Um dado preocupante que cresceu na comparação entre 2023 e 2024 foi o de suicídios de indígenas (Divulgação/Divulgação)
Agência de notícias
Publicado em 28 de julho de 2025 às 17h02.
Última atualização em 28 de julho de 2025 às 17h16.
Um tiro no peito matou a líder indígena Maria de Fátima Muniz, conhecida como Nega Pataxó Hã-Hã-Hãe, durante um ataque de fazendeiros na região de Potiraguá, no sul da Bahia, em janeiro de 2024. O episódio marcou o início de um ano em que mais de 211 indígenas foram assassinados e processos de demarcação travaram sob a vigência da nova Lei do Marco Temporal. Os dados foram apresentados no relatório Violência contra povos indígenas no Brasil, divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) nesta segunda-feira.
No total, os casos de "violência contra a pessoa" — que abrange assassinatos, homicídios culposos, abuso de poder, ameaças, lesões corporais, racismo, tentativa de assassinato e violência sexual contra povos originários — aumentaram de 411 para 424, um crescimento de 3,1%. Segundo o Cimi, a lei "fragilizou os direitos territoriais das comunidades indígenas, gerando insegurança e fomentando conflitos e ataques em todas as regiões do país".
O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), consultado pelo Cimi via Lei de Acesso à Informação (LAI), diz que o Marco Temporal tem aplicação geral, ou seja, afeta todos os processos de demarcação, mas ainda está analisando caso a caso. O órgão afirma que nenhum processo de demarcação está suspenso em sua esfera, apesar da vigência da nova lei.
Os estados que registraram mais assassinatos de indígenas em 2024 foram Roraima (57 assassinatos), Mato Grosso do Sul (33 assassinatos), Amazonas (45 assassinatos), Bahia (23 assassinatos), Rio Grande do Sul (sete assassinatos) e Maranhão (seis assassinatos).
— Há uma sensação de desumanização relacionada aos povos indígenas. A violência contra eles é sistêmica e generalizada. Seus territórios são atingidos pelo garimpo, por madeireiras e incêndios criminosos. E muito disso se dá por omissão do poder público — afirmou Roberto Liebgott, um dos organizadores do relatório.
Um dado preocupante que cresceu na comparação entre 2023 e 2024 foi o de suicídios de indígenas. De acordo com o relatório, 208 suicídios ocorreram no ano passado, enquanto 180 foram registrados um ano antes, um aumento de 15,5%. Em relação à faixa-etária, os registros se concentram entre indígenas de até 19 anos, com 67 casos, e entre 20 e 29, com 78, uma tendência nos últimos anos.
— Isso (aumento do suicídio) tem a ver com a falta de perspectiva. Os jovens são afetados pelo aumento da violência, do racismo e também da urbanização, que chega muito fortemente nos territórios e afetam o modo de ser e de ver desses povos — avalia Liebgott.
Um dos embates mais intensos envolvendo os direitos indígenas nos últimos anos gira em torno da tese do marco temporal, incorporada à lei 14.701/2023. O dispositivo estabelece que apenas terras ocupadas por povos originários até 5 de outubro de 1988 — data da promulgação da Constituição — podem ser reconhecidas como território tradicional.
Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha considerado a tese inconstitucional em setembro de 2023, a reação legislativa foi rápida: apenas cinco dias após a decisão da Corte, o Senado aprovou o projeto de lei que instituiu o marco temporal. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou a proposta, mas o veto foi derrubado pelo Congresso Nacional em votação expressiva — 321 deputados e 53 senadores se posicionaram pela rejeição da decisão do Executivo.
Na avaliação do Cimi, isso representou uma “ofensiva do Congresso contra os direitos indígenas”, com reflexos diretos no aumento da violência e das tensões. Dados do relatório anual mostram que, das terras e territórios indígenas que registraram conflitos por disputa territorial em 2024, cerca de dois terços (78) ainda não estão regularizados — concentrando 101 dos 154 casos notificados.
Mesmo áreas já reconhecidas formalmente também foram alvo: 61% dos episódios de invasões, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio ocorreram em terras regularizadas, reservadas ou dominiais.
"Como consequência, as demarcações avançaram em ritmo lento e terras indígenas, inclusive já regularizadas, registraram invasões e pressão de grileiros, fazendeiros, caçadores, madeireiros e garimpeiros – entre outros invasores, que se sentiram incentivados pelo contexto de desconfiguração de direitos territoriais. Os números de assassinatos e de suicídios de indígenas mantiveram-se elevados, assim como os casos de desassistência e omissão a povos e comunidades", diz o documento.
Além disso, o documento aponta que os efeitos da crise climática agravaram ainda mais a situação dos povos indígenas em 2024. As enchentes no Rio Grande do Sul, por exemplo, impactaram comunidades já marcadas pela vulnerabilidade e pela ausência de regularização fundiária, muitas delas vivendo em acampamentos improvisados às margens de rodovias.
Já nas regiões Norte e Centro-Oeste, a escassez de estrutura e efetivo estatal para fiscalização e proteção das terras indígenas dificultou a resposta a queimadas de grandes proporções que atingiram os biomas Pantanal, Cerrado e Amazônia.
A violência patrimonial teve queda de 2,7% em relação a 2023, embora ainda totalize 1.241 casos. A seção reúne três tipos de violação: omissão e morosidade na regularização fundiária, com 857 terras indígenas ainda pendentes de providências; conflitos por direitos territoriais, com 154 registros em 114 terras espalhadas por 19 estados e invasões, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio, somando 230 casos em 159 terras indígenas, em 21 estados.
Na Bahia, estado que registrou um aumento no número de indígenas mortos por violência de 2023 para 2024, um grande grupo de fazendeiros armados atacou uma retomada dos povos Pataxó Hã-Hã-Hãe e Pataxó em Potiraguá, no sul da Bahia, com tiros e agressões. Além da liderança Maria Fátima Muniz de Andrade, conhecida como Nega Pataxó Hã-Hã-Hãe, morta a tiros, diversos indígenas foram feridos e outros três baleados no conflito. Dois fazendeiros foram presos em flagrante.