Carlos Piani: a universalização é nossa maior obrigação de curto prazo (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter de Brasil e Economia
Publicado em 28 de setembro de 2025 às 08h00.
Carlos Piani, CEO da Sabesp, tem um desafio único na sua carreira. Com mais de 20 anos de experiência, ele precisa pela primiera vez transformar a cultura de uma empresa que foi estatal por 51 anos, enquanto entrega R$ 70 bilhões em investimentos para atingir a universalização do saneamento até 2029 em São Paulo.
"Estamos trabalhando muito duro e vamos cumprir. Será difícil, mas vai ser feito. E vai ser para todos. Não será só para quem estava na área atendida do contrato antigo. Isso é o nosso mantra 1,2, 3 e 4. Nossa prioridade", afirma em entrevista exclusiva à EXAME.
Piani assumiu a gestão da empresa em outubro de 2024, após deixar o conselho de administração da Equatorial. De largada, acelerou um processo iniciado no ano passado pelo ex-presidente da companhia, André Salcedo: transformar a Sabesp em uma só empresa.
"Na época, era como se a Sabesp estatal fosse uma holding de pequenas empresas. A gestão anterior começou a consolidar a Sabeso em uma única empresa. Nós aproveitamos e aceleramos esse processo", diz.
Sob sua gestão, a Sabesp encerrou contratos que concediam R$ 800 milhões em descontos anuais a grandes consumidores, ampliou a cobrança de inadimplentes e lançou a campanha “Gato Molhado” contra fraudes. Também digitalizou processos e aproximou o atendimento ao consumidor, integrando canais como Pix automático e WhatsApp, hoje presente em 99% dos celulares brasileiros.
Para Piani, além da meta de sanemaento, o horizonte é mais amplo. O CEO afirma que a ideia é participar de leilões fora de São Paulo e tornar a Sabesp na maior empresa do mundo.
“Não devemos ter complexo de tupiniquim”, diz. “A Sabesp já é uma das três maiores do mundo. Com a bagagem técnica e os graus de liberdade conquistados pela privatização, podemos mirar em ser a primeira.”
Como você e sua equipe encontraram a Sabesp após a privatização?
Após a privatização, nós fizemos uma parceria entre os funcionários antigos da casa e novos membros. A gente se apoiou muito no sucesso. A Sabesp já era uma referência, mesmo como estatal, era uma empresa de destaque, não só no âmbito nacional, mas também internacional. A Sabesp é uma das maiores empresas do mundo. Nós se alavancamos nessa qualidade técnica e experiência, trazendo talentos de outras áreas e novas contribuições. Para, juntos, fazer que um mais um fosse maior que dois. Porque a Sabesp, além de ter um desafio de mudar de uma empresa estatal para uma empresa privada, herdou uma obrigação muito desafiadora, que é a universalização no prazo muito mais curto. Esse foi nosso plano, fazer esse casamento.
O que estava funcionando e deveria ser mantido?
Do ponto positivo, destaco a área técnica da companhia, que realmente se destaca, e a paixão dos colaboradores pela companhia. Isso é muito raro de ver corporativamente. As pessoas amam a companhia, como se fosse parte da família. Isso gera uma conexão maior com o propósito. Foi uma surpresa muito positiva.
Quais eram os desafios?
O desafio é a universalização. Tudo que a gente começou a fazer foi numa velocidade muito rápida, dada a obrigação. Uns 45 dias depois, contratamos quase R$ 15 milhões, num outro arcabouço, para tentar fazer frente a essas metas. Os desafios estão ligados à velocidade de obra, contratação, cadeia de suprimentos, mudanças de estrutura. É tentar azeitar e botar óleo na máquina.
Quais medidas foram essenciais para os resultados da Sabesp em 2024, tanto em receita quanto lucro?
Com o advento da desestatização, a companhia passou a ter dois grandes desafios: a universalização, que já comentei, e lidar com o novo contrato de concessão que traz obrigações, direitos e deveres. A questão dos descontos é uma mudança relevante. A Sabesp já era regulada, mesmo sendo pública. Ao longo de seus mais de 50 anos, concedia descontos para grandes consumidores por decisão própria, o que fez com que recebesse menos receita do que deveria para cumprir suas obrigações. Havia concessão de R$ 800 milhões por ano em descontos. Nós encerramos esses contratos, que tinham cláusulas resolutivas. Nem todos eram uniformes — alguns com prazos mais curtos, outros mais longos — mas encerramos dentro das regras. Isso trouxe parte da receita que a Sabesp tinha direito pelo regulador. Isso contribuiu para o aumento de receita.
Quais outras medidas para eficiência?
E depois tem um dos objetivos de trazer mais eficiência de uma forma geral, de uma empresa pública que não tem todos os graus de liberdade de uma empresa privada. Por exemplo, muitas vezes a cobrança, o esforço comercial, não é o mesmo de uma empresa pública que uma empresa privada. Tinha uma carteira de clientes inadimplentes há muito tempo. Começamos a buscar essa arrecadação. Lançamos a campanha "Gato Molhado", sobre perdas aparentes, perdas comerciais. No final do dia, quem frauda acaba onerando quem é bom pagador. Agimos com mais disciplina e rigidez. Investimos em tecnologia, estamos trocando sistemas, facilitamos o atendimento. Tomamos uma decisão pouco usual: o diretor de clientes é também o diretor de tecnologia. Isso ajudou a jornada do consumidor, com menos fricção.
