Ele gera custos indiretos para a sociedade, como a necessidade de segurança extra em empresas, comerciantes e até no cotidiano das pessoas. A segurança está na nossa pauta todos os dias, e conversamos constantemente com setores como o de combustíveis para entender suas demandas. A Operação Carbono Oculto é um exemplo disso, focada no setor de combustíveis. Também estamos dialogando com o setor de cargas, porque o roubo de carga também representa um custo significativo. Em todos esses setores, entendemos que o investimento em segurança gera retorno, pois reduz custos para a sociedade e cria um círculo virtuoso de emprego e renda.
O senhor pode nos dar uma previsão de próximos anúncios ou projetos do governo relacionados à segurança?
Estamos trabalhando em várias frentes. Estamos preparando o lançamento da Rede Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Armas e Explosivos e devemos lançar esse projeto em breve. Além disso, vamos anunciar um projeto de retomada territorial no Rio Grande do Norte, em uma parceria entre forças estaduais e federais. Também devemos inaugurar um Centro Integrado de Segurança Pública e Proteção Ambiental (CISPA) em Cruzeiro do Sul, no Acre, até o final do ano. Esses centros integrarão diferentes forças de segurança para atuar nas regiões de fronteira e melhorar o sistema de inteligência. Estamos também trabalhando na integração de informações entre estados e com a Polícia Federal para otimizar as operações.
No Rio de Janeiro, o governo considera que uma solução é a retomada de territórios e um modelo parecido com as UPPs?
A resposta é sim, mas com ressalvas. O Rio tem territórios muito grandes e com muitos criminosos. Alguns territórios possuem mais de mil criminosos, o que torna a situação muito mais complexa. Então, idealmente, sim, é a solução, mas é muito difícil. Estamos trabalhando para encontrar um caminho eficaz.