Ônibus elétricos em São Paulo (Germano Luders/Exame)
Publicado em 1 de maio de 2025 às 08h00.
A adoção de ônibus elétricos precisa ser acompanhada de mudanças no trânsito, para garantir que os veículos novos possam rodar mais rápido, fazerem mais viagens e ficarem menos tempo presos no trânsito, defende Francisco Christovam, presidente da NTU (Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano).
"Vai investir uma fábula de dinheiro dessa para o veículo ficar parado no congestionamento? Do ponto de vista do usuário, o papel do combustível é nenhum. O usuário quer entrar em um ônibus com velocidade, com itinerário, e chegar no destino dele. Não interessa o que tem no tanque", diz, em conversa com a EXAME. A NTU representa as empresas que operam os coletivos no país.
Em uma reportagem da edição impressa de abril, a EXAME detalhou o avanço dos veículos elétricos no país, que bateu recorde nos últimos anos. Desde 2020, o país quase quintuplicou o número deles em circulação, mas o processo é marcado por entraves, como a falta de energia nas garagens.
Leia abaixo mais trechos da conversa com Christovam.
Como começou o processo de troca de frota?
Esse assunto começa com o Brasil assinando vários pactos e vários acordos aí para participar desse movimento internacional de redução das emissões. Até aí, tudo bem. No entanto, nenhuma medida foi adotada na nossa área de transporte, como decorrência desses acordos internacionais. Entretanto, em 2018, em São Paulo, foi aprovada a lei de mudança climática e lá se está estabeleceu um compromisso de redução dos três grandes componentes das emissões: o CO2, porque ele tem a ver com o aquecimento global, o material particulado, que faz mal porque a gente está respirando ele e dá câncer de pulmão, e os óxidos de nitrogênio, que polui a cidade e tem efeito também de saúde, mas não é tão significativo no aquecimento global. Lá em 2018 se estabeleceu algumas regras em que até 2028 tinha que reduzir 50%, 60% do que era antes. E 2038, ou seja, 20 anos depois da promulgação da lei, tinha de eliminar a emissão de CO2 e 90% de material particulado e óxidos de nitrogênio.
Como foi a implantação, na prática?
Na renovação dos contratos com as empresas, a SPTrans (agência de transporte de São Paulo) foi mais realista que a própria lei e criou reduções anuais. Nós temos quatro rotas para descarbonizar: o ônibus elétrico movido à bateria, o ônibus elétrico movido a hidrogênio, o ônibus de motor a combustão movido a biometano e o ônibus de motor a combustão movido a biocombustível. Das quatro, a que mais avançou foi o elétrico a baterias.
Que entraves surgiram?
Era de se pensar que o Brasil tivesse uma política que gerasse um plano, e que dele nascessem programas, e que dos programas viessem os projetos. Isso seria a estrutura ideal. Mas não temos uma política nacional, não temos um plano nacional, não temos um programa, e pior de tudo, nós não temos projetos. O que vocês estão assistindo aqui em São Paulo é um excelente exemplo de como não conduzir uma mudança dessa dimensão, uma mudança do perfil tecnológico da frota sem projeto. Os ônibus estão fabricados, estão chegando, mas cadê a energia? Cadê um cronograma de atividades?
Como avalia o papel da Enel na crise com a prefeitura de São Paulo?
O contrato vence em 2028, daqui a três anos. A Enel não vai fazer nenhum investimento que não esteja no plano dela. Não está no plano a energização das garagens. Por que não está? Porque nunca foi feito um projeto onde ela assumisse o compromisso de fazer isso. Além disso, antes da eleição, o prefeito Ricardo Nunes comprou uma briga de ir denunciar a Enel no Ministério Público Federal, no Tribunal de Contas da União. Se o cara está brigando comigo, o que eu vou fazer para facilitar a vida dele? Zero. Não vou fazer nada.
Há outras demandas dos empresários?
Uma questão que é fundamental: nós vamos colocar para rodar um ônibus que custa três vezes mais do que o equivalente diesel sem nenhum tratamento viário. Quer dizer, vai investir uma fábula de dinheiro dessa para o veículo ficar parado no congestionamento? Do ponto de vista do usuário, o papel do combustível é nenhum. O usuário quer entrar em um ônibus com velocidade, com itinerário, e chegar no destino dele. Não interessa o que tem no tanque. Do nosso ponto de vista de operador, não há nenhum problema em usar elétricos. Nós operamos ônibus a perfume, sorvete, o que você quiser. O que precisamos é da infraestrutura necessária para poder botar esses veículos para rodar.