Você afirmou que 2025 seria o ano da transformação da Sabesp. Já estamos em setembro. O que foi transformado até agora?
Mudança de cultura é um processo de longo prazo, mas já tivemos marcos importantes. Estamos avançando bem em várias frentes. A Sabesp reduziu seu custo, melhorou a arrecadação, fechou o gap regulatório. Estamos em boa cadência para bater as metas de universalização desse ano, que muitos achavam que eram desafiadoras. Já contratamos as obras de universalização mais de 60% até 2029. Trouxemos inovações no relacionamento com o consumidor. Fomos a primeira empresa a implementar débito automático via Pix. Também adotamos atendimento via WhatsApp, que tem penetração de 99% no Brasil. Isso universalizou o atendimento. Captamos R$ 13 bilhões em 2024. Não há um único fator, mas sim avanços sólidos em várias áreas: universalização, regulação, eficiência e relacionamento com o cliente. Não quero dizer que não tenhamos problema. Tem muito por fazer, mas estamos no caminho certo dessa jornada. Isso ajuda e motiva todos que estão aqui dentro. Isso que me deixa feliz, estamos avançando em várias áreas ao mesmo tempo.
Quais são os grandes pontos do planejamento para os próximos 2 ou 3 anos?
A universalização é nossa maior obrigação de curto prazo, até 2029. Vai ser a empresa que de uma forma inequívoca chegar à universalização. Com a nova modelagem, a Sabesp passa a ter obrigação de levar saneamento básico a todos — áreas rurais, comunidades, favelas, não só a região metropolitana. Hoje atendemos 375 dos 645 municípios de SP. A população atendida é de cerca de 30 milhões de habitantes. Enquanto o país discute universalização para 2033 ou 2040, aqui antecipamos para 2029. Estamos trabalhando muito duro e vamos cumprir. Será difícil, mas vai ser feito. E vai ser para todos. Não será só para quem estava na área atendida do contrato antigo. Isso é o nosso mantra 1,2, 3 e 4. Nossa prioridade.
E qual o momento dois?
Depois, queremos transformar a Sabesp em uma empresa mais ágil e moderna, melhorar o relacionamento com o cliente. Embora sejamos um monopólio natural, queremos adotar visão de mercado competitivo. Muitos de nossos colaboradores trabalharam em outros setores e países. Vamos trazer esse padrão. Já somos uma das três maiores empresas do mundo no setor, por faturamento, valor de mercado e habitantes atendidos. Não temos por que não ser a maior. Não devemos ter complexo de tupiniquim, que no Brasil não pode, não é possível. A Sabesp dado todo seu potencial, conhecimento técnico, com a bagagem, com a oportunidade que ela teve com esse processo de estatização, ela tem uns graus de liberdade para alcançar o mundo. A nossa primeira prioridade é resolver São Paulo, né? E depois a gente não necessariamente sequencialmente, mas endereçar esse caminho e depois sonhar mais alto para ver o que que o futuro nos reserva.
Por que o tratamento e coleta de esgoto é o maior desafio da universalização? Quais são as principais obras e os desafios técnicos?
O saneamento começa com água, depois esgoto e drenagem. A cobertura de água é quase 100%. A de esgoto veio depois. A cidade cresceu mais rápido que a capacidade de investimento. E as regras, como a lei 8666 ou a 13.303, dificultavam a agilidade. Antes da privatização, a Sabesp tinha 93% de coleta de esgoto, mas só 85% era tratado. Isso já gerava uma lacuna. Agora, com mais áreas a cobrir, o desafio é maior. Na região metropolitana de SP, temos seis grandes estações de tratamento. Estavam quase no limite. Estamos expandindo a capacidade em cerca de 75%, ou 20 m³/s, mais do que uma estação Barueri, uma das maiores da América Latina. São obras plurianuais, de dois a três anos. Para alcançar a universalização, precisamos começar agora. Esse é o caminho crítico. A complexidade do investimento para aumentar a capacidade de tratamento para para trazer esgoto para a população. Esse é o nosso maior desafio hoje.
São muitas obras.
Terá muita obra, um pouco de transtorno, mas o benefício vai ser gigantesco. O saneamento, diferentemente de várias outras áreas — não todas, mas das que consigo pensar — além de trazer investimento e desenvolvimento, ele traz saúde, traz dignidade e diminui essa diferença de renda que existe. Porque, em alguns lugares, até mesmo em São Paulo, você olha e é igual ao Nordeste brasileiro. Então, a gente vai trazer dignidade com esses investimentos, que geralmente são os mais difíceis, porque estão no finalzinho. A universalização tem dois paralelos: o da área de telecomunicações e o da energia elétrica. Na energia elétrica, eu tive a oportunidade profissional de participar disso num estado do Nordeste. Essas ligações finais são as mais caras, porque estão no fim da cadeia. As mais fáceis já foram feitas, e as mais complexas ficaram para o final. Esse é o desafio: trazer tratamento onde está mais longe, onde é mais caro, mais complexo. Mas precisa ser feito.
