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É o fim do Venture Capital? Com Web3, pode ser que sim

A tokenização está transformando o investimento em startups, trazendo liquidez, transparência e um novo alinhamento de incentivos entre fundadores e investidores.

A tokenização no contexto de Venture Capital não é apenas uma inovação incremental, mas uma mudança de paradigma (Maskot/Getty Images)

A tokenização no contexto de Venture Capital não é apenas uma inovação incremental, mas uma mudança de paradigma (Maskot/Getty Images)

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Publicado em 13 de maio de 2025 às 13h00.

Por Guilherme Matarazzo*

“Você nunca muda as coisas lutando contra a realidade existente. Para mudar algo, construa um novo modelo que torne o modelo atual obsoleto.”  Buckminster Fuller

Desde a Revolução Industrial, a inovação tecnológica tem sido a grande propulsora do crescimento econômico. Ela não apenas otimiza processos e reduz custos, mas também aprimora produtos e abre novos mercados. A Inteligência Artificial é um exemplo recente desse fenômeno: em apenas dois anos cresceu 140%, formando um mercado de US$ 244 bilhões em 2025, segundo a empresa de estatística alemã Statista.

Investir em tecnologia sempre foi um excelente negócio e, no centro desse ecossistema, estão os fundos de Venture Capital (VC), grandes financiadores da transformação de startups em gigantes da tecnologia, muitas das quais compõem hoje o Nasdaq 100, índice que reflete o desempenho das 100 maiores tech-companies do mundo.

O Modelo de Venture Capital e suas Limitações

No modelo tradicional de VC, investidores aportam capital em fundos, que selecionam startups em troca de participação acionária, esperando anos por um retorno potencial. Apesar de seu histórico de sucesso, esse modelo tem mostrado sinais de desgaste e ineficiência tanto para investidores quanto para os fundadores das startups.

Ineficiente para os investidores, que têm seu capital imobilizado por 10 a 15 anos e arcam com taxas de 2% de administração e 20% sobre os lucros, para obter um retorno que segue a lógica de Pareto, segundo a qual 80% das startups fracassam ou geram ganhos insignificantes, enquanto os 20% restantes precisam compensar essas perdas, pagar os custos de administração do fundo e também gerar o lucro para seus cotistas. Além disso, a crescente oferta por capital de risco produz valuations inflacionados, reduzindo o potencial dos múltiplos de saída. No fim das contas, o VC pode gerar retornos impressionantes, mas apenas para um pequeno grupo de investidores que conseguem acessar os melhores gestores, que encontram as melhores startups. Para a maioria, esse modelo representa uma aposta de longo prazo com altos custos e incertezas.

E ineficiente para os fundadores, que cedem participações expressivas, perdem controle sobre o negócio e ainda são obrigados a oferecer preferência no evento de liquidez. Não é raro que, após sucessivas diluições, restem com menos de 10% da empresa que criaram. Embora o capital venha acompanhado da promessa de conexões estratégicas e mentoria, na prática, o que predomina é uma rígida supervisão financeira e uma pressão por crescimento acelerado. Essa dinâmica frequentemente leva a decisões arriscadas, como expansões precipitadas ou queima excessiva de caixa (cash burn), comprometendo a sustentabilidade do negócio. No fim das contas, o modelo de VC é um jogo de raros vencedores, em que poucas startups do portfólio alcançam retornos expressivos, enquanto as demais são descartadas depois de exaurir os recursos dos investidores do negócio.

