O Brasil tem tudo para alavancar o desenvolvimento da economia azul (Mbbirdy/Getty Images)
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Publicado em 15 de maio de 2025 às 13h00.
Última atualização em 15 de maio de 2025 às 14h14.
Por Sylvia Alquéres e Flavio Andrade*
Durante séculos, o Brasil foi frequentemente criticado por concentrar sua ocupação nas áreas litorâneas, deixando grande parte do interior inexplorado. Nos últimos 150 anos, a expansão da agricultura e da mineração mudou esse cenário, impulsionando o desenvolvimento para o interior do país.
Hoje, é chegada a hora de voltarmos o olhar para a costa e o oceano, reconhecendo neles a próxima fronteira estratégica do desenvolvimento nacional. Em termos clássicos, é o momento de iniciarmos “o ciclo da economia azul” — uma nova etapa em que o oceano assume papel central na geração de riqueza, inovação e sustentabilidade para o Brasil. As evidências científicas sobre o aquecimento global se tornaram inquestionáveis nos últimos anos. As atividades humanas, especialmente o aumento das emissões de carbono, são as principais responsáveis pelas mudanças climáticas. Com dias cada vez mais quentes, o corte nessas emissões deve ser a prioridade global. Além de reduzir emissões, é fundamental sequestrar o carbono já emitido.
Nas discussões sobre mitigação climática, o reflorestamento e as tecnologias de captura de carbono em terra têm recebido grande destaque, mas há um poderoso aliado que permanece subaproveitado: o oceano. O oceano já absorve aproximadamente 30% das emissões globais de CO₂, mas ele ainda possui um potencial extraordinário, com uma área 2,5 vezes maior e capacidade de absorver 19 vezes mais carbono que áreas terrestres.
A contribuição de novas ações baseadas no oceano pode alcançar uma redução adicional de até 40% deste gap entre emissão e sequestro de carbono. Essas ações podem ser divididas em cinco frentes principais:
Projetos nessas frentes não apenas ajudariam a combater o aquecimento global e mitigariam a acidificação dos oceanos – um dos maiores desafios enfrentados pelos ambientes marinhos, que ameaça a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos essenciais – mas também proporcionariam novos empregos e impulsionariam a economia do mar sustentável, também conhecida como economia azul, trazendo benefícios ambientais e econômicos.
Para se ter uma ideia do potencial da economia azul, o oceano produziu, em 2015, cerca de US$ 2,5 trilhões em bens e serviços globais. Estimativas preveem que as indústrias oceânicas poderão gerar US$ 3 trilhões adicionais em receitas anuais até 2030. Só no Rio de Janeiro, a economia azul já movimenta cerca de R$ 40 bilhões por ano, e programas de governo como o BNDES Azul, o Porto Maravalley, o Blue Rio e o Guanabara Azul, entre outros, prometem impulsionar ainda mais iniciativas azuis. O HLP (High Level Panel for a Sustainable Ocean Economy) estima que cada dólar investido na economia azul gerará pelo menos cinco dólares de retorno, mostrando que investir em soluções sustentáveis nos oceanos não é apenas uma necessidade ambiental, mas também uma oportunidade econômica lucrativa.
Paradoxalmente, apesar do crescente interesse de investidores em oportunidades relacionadas ao oceano, este continua sendo um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas que recebe menos investimentos, especialmente do ponto de vista do capital privado. Quase um terço dos asset managers sequer considera a economia azul em seus investimentos atuais, o que evidencia a necessidade urgente de conscientizar os investidores sobre a importância de garantir um oceano saudável, considerados os riscos associados à manutenção do modelo de negócios atual, tanto para as empresas quanto para a sociedade.
As principais barreiras enfrentadas pelos investidores incluem o pouco conhecimento sobre o tema e a falta de projetos com nível de maturidade adequado para investimento. A economia azul pode avançar significativamente com mais pesquisa aplicada, com o estabelecimento de plataformas de precificação e marketplaces confiáveis para créditos de carbono e serviços ambientais marinhos, promoção de Parcerias Público-Privadas e utilização de abordagens financeiras inovadoras, como o financiamento híbrido (blended finance). Da parte do poder público, a adequação da legislação e disposições das agências reguladoras (portarias, instruções normativas, procedimentos fiscalizatórios) devem incentivar esse processo retirando eventuais obstáculos presentes em vários instrumentos legais.
O Brasil, com sua extensa costa e rica biodiversidade marinha, tem uma sólida experiência na indústria marítima e na exploração de petróleo offshore, o que representa um diferencial importante e uma base de conhecimento técnico valiosa para alavancar o desenvolvimento da economia azul. A integração do oceano como aliado no combate às mudanças climáticas, mais do que as oportunidades econômicas que traz, é uma necessidade incontornável para que se possa atingir um futuro mais próspero, sustentável e justo para as próximas gerações.
*Sylvia Alquéres é especialista em Desenvolvimento e Parcerias Estratégicas para Negócios Azuis da OceanPact e Flavio Andrade é fundador e CEO da OceanPact.
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