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'Sensação é de dever cumprido', diz líder do projeto do Túnel Santos-Guarujá sobre leilão

Raquel Carneiro, de 31 anos, foi responsável pela estruturação técnica da versão do projeto centenário que vai a leilão nesta sexta

Raquel Carneiro: liderança jovem e feminina tira do papel projeto centenário (Artesp/Governo de SP/Divulgação)

Raquel Carneiro: liderança jovem e feminina tira do papel projeto centenário (Artesp/Governo de SP/Divulgação)

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 5 de setembro de 2025 às 06h03.

Última atualização em 5 de setembro de 2025 às 06h08.

Um projeto discutido a mais de 100 anos e que promete beneficiar milhões de moradores das cidades de Santos e Guarujá começará, enfim, a sair do papel. E uma das responsáveis é Raquel Carneiro, de 31 anos, diretora da Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) e líder do projeto do Túnel Santos-Guarujá, que irá a leilão nesta sexta-feira, 5.

"Com o leilão, a sensação é de dever cumprido, mas é só uma etapa. Quando o túnel for entregue, vai ser uma conquista não só minha, mas de todos os envolvidos", diz Carneiro em entrevista exclusiva à EXAME na sede da agência.

Apontada pelo governo estadual como a “mãe” da versão do projeto que vai a leilão, Carneiro é engenheira civil formada pela Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos.

Ela contou que o primeiro contato com o túnel imerso ocorreu ainda na faculdade, quando teve aulas com o professor Tarcísio Celestino, então presidente do Instituto Mundial de Túneis. Mais tarde, voltou ao tema ao atuar em Brasília, antes de assumir a estruturação técnica e institucional da obra em São Paulo em 2023.

"O Benini me ofereceu a liderança do projeto e eu aceitei. Quando aconteceu, liguei para o meu professor e contei que estava com o projeto. Ele pediu para dar uma aula de novo sobre o túnel. Me explicou tudo. Contei que a ideia era fazer uma Parceira Público-Privado (PPP), não mais uma obra pública, como era o plano de 2015. Além disso, falei que poderíamos melhorar um projeto que já era ótimo", diz.

Túnel será o primeiro imerso no Brasil (Governo Federal/Divulgação)

Entre as principais melhorias incluídas por Carneiro estão a otimização dos acessos e a flexibilidade da forma que a obra será executada pela concessionária que vencer o leilão. O objetivo das mudanças é provocar o menor número de interrupções possíveis no Porto de Santos durante as obras. Além disso, foi introduzido o Geological Baseline Report (GBR), um perfil geológico detalhado da região.

"Estava muito preocupada com o impacto ambiental, principalmente no mangue, mas os feedbacks das empresas e especialistas mostraram que havia formas de otimizar e fazer tudo dentro das exigências ambientais", afirma.

A previsão, segundo a líder da estruturação, é que as obras comecem a partir do próximo ano. O projeto deve ser entregue até 2028 pela empresa vencedora do certame. Carneiro e a sua equipe da Artesp serão responsáveis por acompanhar o andamento dos trabalhos.

“O processo todo é uma corrida contra o tempo, mas a equipe está animada para começar. Temos que garantir que o projeto seja finalizado da melhor forma possível, com o menor impacto para a população e com a maior eficiência” diz.

A engenheira também comentou sobre o desafio de liderar uma obra desse porte sendo jovem e mulher em um setor marcado pela presença masculina. Para ela, o apoio do governador Tarcísio de Freitas foi essencial para que o projeto avançasse. 

”O governador confiou cegamente em mim e na minha equipe, e isso fez toda a diferença. Claro que houve muita pressão, mas sempre soube que o projeto ia sair porque acreditava no trabalho da equipe”, afirma.

Confira a entrevista completa com Raquel Carneiro, diretora da Artesp

Qual a sua história e como ela já estava ligada ao projeto?

Estudei na USP de São Carlos. Na faculdade, sempre gostei da parte de infraestrutura, principalmente de rodovias. Um dos meus professores, na época, era presidente do Instituto Mundial de Túneis, o Tarcísio Celestino. Ele foi uma das pessoas que elaborou o projeto do túnel Santos-Guarujá. Ele falava que era muito complicado de sair do papel, porque havia muitos problemas entre os governos federal e estadual, mas que a obra era a melhor. Ele dava aula de mecânica das rochas e explicou tudo sobre o projeto. Eu pensava que queria muito trabalhar nesse projeto, mas achava que, até chegar em um nível de liderar projetos, a obra já teria acontecido.

Como o projeto chegou até você?

Depois da faculdade, fui trabalhar na ARTESP e, na época, comecei a corrigir o projeto da ponte da Ecovias, que substituiria o túnel. Na época, pensei que o túnel não iria mais acontecer. Depois, fui para Brasília, e foi lá que tive o primeiro contato com o projeto, porque surgiu a possibilidade de o túnel ser feito com a privatização do Porto de Santos. Olhei o projeto, mas muito por cima. Quando o Tarcísio e o Benini vieram para São Paulo, eles queriam que eu viesse, mas eu adorava morar em Brasília. O Benini me ofereceu a liderança do projeto e eu aceitei. Quando aconteceu, liguei para o meu professor e contei que estava com o projeto. Ele pediu para dar uma aula de novo sobre o túnel. Me explicou tudo. Contei que a ideia era fazer uma Parceria Público-Privado (PPP), não mais uma obra pública, como era o plano de 2015. Além disso, falei que poderíamos melhorar um projeto que já era ótimo.