Você falou que 60% dos investimentos já estão contratados. A maioria via crédito e caixa próprio da empresa. Vocês pensam em outras alternativas para para captação de recurso?A venda de imóveis da Sabesp pode ajudar na captação de recursos?
Temos mais de 13 mil imóveis. Estamos avaliando quais são necessários e quais podem ser desinvestidos. Mas o valor e velocidade dessas vendas não acompanham a necessidade dos investimentos. Pode contribuir, mas de forma marginal. A maior parte dos recursos vem de crédito e geração de caixa. E temos acesso ao mercado de capitais se necessário.
Qual foi a importância do trabalho feito pela gestão anterior da Sabesp, já preparando a empresa para a privatização?
Herdamos dois benefícios importantes. O primeiro foi o processo de transformação da Sabesp numa única empresa. Antes, era organizada por regionais e superitendências com muita autonomia. Na época, era como se a Sabesp estatal fosse uma holding de pequenas empresas. A gestão anterior começou a consolidar a Sabeso em uma única empresa, que avançou mais na parte corporativa. Nós aproveitamos e aceleramos esse processo. Temos que ter um DNA comum e as vezes estava um poquinho excessivo para formas diferentes de trabalhar. Demos continuidade e aprofundamos na área operacional. O segundo foi o planejamento das principais obras. Contratamos um volume recorde em pouco tempo, o que só foi possível porque havia esse trabalho prévio.
Qual a principal diferença da Sabesp de outubro de 2024 para a de hoje, em setembro de 2025?
A Sabesp sempre teve um forte propósito. Mas agora ela precisa gerar valor ao acionista com propósito. A empresa tem que entregar saúde, sustentabilidade e também resultados robustos de longo prazo. Essa é a grande mudança: antes havia foco no propósito. Agora, entregamos também valor consistente para o acionista e a sociedade.
O que a Sabesp pode ensinar a outras empresas e governos sobre eficiência e gestão?
A velocidade dos nossos investimentos vem não só da gestão, mas também do modelo regulatório. O modelo da Sabesp é mais próximo do usado na Europa e no setor elétrico, com incentivos e punições claros. Muitas empresas ainda têm baixa qualidade de informação. Com nosso modelo regulatório, tratamos desvios de forma mais eficiente. Essa combinação de boa regulação com boa gestão é o que tem feito a diferença.
Como o setor de saneamento é diferente dos outros onde você trabalhou?
Já trabalhei nos setores financeiro, elétrico, imobiliário e de consumo. Mas nenhum tem tanto impacto social quanto o saneamento. Mesmo no setor elétrico, não traz esse esse efeito colateral em saúde, redução da desigualdade e meio ambiente. É uma oportunidade de deixar um legado maior ainda do que em outras atividades na pessoa física. Parte do meu interesse pessoal de estar aqui é usar tudo que aprendi. Aproveitar as coisas boas e evitar os erros do passado. Erros acontecem, infelizmente. Mas temos de aproveitar todas as experiências para ser o mais eficientes possível nessa jornada. Me sinto um profissional experiente na maior oportunidad eprofssional que eu jpa tive de gerar impacto. Estou bastante feliz e animado, apesar do desafio hercúleo, para alcançar a universalização em São Paulo e transformar a Sabesp em uma das maiores empresas do mundo.
A Sabesp planeja expandir para outros municípios ou estados?
Sim. Estamos atentos a todas as oportunidades, inclusive blocos de municípios em São Paulo e fora do estado. Mas crescimento inorgânico depende de terceiros. Hoje a prioridade ainda é a universalização. Mas no médio prazo, expansão faz parte dos nossos planos. Seja aqui no Estado de São Paulo ou até fora, a Sabesp vai fazer parte dessa história quando casar a oportunidade certa com o nosso momento.
Há espaço para mais eficiência com redução de custos, especialmente com pessoal?
Mais do que cortes, estamos buscando padronização. Isso gera eficiência. Em alguns locais, isso [padronização da área técnica] reduz custo, e em outros aumenta. Mas a padronização vai trazer mais eficiência no agregado. Estamos adotando mais tecnologia e revendo alocação de pessoal. A área de compras, por exemplo, virou uma diretoria e contratamos mais de 100 pessoas. Eficiência ajuda inclusive a manter tarifas mais justas.
Como a Sabesp está enfrentando o cenário macroeconômico com juros altos?
O setor é menos arriscado, então mais sensível à taxa de juros. O retorno é proporcional ao risco. Hoje temos custo de dívida mais alto, mas não é impeditivo. Acreditamos que os juros vão cair. O cenário atual é conjuntural. Se os juros ficarem altos por 10 ou 20 anos, aí é outro problema, mas não vemos isso.