Brasil

No combate a bets ilegais, governo derruba 11 mil sites e planeja publicidade para conscientização

Em entrevista exclusiva à EXAME, o secretário de Prêmios e Apostas, Regis Dudena, afirma que a regulamentação é bem feita, mas o combate a ilegalidade é o principal o desafio

Regis Dudena: secretária detalha primeiros 100 dias de regulamentação (Pedro França/Agência Senado/Flickr)

Regis Dudena: secretária detalha primeiros 100 dias de regulamentação (Pedro França/Agência Senado/Flickr)

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 26 de abril de 2025 às 07h09.

Última atualização em 26 de abril de 2025 às 07h09.

Com mais de 100 dias de regulamentação das casas de apostas, Regis Dudena, secretário de Prêmios e Apostas (SPA) do Ministério da Fazenda, vê que, após quatro anos sem regras para o setor, o Brasil conseguiu uma "regulamentação bem feita e que exige que as empresas cumpram as regras".

"A nossa regulamentação é bem feita e exige que as empresas cumpram as regras, com fiscalização ativa. Estamos fazendo ciclos de fiscalização e monitoramento, como no caso dos bônus de entrada, e monitorando o comportamento de influenciadores", afirma em entrevista exclusiva à EXAME.

Desde janeiro, apenas bets autorizadas pelo Ministério da Fazenda podem operar no Brasil, com regras específicas, como a utilização do domínio bet.br. Atualmente, 73 empresas estão autorizadas, somando 162 sites legalizados, além de outras 8 empresas que atuam por decisão judicial, ligadas a 18 marcas.

"Estamos no caminho certo, implementando controles eficazes. O trabalho de fiscalizar, monitorar e punir os desvios será contínuo daqui para frente", afirma.

O principal desafio, segundo Dudena, é combater a ilegalidade. O secretário diz que a estratégia passa por três frentes: derrubada de domínios ilegais, restrição de publicidade em redes sociais e estragulamento financeiro.

"A primeira é o contínuo derrubar de domínios ilegais. Isso é um trabalho difícil e custoso, mas necessário. Já derrubamos mais de 11 mil sites desde o início do ano", diz.

Para conscientizar a população sobre os riscos das apostas, Dudena diz que o governo planeja realizar campanhas públicitárias. Um mecanismo da lei prevê que a União pode exigir que as empresas façam ações em nome do governo, mas campanhas públicas também devem ser realizadas, segundo o secretário.

"Queremos esclarecer o que é uma aposta, a diferença entre empresas legais e ilegais, e promover a proteção da saúde mental dos apostadores. Estamos trabalhando nisso e, em breve, teremos novidades", diz.

Dudena diz que ainda não tem estimativas sobre o tamanho do mercado ou definição do cumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre apostas com cartão do Bolsa Família. O secretário ainda detalhou a visão do governo em relação a assuntos em discussão no Congresso, como proibição de publicidade e liberação de cassinos físicos.

Veja a entrevista completa de Regis Dudena, Secretário de Prêmios e Apostas

Como o governo está observando esses mais de 100 dias de regulamentação? O que foi possível implementar da forma como a lei definiu e o que ainda precisa ser adaptado?

Algumas coisas que são, do nosso ponto de vista, bastante positivas. Começamos a deixar de falar das coisas no futuro no sentido de "vai haver regras ou estamos criando regras". Agora, todas as regras estão em vigor. Nós temos empresas conhecidas e prestando um serviço de uma forma regulada. Os desafios, a partir disso, se bifurcam na minha cabeça em duas frentes. Existe uma frente, que é o mercado regulado, que precisa ser monitorado, fiscalizado, e precisamos lidar com eventuais descumprimentos, inclusive para fins de sanção. E existe um segundo desafio que se tornou bastante significativo: o combate à ilegalidade.

Você pode detalhar um pouco mais sobre o combate à ilegalidade?