Quais foram as principais mudanças que você introduziu no projeto?

Um dos pontos que identifiquei foi otimizar o projeto, principalmente nos acessos em Santos e no Guarujá. No modelo público, você tem que definir tudo, o que quero, o que não abro mão, mas o resto fica a cargo da concessionária. Ou seja, com a PPP, a concessionária pode otimizar os acessos, escolher o melhor caminho, enquanto, no modelo público, isso ficaria fixo. Outra coisa foi mudar a forma de construção das peças do túnel. O projeto anterior estipulava seis módulos específicos, mas agora, com a PPP, a empresa vai escolher a melhor solução, o que pode gerar economia e menos interrupção no Porto de Santos, que é um ponto muito sensível. Além disso, introduzimos soluções inovadoras, como o Geological Baseline Report (GBR), um perfil geológico detalhado que ajuda a evitar discussões subjetivas no futuro. Isso é fundamental para o sucesso do projeto, porque, se houver qualquer problema no solo, já está previsto no contrato.

Quais foram os maiores desafios que você enfrentou ao longo do projeto?

Um grande desafio foi a burocracia, especialmente envolvendo dois governos, o federal e o estadual. Às vezes, um processo que deveria ser rápido se arrasta por questões burocráticas. A maior preocupação no início foi com o prazo. A obra foi sendo adiada muitas vezes e, por ser algo inédito, tínhamos receio de que surgissem obstáculos no caminho. Mas, quando envolveu o governo federal, a coisa realmente se complicou um pouco mais.

Você participou de visitas a obras internacionais. O que essas experiências trouxeram de aprendizado para o projeto?

Fui visitar alguns projetos de túnel, especialmente na Europa, e aprendi muito com eles. As empresas trouxeram soluções de engenharia que nem tínhamos considerado, como alternativas para o rebaixamento do solo freático, que é um dos desafios do túnel Santos-Guarujá. Também vi como a gestão de risco e a mitigação de impactos são tratadas de maneira muito objetiva lá fora. Estava muito preocupada com o impacto ambiental, principalmente no mangue, mas os feedbacks das empresas e especialistas mostraram que havia formas de otimizar e fazer tudo dentro das exigências ambientais.

E como as empresas observam esse projeto?

Quando fui conversar com os holandeses, a primeira vez que falei sobre a preocupação de ser o primeiro túnel do tipo no Brasil, eles riram e disseram que é uma construção tão simples. Na Holanda, são mais 40 túneis como esse e alguns foram construídos durante a guerra. Agora, eles estão fazendo um túnel imerso de 18 km e perguntaram sobre o motivo de  preocupação com um de 800 metros. É tão natural para eles esse tipo de obra. A experiência deles é muito maior, mas para nós é um grande desafio, porque é algo inédito no Brasil. Eles ficavam impressionados com o receio que tínhamos.

Como você lida com a incerteza quanto a possíveis questionamentos que poderiam atrasar a execução do projeto?

A maior preocupação foi com o prazo. Como envolvemos o governo federal, a burocracia aumentou bastante. A primeira preocupação foi o TCU, que tem uma análise prévia que poderia demorar até seis meses. Isso atrasaria o projeto. E, como você sabe, em um projeto como esse, qualquer atraso de um mês significa novas cotações e ajustes constantes. Mas a nossa grande estratégia foi garantir que tudo fosse bem costurado desde o começo, e que qualquer possível problema fosse resolvido rapidamente, já com as soluções pré-definidas no contrato.

Vocês não esperam que haja interferências que atrasem o andamento do projeto?

Não tem nada que possa acontecer que não esteja previsto. Tínhamos um processo do Ministério Público com relação à desapropriação, que começou lá em 2015. Sentamos com os promotores, conversamos mais de uma vez, tratamos tudo por meio de ofício. Tudo o que poderia ser um obstáculo já foi resolvido. Até com a população, mantivemos um diálogo muito próximo. Inclusive, convidei todos para o leilão e eles estarão lá. Isso mostra que estamos fazendo tudo dentro do que foi planejado e com toda a transparência possível. E, obra, quando você trabalha com algo tão grande, sempre vai ser uma caixinha de surpresas. O que a gente fez foi, em todas as caixinhas de surpresa possíveis que aconteçam, já ter um regramento para que elas sejam resolvidas rapidamente. Isso foi muito aprendizado com as obras que temos aqui. É um projeto que já prevê os riscos e todas as possibilidades.

Como você vê esse trabalho concluído? E, pessoalmente, como se sente liderando um projeto desse porte?

Fiquei muito feliz, principalmente porque, como mulher jovem, tenho a minha credibilidade colocada em xeque. O governador confiou cegamente em mim e na minha equipe, e isso fez toda a diferença. Claro que houve muita pressão, mas sempre soube que o projeto ia sair porque acreditava no trabalho da equipe e na parceria com o governo estadual. E agora, com o leilão chegando, a sensação é de dever cumprido, mas é só uma etapa. Quando o leilão for entregue, vai ser uma conquista não só minha, mas de todos os envolvidos.

E como você vê a conclusão desse projeto? O que vem pela frente?

Agora, temos a expectativa do leilão, que será realizado em breve. Depois disso, as obras começam oficialmente, e já temos algumas etapas planejadas. A previsão é que a obra inicie no próximo ano, com algumas mudanças já a partir de 2025. O processo todo é uma corrida contra o tempo, mas a equipe está animada para começar. Temos que garantir que o projeto seja finalizado da melhor forma possível, com o menor impacto para a população e com a maior eficiência.

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