Dados recentes da Cambridge Associates, uma das principais empresas globais de consultoria e gestão de investimentos mostram que os retornos de fundos de Venture Capital dos EUA acumulam queda de -2,7% nos últimos 3 anos, enquanto o Nasdaq valorizou +8,5% no mesmo período. Além da performance inferior, o modelo também se mostra disfuncional do ponto de vista de liquidez: os Limited Partners (LPs) aportaram US$ 20,4 bilhões e receberam de volta apenas US$ 11,4 bilhões no semestre, consolidando uma tendência de resgates inferiores aos aportes nos 9 dos últimos 10 trimestres. Sem um mercado de IPOs aquecido e diante da escassez de M&As, os fundos ficam presos em ativos ilíquidos e dependentes de eventos de saída incertos. Os fundos de VC costumam alegar que sua baixa liquidez e risco elevado são compensados por retornos superiores, mas esses dados mostram que perdem com folga para os mercados públicos, sem a liquidez que estes oferecem.

Fonte: Cambridge Associates. (Cambridge Associates )

O Venture Capital Precisa Evoluir e se Adaptar

A alocação de capital de risco tornou-se um exercício cada vez mais complexo, sujeito a variáveis incontroláveis como a assertividade do product-market fit, a competência dos fundadores, regulação, macroeconomia, janelas para IPOs, crises financeiras e conflitos geopolíticos. Em um contexto tão incerto, o modelo tradicional se torna refém da estratégia "Spray and Pray", que pulveriza os investimentos em muitas startups na esperança que algumas delas tenham sucesso.

Surge, portanto, a necessidade de um modelo mais adaptável, que ofereça maior liquidez e flexibilidade. A chave está no acesso a mercados secundários, que viabilizem uma gestão ativa de portfólio, permitindo ajustes dinâmicos em resposta às mudanças nos projetos investidos e no cenário macroeconômico.
Web3 VC – Tokenização e Mercado Secundário

A Web3 mudou a forma como startups de tecnologia são financiadas, com a criação de um mercado secundário tokenizado. Em vez de depender exclusivamente do equity, agora os Web3 VCs podem adquirir tokens que representem a sua participação nas startups.

O token é a digitalização de um ativo, que concede acesso a uma fração do capital circulante da startup. Dependendo da estrutura de seu tokenomics, ele pode oferecer participação na receita, direitos de governança e utilidades específicas no projeto. Trata-se, essencialmente, de uma ação digital programável, regida por regras imutáveis definidas por contratos inteligentes.

A tokenização permite que startups captem recursos de forma descentralizada, acessando uma base global de investidores. Os VCs, por sua vez, ganham a possibilidade de entrar e sair de posições com facilidade através de CEXs (Centralized Exchange) e DEXs (Decentralized Exchange).

Essa capacidade de rotacionar a carteira no mercado secundário representa um ganho de eficiência, permitindo que investidores ajustem suas posições com agilidade e fundadores mantenham maior controle sobre a evolução do projeto. O resultado é um modelo de Venture Capital mais dinâmico, responsivo e alinhado às demandas do mercado contemporâneo.

Para os investidores:

  •         Ciclos mais curtos: fundos Web3 duram em média 2 a 5 anos.
  •         Liquidez: tokens negociáveis 24/7 globalmente.
  •         Flexibilidade: rotação rápida da carteira diante de mudanças nos fundamentos.

Para os fundadores:

  •         Captação descentralizada: via ICOs (Initial Coin Offering) e IDOs (Initial DEX Offering).
  •         Controle de diluição: definem previamente a distribuição dos tokens.
  •         Governança participativa: poder de decisão distribuído entre os token holders.

 

Alinhamento de Incentivos entre Investidores, Fundadores, Colaboradores e Usuários

Um dos impactos mais revolucionários da tokenização é o alinhamento de incentivos entre todos os atores do ecossistema – não apenas investidores e fundadores, mas também os usuários, colaboradores e membros da comunidade de um projeto. No modelo tradicional, esses grupos perseguiam objetivos diferentes: investidores buscavam retornos financeiros e uma saída lucrativa; fundadores priorizavam o crescimento do negócio e a manutenção do controle; enquanto usuários desejavam um produto de qualidade, porém sem participar dos ganhos financeiros. Com tokens, essas fronteiras se dissolvem. Todos passam a ser stakeholders no mesmo ecossistema digital e a compartilhar do sucesso coletivo do projeto.

