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Pesquisa em queda e cortes: por que universidades brasileiras recuam no ranking mundial

Das 53 instituições nacionais avaliadas, 46 apresentaram piora na comparação com o ano passado

Ranking global de universidades: impacto do financiamento e da pesquisa no desempenho das instituições brasileiras (Acervo/UFRJ/Divulgação)

Ranking global de universidades: impacto do financiamento e da pesquisa no desempenho das instituições brasileiras (Acervo/UFRJ/Divulgação)

Agência o Globo
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Publicado em 3 de junho de 2025 às 08h28.

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Problemas de financiamento e queda no desempenho da pesquisa fizeram com que 87% das universidades brasileiras recuassem numa lista global das melhores instituições de ensino superior pelo mundo. O levantamento realizado pelo Center for World University Rankings (CWUR) incluiu 53 universidades brasileiras entre as 2.000 principais do mundo. Dessas, 46 apresentaram piora na comparação com o ano passado, contra apenas sete avanços.

A melhor instituição brasileira — e da América Latina — da relação permanece sendo a Universidade de São Paulo (USP), que, no entanto, perdeu um posto e atingiu o 118º lugar. Já o maior salto positivo foi o da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que subiu 70 posições e aparece em 331º, ultrapassando a Universidade de Campinas (Unicamp) como segunda colocada nacional. Por outro lado, a Universidade Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) deixou de figurar entre as duas mil mais prestigiadas do planeta.

Impactos do financiamento na pesquisa

Na avaliação de Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e ex-ministro da Educação, o recuo das universidades brasileiras é reflexo da perda de investimento na área, sobretudo no governo de Jair Bolsonaro (PL). A ascensão de universidades chinesas, que também pressiona outros países, é mais um fator preponderante.

— Na educação e na pesquisa, os resultados de investimentos ocorrem a longo prazo. Quando há aumento de recursos, as melhorias demoram a aparecer. Quando desinveste, como aconteceu no governo anterior, as consequências também levam um tempo para surgir. E é isso que estamos vendo agora — pontua Janine.

Em 2021, no segundo ano da pandemia de Covid-19, o Brasil atingiu o menor nível de investimento do século XXI no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), principal órgão de fomento da pesquisa no país. Os orçamentos foram recompostos na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas os problemas de financiamento persistem.

No mês passado, um contingenciamento atingiu as universidades, que passaram a manifestar preocupação com a possibilidade de terem que cortar serviços essenciais como limpeza e segurança. Pouco depois, o governo federal anunciou a recomposição dessas verbas, mas ainda abaixo do que as instituições afirmam precisar.

Cenário global da pesquisa e competição

De acordo com o presidente do CWUR, Nadim Mahassen, a pesquisa brasileira está ficando para trás em um cenário de maior competição global:

— Sem financiamento e planejamento estratégico mais robustos, o Brasil corre o risco de ficar ainda mais para trás no cenário acadêmico global em rápida evolução — defende.

Entre as 53 instituições brasileiras na lista em 2025, quatro são privadas e seis são estaduais — três de São Paulo, duas do Paraná e uma do Rio. Todas as outras são universidades ou institutos de pesquisa federais, como o de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e o Tecnológico de Aeronáutica (ITA).

Instituições longe de grandes centros também conseguiram um espaço entre as duas mil melhores do mundo, como as federais do Piauí, de Alagoas e do Amazonas. Há ainda representantes de cidades do interior, como Lavras (MG), Santa Maria (RS) e Campina Grande (PB).

Harvard segue líder mundial

A Universidade de Harvard, uma das mais prestigiadas dos Estados Unidos e do mundo, lidera o ranking desde que ele foi criado, em 2012. No entanto, ainda que instituições americanas e inglesas dominem o top 10, elas estão vendo aumentar a competição da China, que passou a ser o país com mais representantes entre as duas mil citadas pelo CWUR.

Em 2025, a lista teve 346 instituições chinesas, contra 319 americanas — no ano anterior, haviam sido 324 e 329, respectivamente. Em 2019, a vantagem americana era bem maior: 362 ante 278 universidades da China entre as melhores, segundo o CWUR.

— Com os Estados Unidos superados pela China como o país com mais representantes no ranking, sua reputação no setor global de ensino superior está seriamente ameaçada — avalia Nadim Mahassen.

A avaliação é corroborada por Renato Janine. Para o ex-ministro, a tendência, agora, é que a China amplie a dianteira em virtude de cortes na pesquisa perpetuados pelo presidente americano Donald Trump. Só de Harvard, o governo dos EUA retirou 2,2 bilhões de dólares (o equivalente a aproximadamente R$ 12 bilhões) depois que a universidade se recusou a acatar uma lista de medidas que dariam à Casa Branca a prerrogativa de intervir sobre diversos aspectos de gestão da instituição.

Em outra frente, Trump encerrou um programa de 258 milhões de dólares (cerca de R$ 1,4 bilhão) da Universidade Duke que buscava uma vacina para o HIV. O trabalho também era aplicável a uma ampla gama de tratamentos para outras doenças, como remédios para a Covid-19 e antídoto para veneno de cobra.

— O que estamos vendo com o Brasil hoje se passará com os EUA em dois ou três anos — prevê Renato Janine.

Contudo, mesmo potências globais que não passam por significativas restrições orçamentárias na ciência estão perdendo espaço para a ascensão chinesa. São os casos, por exemplo, de Japão, França e Alemanha, enquanto universidades de Reino Unido e Rússia tiveram um desempenho apenas ligeiramente melhor.

— Com a extraordinária ascensão das instituições chinesas, as universidades do mundo ocidental não podem se dar ao luxo de ficar paradas e se acomodar — diz Mahassen.

Para elaborar o ranking, o CWUR analisou 74 milhões de dados baseados em resultados para classificar universidades de todo o mundo de acordo com quatro fatores: pesquisa, distinções acadêmicas de ex-alunos, empregabilidade e prestígio do corpo docente. A produção científica é justamente o critério de mais peso, correspondendo a 40% da nota. Ela considera o total de artigos publicados (10%), os conteúdos veiculados em periódicos de primeira linha (10%), aqueles que estão em revistas altamente influentes (10%) e os que são mais citados por outros pesquisadores (10%).

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