Sim, no combate à ilegalidade temos um papel a ser desempenhado de conscientização, talvez seja a melhor palavra. A população precisa entender que, se você quiser apostar, saiba o que é aposta. Não é investimento, é uma forma de gastar dinheiro para entretenimento. Acredito que essa mensagem precisa chegar de forma mais ampla. E, se for apostar, deve buscar uma casa autorizada, que é o único lugar onde os apostadores vão ter sua saúde mental e financeira protegidas. Em paralelo, o que temos feito é atacar, de fato, a ilegalidade. Temos pelo menos três frentes relevantes. A primeira é o contínuo derrubar de domínios ilegais. Isso é um trabalho difícil e custoso, mas necessário. Já derrubamos mais de 11 mil sites desde o início do ano.

Você mencionou o custo, tanto operacional quanto financeiro, ao realizar essas ações. Poderia explicar melhor?

O custo é indireto, digamos assim. Não é um gasto extra diretamente, mas a necessidade de alocar pessoas para fazer monitoramento, para fazer o reconhecimento de empresas e seus prestadores de serviço. No caso da administração pública, os recursos são escassos, então não é só um gasto adicional, mas o tempo e as equipes para fazer esse trabalho.

Entendo. E qual é a segunda medida?

A segunda frente é a relação com as redes sociais e plataformas digitais. Buscamos que eles implementem uma restrição legal e regulatória para não permitir a presença desses ilegais em suas plataformas. O Conselho Nacional Autorregulamentação Publicitária (Conar) tem sido um parceiro relevante na autorregulação publicitária. Com isso, os elos da cadeia publicitária barram a ilegalidade.

E a última?

E a terceira frente é a financeira, que envolve uma proibição de instituições financeiras e de pagamento de prestarem serviço para sites ilegais, conforme determinado pela lei. Nós soltamos uma portaria regulando isso para complementar a lei aprovada no ano passado. Estamos buscando que as Instituições Financeiras e de Pagamento (IFIPs) monitorem e reportem a existência desses sites para nós. Essas três frentes juntas têm a expectativa de conseguir estrangular essas empresas que insistem em prestar esse serviço de forma ilegal.

Especialistas e casas de apostas reguladas afirmam que a principal medida para estrangular as ilegais é por meio da questão financeira. Como você vê essa questão? 

Eu não subvalorizaria a derrubada de domínios. Isso é um grande desafio para eles. Eles precisam refazer campanhas publicitárias, mudar seus links, o que é complicado e desmotivador. Agora, a questão financeira realmente é um fator-chave. Se as instituições financeiras pararem de prestar serviços para as casas de apostas ilegais, aí, sim, eles vão ter dificuldades reais para operar. Essas medidas são complementares. A questão financeira, especialmente, pode ser bastante eficiente, pois o lucro é a principal motivação dessas empresas.

Já é possível estimular o tamanho do mercado de apostas brasileiro? 

Sobre a canalização do mercado, ainda não temos um número exato, estamos trabalhando com algumas ferramentas de monitoramento, mas ainda estamos na fase de derrubada dos sites antes de dimensionarmos o mercado. Na nossa portaria de jogo responsável, ao tratar de publicidade, falamos, por exemplo, sobre a necessidade das casas reforçarem o jogo responsável. Também está prevista a necessidade de falar sobre a restrição etária para 18 anos ou mais.

E sobre a judicialização, vocês já esperavam? Como o Ministério está atuando nesses casos?

Nós sempre esperamos a judicialização. O que nos cabe é prestar informações ao judiciário. Estamos bastante convictos de que não cometemos qualquer desvio nas decisões, e que as empresas que foram indeferidas cumpriram as exigências. As ações judiciais em relação a liminares têm sido diminutas em comparação com o número de indeferimentos e desistências. Acreditamos que a maior parte dessas disputas será revista pelas instâncias superiores, que irão entender melhor o contexto da regulamentação e a proteção dos apostadores. A aposta no Brasil é um serviço público, e a decisão de quem pode ou não prestar esse serviço é discricionária, fundamentada no interesse público.

