O autor, Rafael Albuquerque; advogado, sócio do Marins Bertoldi Advogado e co-fundador da gestora de patrimônio Catalysis Wealth (Giovana Bertoldi/Divulgação)
Colunista Bússola
Publicado em 22 de maio de 2025 às 13h00.
A sucessão em empresas familiares é um dos maiores pontos de inflexão da governança corporativa. Ela mobiliza dinâmicas emocionais, estratégicas, patrimoniais e reputacionais. A pergunta que assombra muitos conselhos e núcleos familiares é recorrente: “Devo colocar um filho ou um executivo de mercado na liderança do negócio?”
Nos últimos anos, essa dúvida tem sido respondida de maneiras distintas por grupos empresariais no Brasil e no exterior — e, surpreendentemente, com boas soluções em ambos os caminhos. A lição? O problema não está na origem do sucessor, mas na falta de estrutura para garantir legitimidade, alinhamento e governança.
No Brasil, Frederico Trajano no Magazine Luiza e Daniel Randon no Grupo Randon são exemplos robustos de sucessão familiar bem-sucedida. Ambos combinaram legado com inovação, assumindo com preparo técnico, legitimidade interna e visão de futuro. Frederico liderou a digitalização de uma das maiores varejistas do país. Daniel internacionalizou e diversificou a produção da Randon, mantendo a cultura de excelência herdada.
Do outro lado, temos nomes como Beto Abreu, novo CEO da Suzano, que assumiu em julho de 2024 após uma bem planejada transição. Também Augusto Martins Junior, que assumiu a JHSF no início de 2024 após longa carreira no setor financeiro. Ambos foram escolhidos por sua capacidade técnica e por sua aderência à cultura e à visão de longo prazo da companhia — ainda que não tenham laços familiares com os fundadores.
Internacionalmente, o grupo LVMH, liderado por Bernard Arnault, segue preparando seus cinco filhos para comandar divisões do império. Alexandre Arnault lidera a Moët Hennessy. Já a francesa Pernod Ricard é presidida por Alexandre Ricard, neto do fundador, com sólida performance desde 2015. Em contraste, a Estée Lauder nomeou recentemente Stéphane de La Faverie como CEO — rompendo com a tradição familiar. E a Puig, da Espanha, foi além: adotou uma política formal que exclui familiares da gestão executiva, optando por governança 100% profissional.
O que une empresas tão distintas, que optaram por caminhos tão diferentes? A resposta está na qualidade da governança familiar. Protocolos bem definidos, assembleias familiares regulares, conselhos estruturados e pactos claros sobre os papéis de cada membro da família tornam a sucessão menos sobre “quem” e mais sobre “como”.
A ausência de regras alimenta conflitos. A presença de uma governança madura, ao contrário, permite que mesmo sucessores externos sejam bem aceitos — desde que compartilhem os valores da família. Da mesma forma, sucessores familiares mal preparados ou mal legitimados podem comprometer décadas de reputação, mesmo sendo herdeiros diretos.
Mesmo em famílias com recursos e bons candidatos, a sucessão frequentemente emperra. E não por questões técnicas — mas emocionais. Um dos bloqueios mais comuns é a desconfiança do patriarca ou fundador, que tem dificuldade em soltar o comando, seja por falta de confiança no sucessor, seja por medo de perder relevância.
Outros impasses vêm da falta de alinhamento entre irmãos ou primos, divergência entre ramos familiares ou ressentimentos antigos nunca verbalizados. Em alguns casos, há ambiguidade nos papéis: o sucessor começa a exercer poder antes da hora, ou o sucedido não sai de fato, gerando uma liderança dupla e desestabilizadora.
Além disso, há o risco da idealização da liderança familiar — herdeiros que sentem que não podem errar, que precisam provar o tempo todo que “merecem” estar ali, o que afeta seu desempenho e autoconfiança. Essas tensões, se não forem tratadas com governança e diálogo estruturado, podem minar qualquer modelo sucessório, seja familiar ou profissional.
Este roteiro é voltado às famílias empresárias que buscam clareza e segurança no momento de avaliar quem deve liderar a próxima fase da empresa:
Avalie com honestidade: ele ou ela já acumulou vivência prática no negócio ou em experiências externas relevantes? É respeitado pelas lideranças da empresa? Demonstra equilíbrio emocional e capacidade de tomar decisões impopulares quando necessário?
O momento atual pede conhecimento técnico muito específico? A companhia está passando por um processo de reestruturação, internacionalização ou fusão? Nessas situações, um executivo experiente pode ser essencial — ao menos temporariamente.
A família fala a mesma língua sobre o papel dos herdeiros na empresa? Há clareza sobre quem está apto a assumir a liderança — e quem prefere atuar fora do negócio? Se ainda há disputas internas ou ruídos, isso pode enfraquecer qualquer liderança, mesmo que competente.
Existem fóruns institucionais como conselho de administração, conselho de família e assembleia familiar funcionando? A ausência dessas instâncias pode deixar o novo líder — seja familiar ou profissional — vulnerável e sem legitimidade.
Se o herdeiro ainda está em formação, é possível criar um plano de desenvolvimento de médio prazo? Um CEO profissional pode assumir com prazo definido e preparar o caminho para uma transição familiar futura? O tempo pode ser um aliado poderoso se for bem planejado.
Uma ferramenta útil nesse processo é a Matriz de Sucessão, que cruza dois eixos:
Com ela, surgem quatro cenários:
A sucessão familiar pode ocorrer de forma imediata com baixo risco.
O herdeiro pode assumir, desde que tenha suporte de mentores, conselho ativo e equipe profissional de confiança.
A transição pode ser adiada para permitir mais preparo ou assumir de forma limitada, com apoio.
O risco é elevado. Um CEO profissional tende a ser a escolha mais segura neste momento.
A sucessão é menos sobre controle e mais sobre continuidade. E continuidade exige adaptação. O modelo ideal não é o familiar ou o profissional — é o que melhor serve à estratégia da empresa e ao legado da família, sem sacrificar desempenho, valores ou coesão interna.
Empresas que estruturam sua governança familiar com protocolos claros, conselhos ativos e visão de longo prazo conseguem fazer boas escolhas, sejam elas internas ou externas. A sucessão deixa de ser um trauma para virar um processo. E nesse processo, o que importa não é o sobrenome do líder, mas a legitimidade da sua liderança.
Se a pergunta ainda for “família ou mercado?”, a resposta madura é: depende. E é exatamente por isso que a governança familiar é essencial no processo de decisão.
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