Publicado em 19 de setembro de 2025 às 06h50.
Por Gustavo Maia*
Há seis meses recebi um convite que mudou minha rotina profissional: integrar o Global Future Council on GovTech & Digital Public Infrastructure, do Fórum Econômico Mundial. Já fazia parte da rede global de GovTech do WEF desde 2023, mas estar dentro de um conselho é outra coisa. É sentar à mesa com ministros, executivos de multinacionais, acadêmicos de ponta e empreendedores de vários continentes para discutir o que vai moldar os próximos anos da relação entre governos e cidadãos.
Não é exagero dizer que cada encontro me surpreende. Nas reuniões mensais, falamos de interoperabilidade de dados na Estônia, de inteligência artificial aplicada à agricultura na Índia, de cidadania digital em Togo ou de soberania digital na Europa. É um choque de realidades que se encontram em torno de um desafio comum: como usar a tecnologia para aproximar o governo das pessoas, em vez de afastá-lo?
Aprendi também que, apesar de o tema ser digital, o centro das conversas nunca é o código ou o hardware. É a ética. Como garantir transparência e confiança quando a IA entra em cena? Como equilibrar soberania digital com a necessidade de interoperabilidade global? O “como” importa tanto quanto o “quê”.
No conselho, definimos entregas ambiciosas: um Manifesto de GovTech com princípios globais, os GovTech 100 Awards para reconhecer inovações e programas de capacitação para servidores. Mas o que mais tem me instigado é a ideia de projetos de demonstração, que mostrem na prática como os governos podem avançar. Essa cobrança por casos reais é um reflexo do cansaço com documentos que não saem do papel, e minha vida como empreendedor tem me ajudado a olhar tudo sob a ótica do “fazer”, naturalmente que junto com o “pensar” inerente a um fórum como esse.
Percebi também o quanto a experiência brasileira é valorizada. O conceito de “governo zero-click”, que venho desenvolvendo no Colab, conversa diretamente com a agenda global: serviços que chegam ao cidadão antes mesmo de serem solicitados. Ao mesmo tempo, olhar para outros países mostra o quanto ainda precisamos avançar em soberania digital e em formação de servidores. É uma via de mão dupla: compartilhar e absorver.
Se por um lado há entusiasmo com o potencial da tecnologia, por outro surgem perguntas difíceis: estamos preparados para lidar com os riscos de concentração de poder em grandes plataformas? Até onde a pressa por inovar pode comprometer segurança e inclusão? Quem garante que a transformação digital não vai aprofundar desigualdades? Essas tensões são inevitáveis. E, convenhamos, necessárias. O conselho não existe para dar respostas fáceis, mas para provocar governos a enfrentá-las de frente.
Entre os dias 14 e 16 de outubro, estaremos reunidos em Dubai para a reunião anual de todos os conselhos do Fórum Econômico Mundial. Será a chance de alinhar entregas, consolidar o Manifesto e trocar experiências presencialmente. Tenho uma missão especial: apresentar uma I.A. desenvolvida pelo Colab para ser apresentada como uma das entregas do nosso Conselho para desenhar serviços digitais automaticamente para servidores públicos do mundo inteiro. Vou com a convicção de que o Brasil precisa ocupar esse espaço global não só como aprendiz, mas também como protagonista.
E aqui deixo minha provocação: o futuro da governança digital não será decidido em relatórios nem em fóruns internacionais, ele está sendo escrito, todos os dias, no balcão de atendimento de cada prefeitura, no aplicativo que o cidadão abre no celular, no servidor público que decide inovar ou repetir o velho processo em papel. A pergunta que fica para cada gestor é simples: você vai esperar que alguém defina esse futuro por você ou vai começar a construí-lo agora?
*Gustavo Maia é diretor executivo do Colab e membro do Conselho Global sobre GovTech e Infraestruturas Públicas Digitais do Fórum Econômico Mundial.
**As opiniões contidas no texto são pessoais e não expressam o posicionamento institucional do Fórum Econômico Mundial