Como a Secretaria planeja conscientizar a população sobre os riscos das apostas? Será por meio de campanhas governamentais ou exigindo que as operadoras façam isso? Já vemos que as próprias casas fazendo campanhas com o mote do jogo responsável. 

Essas mudanças não são espontâneas, elas respondem diretamente à regulamentação. Acredito que as empresas entenderam que uma publicidade excessiva pode gerar consequências negativas, inclusive legislativas. O Conar tem sido um parceiro importante, regulando toda a cadeia publicitária. Também temos a possibilidade de exigir que as operadoras façam campanhas de conscientização institucional em nosso nome [governo], o que está sendo planejado. Nós também pretendemos realizar campanhas públicas de conscientização, com o máximo de cuidado necessário. Queremos esclarecer o que é uma aposta, a diferença entre empresas legais e ilegais, e promover a proteção da saúde mental dos apostadores. Estamos trabalhando nisso e, em breve, teremos novidades.

Ainda sobre a questão da publicidade, o que o senhor pensa sobre a proibição da publicidade de apostas, que está sendo discutida no Congresso?

Nossa posição é clara: respeitamos decisões judiciais e a competência do Legislativo. O Congresso é soberano para decidir o que deve ou não ser permitido. Como órgão regulador, cabe a nós indicarmos os possíveis efeitos de cada ação. Nosso receio com a proibição da publicidade é que, ao proibir totalmente, a população perca o critério de identificação de empresas autorizadas. A publicidade é uma das formas de distinguir as empresas legais. Caso essa proibição se concretize, precisaremos criar outros mecanismos para ajudar os apostadores a identificar as operadoras autorizadas, como já fazemos com o domínio ".bet.br".

Outro tema em discussão no Congresso é a liberação de cassinos físicos. Como o governo vê essa discussão? 

Em relação à liberação de cassinos físicos, o projeto de lei em tramitação define que a competência para regulamentação será do Ministério da Fazenda, e já houve emenda para constar como nossa responsabilidade [SPA]. A nossa expectativa é que, uma vez aprovado, o projeto de lei seja regulamentado pela Secretaria. Para nós, o mais importante é garantir que qualquer mercado novo, como o de cassinos, seja rigorosamente regulamentado antes de começar a operar. A experiência de 2019 a 2022 nos ensinou que não podemos apressar o processo. Precisamos de tempo para criar regras claras e detalhadas para garantir um mercado seguro e bem estruturado.

E sobre a questão das apostas e Bolsa Família? 

Estamos buscando formas de cumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) para proibir uso do Bolsa Família em casas de apostas. Logo que tivermos uma solução, vamos divulgar.

Qual o balanço de todas essas medidas? 

Tivemos um grande ganho ao conseguir estabelecer um mercado regulamentado, algo que deveria ter sido feito desde 2019. Ficamos quatro anos sem nada feito, à vera. Em 2023, o governo resolveu os problemas com medidas como a MP, envio de projeto de lei e a criação da Secretaria. Conseguimos finalizar a regulamentação até julho e combater empresas não autorizadas, que ainda não haviam solicitado a autorização, especialmente após a virada do ano. Agora, é hora de afinar a execução. A nossa regulamentação é bem feita e exige que as empresas cumpram as regras, com fiscalização ativa. Estamos fazendo ciclos de fiscalização e monitoramento, como no caso dos bônus de entrada, e monitorando o comportamento de influenciadores. O problema se divide entre influenciadores que promovem sites ilegais e os que, mesmo promovendo sites legais, fazem afirmações proibidas, como a de que apostas garantem ganhos fáceis. Estamos no caminho certo, implementando controles eficazes. O trabalho de fiscalizar, monitorar e punir os desvios será contínuo daqui para frente.

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