Assim, se o negócio prospera, todos os envolvidos são recompensados: o investidor vê seu portfólio se valorizar e pode rotacionar a carteira com flexibilidade; o fundador mantém o controle estratégico da empresa, sem a pressão de uma diluição desordenada; os colaboradores não precisam mais esperar por um evento de liquidez para realizar o valor de suas stock-options; e os usuários se beneficiam com a valorização do ecossistema. Caso o projeto esteja estruturado como uma DAO (Organização Autônoma Descentralizada), os stakeholders ainda podem participar da governança, de forma proporcional à sua exposição.

Em síntese, a tokenização coloca todos “no mesmo barco”, criando um ciclo virtuoso de cooperação. Esse alinhamento de interesses, em que cada stakeholder tem “pele no jogo” tende a elevar o comprometimento e a probabilidade de sucesso do projeto.

Liquidez do Mercado Tradicional vs Mercado de Ativos Digitais

Nos últimos cinco anos, a liquidez do mercado tokenizado teve um crescimento surpreendente: o volume negociado saiu de US$ 22 trilhões, em 2019, para US$ 76 trilhões, em 2023, representando uma alta de 245%​. Esse avanço contrasta com os mercados tradicionais: o volume anual da B3 em 2023 foi de US$ 0,9 tri, e o das bolsas dos EUA (Nasdaq e NYSE), de US$ 40 tri. Em síntese, o mercado de ativos digitais alcançou uma escala de liquidez muito superior às maiores bolsas do mundo, criando um mercado global de liquidez 24/7, evidenciando o ganho de escala e eficiência do ecossistema Web3.

Fonte: B3​, Banco Mundial e CoinCodex.

Pioneiros do Movimento

Grandes fundos de Venture Capital internacionais reconheceram essa tendência e se adaptaram, seja como nativos da Web3 ou criando unidades especializadas no setor. Desde 2014, mais de US$ 108 bilhões foram investidos em projetos de Web3.

Dois expoentes desse novo modelo são a A16z Crypto com US$ 7,6 bilhões dedicados exclusivamente a Web3 e o Pantera Capital, fundo pioneiro de ativos digitais com US$ 5 bilhões sob gestão em projetos de blockchain. 

Modelo novo e em Amadurecimento

Os fundos de Web3 VC são uma nova forma de fomentar e lucrar com startups de tecnologia, mas que ainda tem muito a amadurecer e evoluir, uma vez que enfrenta riscos da volatilidade, liquidez, segurança e governança. Contudo, com o avanço das regulamentações e a consolidação de boas práticas, acreditamos que este modelo tem potencial para superar o Venture Capital tradicional em escala global.

Em síntese, a tokenização no contexto de Venture Capital não é apenas uma inovação incremental, mas uma mudança de paradigma. Ela redefine as relações entre capital, trabalho e consumo, unindo investidores, empreendedores e usuários em um mesmo círculo virtuoso de valor. Esse modelo tokenizado de VC inaugura uma era de portfólios mais fluidos, liquidez contínua, incentivos alinhados e participação ampla – um contraste marcante com o exclusivismo e a rigidez do passado. 

Tupix Capital

Nós, da Tupix Capital, introduzimos o modelo de Venture Capital Web3 no Brasil. Fundamos a empresa em 2021, reunindo três empreendedores de tecnologia e um advogado especialista em governança e compliance. Atuamos como consultores do primeiro fundo nacional focado em startups que utilizam blockchain.

Desde nossa criação, já analisamos mais de 200 projetos e recomendamos 14 deles para investimento. Nosso fundo, o Tupiniquim I, é um Fundo de Investimento em Participações (FIP) Multiestratégia, regulado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), voltado exclusivamente para investidores profissionais.

Nossa missão é fomentar o ecossistema Web3 na América Latina, promovendo inovação e desenvolvimento tecnológico em toda a região.

 *Guilherme Matarazzo é sócio da Tupix Capital.

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