Oferecimento:
Açaí, presente no cotidiano alimentar dos paraenses e exportado para diversos países, chegou a ser vetado no edital da COP30, mas voltou ao centro do debate após a revisão das regras (iStock/Thinkstock)
Redação Exame
Publicado em 17 de agosto de 2025 às 12h42.
Última atualização em 17 de agosto de 2025 às 12h45.
A organização da COP30, conferência climática da ONU que será realizada em Belém em novembro, entrou no centro de mais uma polêmica após a publicação de um edital pela Organização de Estados Ibero-americanos (OEI) para contratação de restaurantes e quiosques oficiais do evento.
O documento vetava a oferta de pratos típicos da culinária amazônica, como açaí, tucupi e maniçoba, sob a justificativa de risco sanitário. Neste sábado, 16, porém, a OEI voltou atrás e publicou uma errata retirando o veto e abrindo caminho para a comercialização desses alimentos. A seguir, veja como a polêmica começou e em que ponto está agora.
O edital publicado no último dia 12 pela Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI) para selecionar os operadores de restaurantes e quiosques oficiais da COP30, em Belém, determinava que alimentos típicos da culinária paraense — como açaí, tucupi e maniçoba — não poderiam ser oferecidos nos espaços oficiais do evento, as chamadas zonas azul e verde.
A justificativa apresentada foi de risco sanitário:
O edital não fazia exceções para produtos certificados, como os que já seguem normas locais de branqueamento e pasteurização. Além desses pratos, a lista de restrições incluía maionese caseira, ostras cruas, carnes malpassadas, molhos caseiros e sucos de fruta in natura (permitidas apenas polpas processadas). O descumprimento dessas exigências poderia resultar na substituição de itens dos cardápios dos estabelecimentos.
O documento previa ainda a instalação de 87 estabelecimentos oficiais, distribuídos em seis categorias de cardápio, e trazia como novidade a exigência de que ao menos 30% dos insumos utilizados fossem de origem local ou da agricultura familiar, com incentivo para ampliar esse percentual.
A decisão provocou forte reação pública e política. Em entrevista ao Amazônia Vox, a Joanna Martins, diretora do Instituto Paulo Martins, entidade que atua na promoção e valorização da gastronomia amazônica, disse que o edital revela preconceito e desconhecimento. “Estou totalmente chocada com essa informação. Ela é de uma ignorância, estupidez e preconceito cultural indescritíveis. Todos estes produtos locais que estão proibindo são regulados e têm diversos produtores certificados que seguem regras sanitárias que garantem a segurança do produto”, afirmou.
O Pará responde por mais de 93% do açaí produzido no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O fruto faz parte do cotidiano alimentar dos paraenses e é distribuído para o Brasil e o mundo, seguindo normas de segurança já padronizadas. A produção e comercialização do tucupi, um dos ingredientes mais usados na culinária local, é acompanhada pela Agência de Defesa Agropecuária do Pará (Adepará), que certificou ao menos dez fábricas responsáveis por cerca de 200 mil litros anuais.
Pratos como a maniçoba refletem a herança da cultura indígena. Feita a partir das folhas da mandioca trituradas (maniva), a receita exige longas horas de cozimento para eliminar o ácido cianídrico. Essas receitas — entre elas caruru, chibé e moqueca — ajudaram a consolidar o reconhecimento internacional da capital paraense, que desde 2015 detém o título de Cidade Criativa da Gastronomia, concedido pela Unesco.
Ainda segundo o Amazônia Vox, o açaí esteve presente e teve destaque na COP28, realizada em 2023, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. No site oficial do evento, entre os mais de 70 pontos de venda listados para alimentação dos participantes, ao menos dois ofereciam o produto: o “Açaí Berry” e o “The Açaí Spot”.
O veto gerou reação de entidades ligadas à gastronomia e à produção amazônica, que divulgaram uma nota conjunta de repúdio. O documento, assinado por instituições como Abrasel, Fiepa, Sebrae, Fecomércio-PA, Slow Food Brasil e Instituto Regenera, critica a exclusão dos pratos e afirma que a decisão representa desconhecimento e preconceito cultural em relação à região amazônica.
Segundo o texto, “nossa indignação decorre da proibição de alguns produtos típicos e expressivos da culinária e cultura gastronômica paraense, conhecidos mundialmente, como o açaí, o tucupi e a maniçoba, caracterizando completo desconhecimento e preconceito cultural com a região amazônica”.
As entidades argumentam que esses produtos têm origem natural, são consumidos diariamente por milhões de pessoas no Brasil e no mundo e contam com mecanismos oficiais de controle sanitário. Também destacam que há dezenas de fornecedores locais certificados que já exportam esses itens para mercados internacionais. A nota ainda lembra que a exclusão contraria princípios contidos na Carta das Nações Unidas, que prevê a promoção do progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla.
O ministro do Turismo, Celso Sabino, classificou a medida como um “erro grave” e defendeu a presença da gastronomia regional na COP30. Ele anunciou que o edital seria revisto para corrigir o que chamou de distorções.
Em nota à imprensa, o ministério informou que Sabino entrou em contato com a OEI e com o secretário-geral da COP, Valter Corrêa, garantindo a republicação do edital com as regras para a seleção de operadores de restaurantes e quiosques. “O Ministério do Turismo destaca que Belém é reconhecida como Cidade Criativa da Gastronomia pela Unesco e este ano recebeu o prêmio da publicação Lonely Planet — maior editora de guias de viagem do mundo — como única cidade brasileira entre as dez melhores gastronomias do mundo”, diz o comunicado.
Nas redes sociais, o ministro também comentou o episódio. Ele afirmou que a reação pública foi justificada e que atuou como interlocutor junto aos organizadores. “Pecou, cometeu um grave erro impedindo principais produtos da gastronomia paraense. Entramos em contato neste sábado e os organizadores. Já conseguimos que será republicado e a COP da floresta será também a COP da gastronomia paraense”, escreveu.
A OEI publicou neste sábado, 16, a Errata III, excluindo o anexo do edital original, onde constava a lista de "itens proibidos e a evitar". A decisão foi confirmada em nota no site oficial da COP30, que afirmou: “A culinária paraense será incorporada e o detalhamento da oferta de alimentos no evento será realizado após a seleção dos fornecedores”.
Com a errata, a lista foi toda excluída. O documento, no entanto, faz uma alteração em um dos itens do termo de referência. Originalmente, o item 4.4.4 afirmava "Eventual necessidade de adequação do cardápio, em especial, a retirada de itens proibidos, conforme disposto no Anexo III, devem ser obrigatoriamente acatados pelas operadoras", mencionando, assim, a lista de itens proibidos.
Com a errata, este item ficou com a seguinte redação: "Eventual necessidade de adequação do cardápio, em especial, a retirada de produtos alimentícios indicados pelas legislações e/ou regulações de vigilância sanitária e/ou segurança alimentar nacionais, devem ser obrigatoriamente acatados pelas operadoras".
A menção, desta forma, deixa mais aberta a apresentação de cardápio, informando que vai exigir acompanhamento e apresentação de conformidades e selos de qualidade dos produtos.
Outra mudança foi a substituição da expressão “evitar o uso de carne vermelha” por “incentivar a redução gradual do consumo de produtos de origem animal”.
Com a errata, a utilização dos pratos típicos segue autorizada apenas em condições específicas. A definição final do cardápio da COP30 será feita após a escolha dos fornecedores, mas a pressão de entidades locais e a posição do governo federal indicam que a presença da gastronomia amazônica será um dos pontos de atenção da organização até novembro.
*Com informações do Amazônia Vox