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‘Reforma administrativa não é contra servidores, mas contra privilégios', afirma Pedro Paulo

Coordenador do grupo de trabalho da reforma na Câmara afirma que avanço da proposta depende do clima político

Pedro Paulo: deputado defende a medida como o vetor da produtividade no setor público (Bruno Spada/Câmara dos Deputados/26-03-2024)

Pedro Paulo: deputado defende a medida como o vetor da produtividade no setor público (Bruno Spada/Câmara dos Deputados/26-03-2024)

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 16 de outubro de 2025 às 06h01.

Um tema que vive entre idas e vindas no Congresso ganhou um novo fôlego. No início de outubro, o coordenador do grupo de trabalho da Reforma Administrativa na Câmara dos Deputados, Pedro Paulo (PSD-RJ), apresentou um texto que promete modernizar o serviço público, aumentar a eficiência e acabar com supersalários.

“A reforma não vai prejudicar ninguém, mas vai trazer mais equilíbrio e responsabilidade na administração pública”, afirma o deputado federal em entrevista exclusiva à EXAME. A proposta voltou a ser discutida na Canara com o apoio do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos).

O deputado consolidou a reforma administrativa em uma proposta de emenda à Constituição (PEC), um projeto de lei complementar (PLP) e um projeto de lei (PL), em um modelo parecido com a reforma tributária.

“A reforma não é contra os servidores, mas contra excessos e privilégios”, afirma.

Entre os principais pontos está a criação de um planejamento estratégico obrigatório para todas as esferas. Este plano deverá ser apresentado em até 180 dias após o início de cada mandato e deverá incluir metas e resultados esperados.

“Toda política pública precisa ter um indicador e uma meta. Não temos um único indicador que vai medir tudo, mas teremos uma cultura de administração baseada em indicadores e resultados”, diz Paulo.

A ideia do deputado é incluir o conceito de meritocracia no serviço público, com avaliação de desempenho e bônus, ponto que causa maior reclamação dos sindicato de servidores.

“A meritocracia é fundamental. Em algumas administrações, já foi implementado modelos de bônus por resultados, como no caso da cidade Rio de Janeiro na gestão do prefeito Eduardo Paes. Esse modelo vai ser implementado com indicadores claros e metas definidas”, afirma.

Sobre pressões internas e externas, o deputado diz que ela está mais localizado nos sindicatos do que não sindicalizados.

“O que estou tentando fazer é um apelo à razoabilidade, pedindo uma autoanálise das categorias, para perceberem onde podem corrigir exageros”, diz.

Pedro Paulo detalha ainda que após a apresentação do texto, ele está trabalhando no recolhimento de assinaturas para protocolar a PEC, mas que a votação ainda não tem previsão de ocorrer.

Em relação à votação, ainda não há uma data definida, mas estamos trabalhando para que ela seja pautada, com o apoio da sociedade e do parlamento. O processo de tramitação pode ser mais rápido ou mais lento, depende muito do clima político”, diz o deputado.

Confira a entrevista completa de Pedro Paulo sobre a reforma administrativa

O senhor já mencionou várias vezes que essa reforma visa tornar o serviço público mais eficiente, com menos desperdício. É possível mensurar o impacto no PIB ou o quanto de eficiência será efetivamente aumentada com a proposta? 

Essa pergunta vale bilhões de reais. Medir a produtividade no setor público é algo complexo, mas sabemos que, no conjunto das ações, teremos uma administração muito mais eficaz na implementação das políticas públicas. Um exemplo é a questão do planejamento. Você tem que estabelecer metas e indicadores em todos os programas e ações. Toda política pública precisa ter um indicador e uma meta. Não temos um único indicador que vai medir tudo, mas teremos uma cultura de administração baseada em indicadores e resultados.

Teria algum exemplo? 

Se você tem uma política pública de merenda escolar, ao mudar o cardápio, você saberá quanto custa e quais as metas a serem atingidas em termos de segurança alimentar, como aumento de proteínas ou de calorias consumidas. Isso é uma forma de medir a produtividade. Muitas administrações já têm feito isso com bons resultados. Agora, ter um indicador único para medir tudo na administração pública é um pouco mais difícil, mas o ponto é que estamos estabelecendo essa cultura de gestão baseada em resultados. Isso vai, sem dúvida, melhorar a produtividade.

Especialistas afirmam que a reforma tem um papel mais de reorganização imediata da máquina pública e os potenciais ganhos econômicos, pensando em PIB, virão no futuro. O senhor compartilha dessa visão?

Sim, eu concordo com essa visão. Não temos um ganho imediato de PIB como a reforma tributária terá, mas certamente, no médio e longo prazo, vamos ver ganhos significativos em eficiência. A reforma vai gerar economia e mais recursos, mesmo que não tenha uma meta explícita de ajuste fiscal. A melhoria na alocação dos serviços e dos investimentos públicos será clara. A reforma não traz uma meta de redução de gastos com pessoal, mas vai alocar os recursos de maneira mais responsável, evitando excesso, o que vai ajudar a enfrentar outras questões, como a desigualdade salarial no setor público.

Praça dos Três Poderes: reforma administrativa vai atingir Executivo, Judiciário e Legislativo (Leandro Fonseca/Exame)

O senhor mencionou a desigualdade salarial na administração pública. Quando comparado o salário mais alto e o mais baixo, vemos uma desigualdade grande. O senhor pode falar um pouco mais sobre isso e como a reforma pode abordar esse tema?

