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Trump não quer mais Brasil como dor de cabeça, diz pesquisador americano

Brian Winter, vice-presidente executivo do Conselho das Américas, afirma que Trump pode ter 'abandonado' a família Bolsonaro

Lula e Trump: avaliação de especialista é que encontro inicia nova fase da relação entre os países (Ricardo Stuckert/PR)

Lula e Trump: avaliação de especialista é que encontro inicia nova fase da relação entre os países (Ricardo Stuckert/PR)

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 29 de outubro de 2025 às 06h01.

A distensão das relações entre os governos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Donald Trump tem como pano de fundo a intenção do republicano de retirar o Brasil da posição de uma "dor de cabeça" para sua administração.

"Agora, acredito que o desafio é encontrar algum tipo de vitória simbólica para que Trump possa afirmar que teve sucesso, mas sem manter o Brasil como uma dor de cabeça", afirma Brian Winter, vice-presidente executivo do Conselho das Américas, um grupo que reúne multinacionais com atuação na América Latina.

Winter, que viveu por uma década na América Latina, incluindo Brasil, Argentina e México, é também editor-chefe da revista Americas Quarterly, vinculada ao centro de pesquisa e debate Conselho das Américas, sediado nos Estados Unidos.

O especialista destaca que toda a comunicação da Casa Branca após a reunião na Malásia tem sido muito positiva, focada em mostrar a disposição para um acordo. Após o encontro de Lula e Trump, negociadores já iniciaram reuniões. 

O governo brasileiro espera que a administração americana inclua mais produtos na lista de exceções, como café e carne, ou que derrube a tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros.

Winter observa que essa mudança de postura de Trump é quase como se as afirmações de que as tarifas eram uma respostas a uma suposta perseguição contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nunca tivessem acontecido.

"Eu disse anteriormente que Trump jamais abandonaria a família Bolsonaro. Agora, não tenho tanta certeza. Tudo o que vimos nas últimas semanas sugere que Trump está ansioso para deixar esse episódio no passado", afirma.

Mesmo com o cenário positivo, o analista acredita que haverá pressão para que Lula faça alguma concessão a fim de selar um acordo. Ele aponta a concessão de terras raras como um dos temas mais evidentes.

"O Brasil possui as segundas maiores reservas do mundo e oferece uma verdadeira alternativa à dependência da China. Essa é uma área onde os interesses do Brasil e dos EUA convergem, e conversei com pessoas em ambos os governos ansiosas para concentrar as negociações nesse setor", afirma.

Winter também sugere que temas controversos, como a regulação das big techs, podem surgir nas conversas, mas que há um desejo americano de resolver a questão para não continuar lidando com "essa dor de cabeça".

"Esse pode ser outro caso em que o governo Lula decida adotar uma postura firme e, no final, prevaleça, porque o desejo da Casa Branca é não ter mais que lidar com esse problema", afirma.

Leia a entrevista completa de Brian Winter

O que você acredita que está no centro desse distensionamento das relações entre Brasil e EUA?

O presidente Trump perdeu a paciência com o Brasil e seus esforços para ajudar a família Bolsonaro. Foi vendida uma narrativa para ele em julho que se mostrou falsa – a de que tarifas e outras punições manteriam o ex-presidente Jair Bolsonaro fora da prisão e o trariam de volta ao poder. Como sabemos agora, o oposto aconteceu. Lula ficou mais forte. Não havia caminho para Bolsonaro ser autorizado a se candidatar novamente em 2026. Uma série de líderes empresariais foi à Casa Branca e comunicou isso diretamente ao presidente. Eles reclamaram que as tarifas estavam prejudicando seus interesses. Em algum momento, provavelmente em agosto, Trump levantou as mãos e decidiu que o suficiente era o suficiente. Por que ter esse conflito com o Brasil em um momento em que tantas outras de suas políticas, no Oriente Médio, por exemplo, estão produzindo sucessos? Quando os mercados estão em recordes históricos? Então, ele deu a ordem para alcançar um acordo. Agora, acredito que o desafio é encontrar algum tipo de troféu, que permita a ele afirmar que teve uma vitória, mas também não ter mais o Brasil como uma dor de cabeça.

Apesar de ainda não ter um acordo fechado, é possível dizer que a relação Trump e Lula entra em nova fase, sem o fator Bolsonaro como determinante nessa equação de negociações?

Minha compreensão sobre isso está evoluindo. Eu disse anteriormente que Trump nunca abandonaria a família Bolsonaro. Agora, não tenho tanta certeza. Tudo o que vimos nas últimas semanas sugere que Trump está ansioso para colocar todo esse episódio no passado. Se você olhar as comunicações oficiais da Casa Branca após sua reunião com Lula na Malásia, tudo é muito positivo – e focado em alcançar um acordo. Como se a questão Bolsonaro nunca tivesse existido. Já vimos isso de Trump antes – lembre-se no início deste ano, quando ele estava falando sobre anexar a Groenlândia e retomar o Canal do Panamá? Ou construir hotéis em Gaza? Às vezes, quando ele vê que uma política não está funcionando, ele simplesmente segue em frente. Eu ainda poderia ser surpreendido, dependendo de como as negociações vão acontecer no nível ministerial. Vamos ver. Mas acho que o impulso é seguir em frente.

Na prática, que impacto esse encontro pode ter em temas sensíveis da agenda bilateral, como big techs, meio ambiente e segurança regional?

Haverá pressão para haver algum tipo de concessão por parte de Lula. A área mais óbvia é com as terras raras. Essa é uma questão global para os Estados Unidos. Ela se tornou muito urgente nos últimos meses, à medida que a China tentou usar as terras raras como alavanca com Washington. A necessidade de transição energética, mas mais pertinentemente para fins militares, é imensa. O Brasil tem as segundas maiores reservas do mundo e oferece uma verdadeira alternativa à dependência da China. Então, essa é uma área onde os interesses do Brasil e dos EUA convergem, e eu conversei com pessoas em ambos os governos ansiosas para focar as conversas nessa área.

Não é um acordo fácil, correto? 

Não é um acordo fácil, mas deve ser possível. Agora, a minha pergunta é: quantas dessas outras áreas sensíveis serão puxadas para a negociação? O secretário Marco Rubio [de Estado] e o representante [de comércio] Jamieson Greer podem tentar tornar a regulação digital um assunto. Mas o que acontece se isso se tornar controverso? Esse pode ser outro caso onde o governo Lula decida jogar duro e, no final, prevalecer porque o desejo da Casa Branca é não ter mais que lidar com essa dor de cabeça.

É possível que o Brasil consiga ocupar um papel de interlocutor entre Trump e países latino-americanos com governos de esquerda, principalmente com Venezuela e Colômbia? Se não como interlocutor, como o Brasil entrará nessa equação?

As capacidades diplomáticas de Lula são bem conhecidas. Ele parece ter o respeito de Trump, com base no que vimos na Malásia. Mas eu acredito que a Casa Branca conduzirá sua política sobre a Venezuela separadamente – ela tem objetivos diferentes. Não acho que eles estejam interessados em um interlocutor. Eles estão interessados em bombardear a Venezuela, tentar mostrar os dentes para os cartéis em toda parte e produzir uma mudança de regime em Caracas sem realmente colocar tropas dos EUA no terreno. Eu não sei se isso tudo é possível, e não sei como o Brasil e outros governos irão reagir. Dependendo de como as coisas acontecerem, esse é um assunto que tem a capacidade de tornar as relações EUA-Brasil incertas novamente. Se Lula se tornar um opositor vocal da ação militar dos EUA, por exemplo. Nunca haverá um dia sem emoções em 2025.

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