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Como identificar o burnout silencioso e garantir a saúde mental dos colaboradores

 Burnout silencioso pode ser difícil de identificar e altamente prejudicial

Ao manter o desempenho externo enquanto o sofrimento interno se aprofunda

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Publicado em 23 de julho de 2025 às 10h00.

Por Valéria Oliveira* 

Imagine um colaborador que chega no horário, participa de reuniões, cumpre prazos, entrega resultados. Ele diz “tudo bem” ao ser perguntado, sorri em interações breves, e, de fora, parece estar dando conta de tudo. Mas, por dentro, sente-se exausto, sem propósito, emocionalmente ausente. Vai trabalhar, mas não está mais lá.  

Essa é a realidade de milhares de profissionais afetados pelo burnout silencioso, uma forma crônica de esgotamento emocional que se instala lentamente, sem grandes rupturas visíveis, mas com efeitos profundos sobre a saúde e a performance. 

Diferente da síndrome de burnout “clássica”, que leva a afastamentos, crises emocionais ou colapsos físicos, o burnout silencioso opera em modo furtivo. Os sinais são sutis: apatia crescente, irritabilidade, insônia, dores constantes, distanciamento emocional. A produtividade ainda existe, mas sem entusiasmo, sem brilho, sem vitalidade e o mais perigoso: o colaborador não grita por socorro, ele silencia até que adoece. 

Um levantamento feito pela Indeed, site de empregos disponível em mais de 60 países, aponta que quase 60% dos colaboradores se sentem estressados na maior parte do tempo, sendo que boa parte segue atuando sem buscar apoio ou comunicar suas dificuldades. Esse dado ganha contornos ainda mais alarmantes em áreas de alta pressão, como atendimento ao cliente, cobrança e operações contínuas. Nestes setores, a exigência por agilidade, empatia e resultados é diária e contínua. 

Ao manter o desempenho externo enquanto o sofrimento interno se aprofunda, o profissional se torna uma bomba-relógio silenciosa. Para o corpo, isso pode significar o desenvolvimento de transtornos ansiosos, depressivos, doenças autoimunes ou cardiovasculares. Para a empresa, isso se traduz em aumento de erros, afastamentos, absenteísmo emocional (o famoso “presente, mas ausente”) e, inevitavelmente, perda de valor humano e financeiro. 

O burnout silencioso é, portanto, um problema de saúde pública e de gestão estratégica. Não reconhecer isso é insistir em um modelo de trabalho que premia a hiperdisponibilidade e a sobrecarga como virtudes. É perpetuar uma cultura de medo e invisibilidade emocional que sabota o próprio futuro da organização. 

O que as empresas devem (urgentemente) fazer?

Reconhecer o burnout silencioso como uma questão prioritária exige mais do que boa vontade ou campanhas sazonais sobre saúde mental. 

Exige uma transformação estrutural, estratégica e cultural. Isso porque o esgotamento crônico não é fruto apenas da carga de trabalho excessiva, mas de ambientes organizacionais que naturalizam a pressa, banalizam o sofrimento e negligenciam o fator humano em nome da entrega constante.  

O combate ao burnout silencioso começa quando a organização decide, de forma deliberada, colocar o bem-estar emocional no centro da sua governança. Não como uma pauta do RH, mas como um princípio que atravessa todas as decisões da forma como se lidera à maneira como se mede o sucesso. 

Implantar um diagnóstico emocional contínuo e inteligente

Uma empresa que deseja cuidar verdadeiramente de seus colaboradores precisa enxergar a saúde mental como uma variável viva, que exige monitoramento constante, não pontual. Isso significa ir além de pesquisas de clima tradicionais, criando mecanismos contínuos de escuta ativa e análise qualitativa.  

Ferramentas de people analytics emocional, rodas de conversa, comitês de acolhimento, e canais seguros para desabafos precisam compor um ecossistema de vigilância saudável. Assim como se mede churn, NPS ou performance financeira, é necessário medir o nível de exaustão, de desconexão subjetiva, de cansaço que não se traduz em palavras. Uma empresa que não enxerga o que os colaboradores sentem está fadada a apagar incêndios em vez de prevenir que eles comecem. 

Redesenhar a liderança como promotora de saúde psicológica

O burnout silencioso prospera em ambientes onde lideranças ignoram ou desprezam os sinais de sofrimento emocional. Em muitos casos, os gestores são os vetores da cultura da hipereficácia, da exigência sem limite, do elogio à insônia e do desprezo à vulnerabilidade. 

Líderes não podem ser apenas cobradores de metas. Precisam ser facilitadores do equilíbrio, modelos de autocuidado e escutadores conscientes. Isso exige capacitação em inteligência emocional, empatia organizacional, comunicação não violenta e leitura de sinais de esgotamento. Uma liderança que sabe acolher, sinalizar apoio e adaptar exigências humanas é, hoje, um dos maiores escudos contra o burnout estrutural.

Reescrever a cultura do tempo e das pausas

Não há saúde emocional onde há culto permanente à urgência. A cultura corporativa ainda celebra quem está sempre online, responde fora do horário, sacrifica férias e diz sim a tudo. Isso não é comprometimento, é um caminho direto para o colapso. 

Empresas que enfrentam o burnout silencioso com coragem sabem que a qualidade da entrega importa mais do que o tempo de conexão.

Promover pausas reais, normalizar a desconexão digital, respeitar horários e incentivar micro-recuperações durante o expediente são práticas fundamentais. Não se trata de oferecer café e massagem na semana da saúde mental, mas de revisar o contrato psicológico entre colaborador e empresa: trabalhar bem não pode significar viver mal. 

Oferecer apoio psicológico real e não simbólico

Não basta dizer que saúde mental é importante. É preciso garantir acesso concreto, contínuo e sigiloso a cuidados psicológicos. 

Isso inclui psicoterapia subsidiada, programas estruturados de apoio emocional, plataformas de acolhimento digital, parcerias com especialistas, além de sensibilização constante para reduzir o estigma de buscar ajuda. cuidados são mais criativos, engajados e resilientes. É um investimento com retorno mensurável. 

Redefinir as métricas de sucesso e a narrativa de performance

Por fim, talvez a mudança mais profunda seja esta: repensar o que a empresa valoriza e como ela define sucesso. Enquanto os indicadores de alta performance continuarem ancorados exclusivamente em produtividade e metas batidas, a cultura continuará pressionando os indivíduos até a exaustão silenciosa.  

É urgente incluir métricas de sustentabilidade emocional, engajamento saudável, equilíbrio entre vida pessoal e profissional e qualidade dos relacionamentos internos. Empresas maduras percebem que resultados de longo prazo só se mantêm quando os colaboradores se sentem vistos, respeitados e inteiros. E isso passa por uma mudança na narrativa: sair da lógica do “dar conta de tudo” e entrar na era do “crescer com saúde”. 

* Valéria Oliveira é especialista em desenvolvimento de líderes e gestão da cultura

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