Sim, a desigualdade salarial é algo que chama atenção. A faixa de salários mais baixa da administração pública é 15 vezes inferior à dos 10% mais bem remunerados. Essa última parcela representa 40% da massa salarial total. Isso é um grande desequilíbrio. A reforma visa corrigir isso, criando mais equilíbrio nas faixas salariais e fazendo a alocação mais eficiente dos recursos.

Quando o senhor apresentou o texto, mencionou que ele mexeria nas estruturas de Brasília e nos privilégios. Como o senhor está recebendo os feedbacks dos servidores dos diferentes poderes sobre esse texto e o que seria necessário ajustar para que a reforma avance?

Olha, pressão eu tenho recebido bastante, mas ela está localizada mais nos sindicatos. Alguns servidores sentem que a reforma vai afetar seus excessos, mas o desenho que fizemos visa combater o que realmente precisa ser corrigido. A reforma não é contra os servidores, mas contra excessos e privilégios. O que estou tentando fazer é um apelo à razoabilidade, pedindo uma autoanálise das categorias, para perceberem onde podem corrigir exageros. A reforma não vai prejudicar ninguém, mas vai trazer mais equilíbrio e responsabilidade na administração pública.

Como o senhor vê a questão da meritocracia na administração pública, especialmente para evitar favorecimento político ou subjetividade nas avaliações de desempenho?

A meritocracia é fundamental. Em algumas administrações, já foi implementado modelos de bônus por resultados, como no caso da cidade Rio de Janeiro na gestão do prefeito Eduardo Paes. Esse modelo vai ser implementado com indicadores claros e metas definidas. A avaliação de desempenho será baseada nessas metas coletivas, e o bônus será uma forma de reconhecimento do trabalho coletivo. As promoções dentro das carreiras também serão baseadas em resultados, com critérios objetivos. Isso vai mudar a cultura da administração pública, que até hoje não tinha essa visão de resultados de forma tão estruturada.

Mas, como evitar a subjetividade e o favorecimento político na avaliação?

O modelo que implementamos no Rio de Janeiro, por exemplo, não nasceu pronto. É uma lei que vai ser ajustada ao longo do tempo, com um processo de aprendizado contínuo. Mas acredito muito no sucesso desse modelo porque ele cria uma cultura que não fica restrita à alta gestão. Todo mundo dentro da administração vai passar a se interessar porque os bônus – a possibilidade de receber mais – vai estar vinculada ao cumprimento das metas e aos indicadores. Essas metas são coletivas, por órgãos, por secretarias, por setores, então não tem esse risco de favorecimento, porque as metas são claras e objetivas. A outra parte é a avaliação do desempenho individual, que vai ser o critério para a promoção dentro da carreira. Ela só vai acontecer se o modelo coletivo de metas estiver bem estabelecido. Ou seja, o desempenho individual vai ser medido de acordo com o desempenho do setor ou da área. Isso vai criar uma cultura de resultados que nunca existiu antes na administração pública.

Prédio da Controladoria Geral da União, Fachada CGU, seguido dos prédios da Dataprev, do Conselho Nacional de Desenvolvimento, e da INFRA S.A. (Agência Brasil)

Como o senhor vê a importância da transformação digital para a gestão pública e como lidar com a desigualdade de infraestrutura entre os estados e municípios?

A transformação digital é essencial. Ela melhora tanto o atendimento ao cidadão quanto a eficiência da gestão pública, além de gerar economia. Mas sabemos que a infraestrutura desigual entre os estados e municípios é uma preocupação. Por isso, é importante ter uma estratégia nacional de digitalização, que contemple a questão da segurança de dados e a necessidade de investimentos em áreas mais carentes. A digitalização não pode ser um privilégio de algumas regiões. A estratégia precisa ser nacional, e também precisamos reduzir as penalidades para os erros que podem ocorrer durante o processo de inovação, porque o setor público muitas vezes sofre penalizações severas quando tenta inovar.

Como está o cronograma da reforma? Quando o senhor espera que o texto avance e seja votado?

Estamos em diálogo constante com o governo e com a base. A reforma tem sido discutida desde o início com o Ministério da Gestão, e, apesar de algumas divergências, estamos avançando na construção de um consenso. O governo está começando a focar mais nas pautas eleitorais, mas a reforma administrativa é estruturante para o Brasil, e precisa ser tratada com prioridade. Em relação à votação, ainda não há uma data definida, mas estamos trabalhando para que ela seja pautada, com o apoio da sociedade e do parlamento. O processo de tramitação pode ser mais rápido ou mais lento, depende muito do clima político. O que estamos fazendo, é colhendo as assinaturas para protocolar a PEC. Quando protocolarmos a PEC, vamos ver os próximos passos, se vai abrir para comissões, se vai ser uma comissão especial ou se vamos aprovar a reforma em outro formato. A ideia é avançar no consenso e fazer uma tramitação mais rápida, mas vamos fazer uma coisa de cada vez.

Então, não há uma previsão exata para a votação este ano?

Não há uma previsão exata. Estamos trabalhando para que o texto seja pautado, mas isso depende de superar algumas resistências dentro da base e do governo. Vamos continuar dialogando e pressionando para que a reforma avance, mas no momento ainda não há uma data definida para a votação.

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