Interior do dispositivo Quantum System One da IBM. (IBM/Divulgação)
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Publicado em 12 de setembro de 2025 às 10h00.
Por Pepe Cafferata*
A tecnologia quântica, considerada a próxima grande fronteira da computação, começa a deixar os laboratórios e se aproximar do mundo real dos negócios. Hoje avaliado em US$ 1 bilhão por ano, esse mercado pode alcançar quase US$ 100 bilhões até 2035, segundo a 4ª edição do Quantum Technology Monitor, da McKinsey.
Nos próximos cinco anos, soluções baseadas em tecnologia quântica deverão impactar indústrias como a química, farmacêutica e de serviços financeiros, além de acelerar de forma decisiva o desenvolvimento da inteligência artificial. Não por acaso, 2025 foi declarado pela ONU o Ano Internacional da Ciência e Tecnologia Quânticas, em celebração ao centenário do artigo de Werner Heisenberg que inaugura a mecânica quântica moderna.
A teoria quântica é complexa, mas seu impacto potencial é simples de entender: uma revolução no processamento de dados. Computadores quânticos, baseados em qubits – que podem assumir simultaneamente os estados 0 e 1, ou seja, representar ao mesmo tempo as duas condições básicas da linguagem computacional clássica (zero como “desligado” e um como “ligado”) –, têm a capacidade de resolver problemas estatísticos intratáveis para os computadores atuais.
O exemplo mais marcante veio no final de 2024: o Willow, chip quântico da Google, realizou em menos de cinco minutos um cálculo que os supercomputadores atuais levariam 10 septilhões de anos (10^25) para completar. Amazon, IBM e Microsoft também anunciaram avanços relevantes em seus testes. Os qubits ainda são frágeis, mas o progresso em técnicas de correção de erros indica que estamos em um verdadeiro ponto de virada da indústria.
Esse dinamismo também se reflete nos investimentos: em 2024, startups quânticas receberam quase US$ 2 bilhões globalmente, um aumento de 50% em relação ao ano anterior. No Brasil, começam a surgir movimentos relevantes, como o anúncio dos primeiros laboratórios de tecnologias quânticas, fruto da colaboração entre setor público, empresas privadas e instituições de pesquisa e ensino. Trata-se de um campo que demanda esse tipo de esforço conjunto, dado o alto volume de investimentos e a necessidade crítica de formar talentos especializados para acelerar seu avanço.
Considerando o ritmo do mercado, provavelmente ainda levaremos mais de uma década para ver a tecnologia quântica com impactos diretos nos negócios e na vida cotidiana. Neste momento, é possível vislumbrar que casos de uso futuros envolverão a descoberta de medicamentos, utilizando simulações quânticas para modelar moléculas e reações químicas, e avanços na indústria automotiva, prevendo com mais eficiência a duração das baterias.
Entre os setores de maior potencial, destacam-se:
A capacidade quântica poderá redefinir a escala e a velocidade do treinamento dos modelos de IA, ampliando a eficiência e a capacidade de memória.
Softwares mais otimizados e redes seguras permitirão desde carros autônomos que tomam decisões em frações de segundo até cirurgias robóticas com maior precisão sensorial.
Algoritmos quânticos poderão ser usados para aumentar a precisão na detecção de fraudes, acelerar simulações complexas de risco de crédito e otimizar carteiras de investimento em tempo real.
A descoberta de materiais, as simulações climáticas mais detalhadas e os processos produtivos otimizados podem acelerar a transição para uma economia de baixo carbono.
Simulações avançadas poderão prever safras com base em múltiplos cenários climáticos, otimizar o uso de insumos e auxiliar na criação de sementes mais resistentes por meio da modelagem molecular.
Há, porém, uma ameaça significativa: computadores quânticos poderão quebrar os sistemas atuais de criptografia. O risco é tão concreto que já recebeu um nome: Q-Day, o dia em que informações sensíveis poderão ser expostas pela tecnologia quântica.
Entre os dados em maior risco estão registros de inteligência e segurança nacional; dados biométricos para identificação; registros sociais e de saúde; propriedade intelectual de organizações; e dados de contratos e financeiros. A comunicação quântica desponta como resposta, oferecendo transferência segura de informações em escala. Hoje, governos lideram essa adoção, mas o setor privado avança rapidamente – e estima-se que, até 2035, telecomunicações responderão por 16% dos gastos com essas soluções.
Seja por visão estratégica ou por necessidade de proteção, é hora de líderes empresariais incluírem a tecnologia quântica em sua agenda. Mais do que acompanhar tendências, é uma questão de antecipar oportunidades e ameaças de um mercado que pode reconfigurar setores inteiros.
A tecnologia quântica não é mais uma hipótese distante. É uma realidade em formação – e aqueles que começarem a se preparar desde já terão melhores condições de capturar valor e mitigar riscos quando a revolução deixar de ser promessa.
*Pepe Cafferata é sócio sênior da McKinsey em São Paulo e líder do McKinsey Business Building na América Latina.