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Gestão Sustentável: a legislação antidesmatamento da Europa vai na direção certa, mas é insuficiente

Regulação da União Europeia sobre desmatamento pode reduzir custos em 30%, mas mantém exigência de rastreamento total até 2025

Os ajustes burocráticos anunciados esta semana não mudam o espírito da lei (Agence France-Presse/AFP)

Os ajustes burocráticos anunciados esta semana não mudam o espírito da lei (Agence France-Presse/AFP)

Danilo Maeda
Danilo Maeda

Head da Beon - Colunista Bússola

Publicado em 23 de abril de 2025 às 15h00.

Nosso entendimento sobre sustentabilidade costuma oscilar entre o alívio ‘administrativo’ e a ambição sistêmica. A nova rodada de esclarecimentos da Comissão Europeia sobre a Regulação para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR) ilustra bem esse paradoxo: ao mesmo tempo em que tira peso das costas dos operadores ao permitir o reaproveitamento de declarações de devida diligência e o envio coletivo de documentos por empresas do mesmo grupo, reafirma — sem afrouxar - que o rastreamento segue obrigatório e que o prazo para grandes companhias (30 de dezembro de 2025) continua valendo.

Com as medidas de simplificação, a comissão calcula reduzir em 30 % os custos de adequação, o que soa como música para administradores de empresas que exportam para a União Europeia. Mas o ponto central aqui não é a planilha a menos ou o formulário reaproveitado; é a lógica econômica e ambiental por trás de uma lei que pode — se bem implementada — virar referência global. Eis três razões para defender o avanço da EUDR.

1. Cadeias complexas, práticas melhores

Quando o importador europeu só aceita soja, café ou carne livres de desmatamento, ele envia um sinal que reverbera por toda a cadeia: do trader multinacional ao pequeno produtor na Amazônia Legal. Ao exigir dados georreferenciados e due-diligence anual — em vez de carga a carga, como era a versão original — o bloco cria um incentivo concreto para que cada elo invista em rastreabilidade, regeneração de solo e monitoramento independente. Não se trata apenas de “cumprir tabela”; trata-se de qualificar fornecedores, antecipar riscos reputacionais e, sobretudo, internalizar custos que hoje a floresta paga em silêncio.

2. Internalizar externalidades que hoje pesam sobre a sociedade

Desmatamento é subsídio perverso: gera lucro de curto prazo enquanto socializa perda de biodiversidade, emissões e colapso climático. Fomentar a comprovação de que não houve conversão de florestas é um mecanismo de precificação indireta dessas externalidades negativas. Não mexe (ainda) no preço da tonelada de CO₂, mas desloca custos de fiscalização, satélites e conservação para dentro do balanço das empresas. É uma abordagem econômica indireta para preservar serviços ecossistêmicos.

3. Concorrência mais justa para quem faz o dever de casa

Produtores brasileiros certificados, que já mantêm cadeias auditáveis e investimentos em controle de origem, convivem há anos com a competição desleal de vizinhos que desmatam porque “é mais barato”. Ao nivelar critérios para entrar no mercado europeu, a EUDR protege quem opera dentro da lei, premia eficiência ambiental e gera pressão para que a régua suba em todo o mundo. Em bom português: quem faz certo ganha vantagem competitiva (ou ao menos deixa de ficar em desvantagem).

A lacuna do financiamento climático

Ainda assim, o pioneirismo regulatório não exime a União Europeia de assumir o seu quinhão no princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas do Acordo de Paris. A COP29, em Baku, estabeleceu a Nova Meta Coletiva Quantificada de Financiamento Climático (NCQG): pelo menos US$ 300 bilhões anuais até 2035, com o compromisso de mobilizar US$ 1,3 trilhão por ano, somando fontes públicas e privadas, para apoiar países em desenvolvimento na transição energética e na adaptação.

O número impressiona, mas a conta oficial dos próprios países subdesenvolvidos coloca o desafio em outra ordem de grandeza: eles contabilizam necessidades de financiamento de US$ 5,1 – 6,8 trilhões até 2030 — algo entre US$ 455 e 584 bilhões por ano para ações de mitigação e transição. Já o custo estimado apenas para adaptação cristaliza um déficit ainda mais dramático: de US$ 215 a 387 bilhões anuais até 2030. Ou seja, mesmo que o novo piso de US$ 300 bilhões seja cumprido, seguiremos muito aquém das necessidades reais — sobretudo no capítulo da resiliência, historicamente subfinanciado.

Se pretende exercer liderança moral, portanto, a UE (e os demais países ricos) terá de ir além de metas globais e colocar recursos líquidos, acessíveis e proporcionalmente voltados à adaptação, além de catalisar capital privado com instrumentos de redução de risco. Só assim a regulação que protege florestas poderá caminhar de mãos dadas com a transformação justa das comunidades que dependem delas.

E para o Brasil?

O país pode enxergar a EUDR como ameaça ou como bússola. Ao alinhar suas políticas de controle ao calendário europeu, ganha tempo para integrar CAR, satélite e certificadoras independentes num ecossistema de dados interoperável. Mais importante: antecipar-se cria reputação e abre caminho para captar recursos de adaptação, hoje sub-utilizados por falta de projetos.

Os ajustes burocráticos anunciados esta semana não mudam o espírito da lei — e esse é o recado decisivo. A chamada lei anti desmatamento segue sendo um instrumento de mercado para proteger florestas e induzir inovação em cadeias globais. Se a Europa combinar regulação robusta com financiamento climático proporcional à sua responsabilidade histórica, teremos não só papéis melhor preenchidos, mas um passo efetivo rumo a uma economia que reconhece o valor real da floresta em pé.

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