Se conseguirmos dar coerência ao que já existe, a Conduta Empresarial Responsável pode se converter em grande motor de competitividade (10'000 Hours/Getty Images)
Diretor-geral da Beon - Colunista Bússola
Publicado em 23 de junho de 2025 às 10h00.
Quando falamos em sustentabilidade corporativa, frequentemente nos perdemos em siglas e relatórios vistosos que pouco dizem sobre a essência do problema: empresas existem para criar valor, mas fazem isso — muitas vezes — transferindo custos para a sociedade e para o planeta. A noção de Conduta Empresarial Responsável (CER) surge justamente para enfrentar esse paradoxo.
Inspirada nas Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais, na Declaração da OIT e nos Princípios Orientadores da ONU, a CER estabelece uma expectativa simples e, ao mesmo tempo, transformadora: negócios devem contribuir para o desenvolvimento econômico sem violar direitos humanos, degradar o meio ambiente ou fragilizar instituições. Isso implica submeter decisões a processos de devida diligência capazes de identificar, prevenir, mitigar e remediar impactos adversos em toda a cadeia de valor. Em outras palavras, abandonar a lógica do “cumprir a lei e ponto” para abraçar uma gestão de risco robusta, voltada ao longo prazo, que gera lucro sem externalizar prejuízos.
O Estudo da OCDE sobre a Política de Conduta Empresarial Responsável no Brasil aprofunda o entendimento do tema ao mostrar que o País já dispõe de uma sofisticada engrenagem legal: Constituição protetiva, legislação trabalhista detalhada, arcabouço ambiental admirado mundo afora, adesão a tratados internacionais de direitos humanos e combate à corrupção. No entanto, o relatório aponta uma engrenagem sem correia de transmissão. Há normas, mas falta coerência entre elas; há programas, mas escassez de metas, orçamento e monitoramento; há boas intenções, mas implementação ainda frágil.
Ainda que o Brasil ratifique sete das oito convenções fundamentais da OIT, convive (conforme dados da PNAD‑IBGE de 2019) com trabalho infantil que atinge quase dois milhões de meninos e meninas e com um mercado onde mais de um terço da força de trabalho permanece na informalidade. E, apesar de constar entre os maiores exportadores de commodities agrícolas e minerais, o País participa timidamente das cadeias globais de valor, perdendo espaço para concorrentes que entregam não só produto, mas também rastreabilidade, respeito à terra indígena e carbono rastreado.
Nada disso deveria causar espanto. A OCDE ressalta que, sem integrar a CER às políticas públicas de desenvolvimento, continuaremos patinando em desafios históricos: desigualdade gritante, produtividade estagnada, baixa confiança de investidores e consumidores. A ausência de um alinhamento claro entre instrumentos econômicos e metas socioambientais empurra o Brasil para a periferia de uma economia mundial que, cada vez mais, precifica risco ESG.
Se conseguirmos dar coerência ao que já existe, a Conduta Empresarial Responsável pode se converter em grande motor de competitividade. Planos em gestação, como o Plano de Ação Nacional sobre CER (PACER) e o Plano de Ação sobre Empresas e Direitos Humanos, oferecem oportunidade rara de harmonizar objetivos, definir indicadores comuns e, sobretudo, criar incentivos que façam sentido para quem está na ponta.
Compras públicas, por exemplo, representam cerca de doze por cento do PIB brasileiro; imaginar esse poder de compra exigindo devida diligência em direitos humanos e clima significa, na prática, arrastar todo um ecossistema de fornecedores rumo à formalização, à eficiência e à inovação. Linhas de financiamento do BNDES, quando condicionadas a critérios de CER, têm potencial para atrair capital internacional de baixo custo que já exige governança socioambiental crível.
Cadeias responsáveis tendem a reduzir litígios, melhorar qualidade, fortalecer marca empregadora e, consequentemente, elevar produtividade. Estudos da própria OCDE indicam correlação direta entre empresas que praticam a devida diligência e melhor performance financeira de longo prazo. Ao formalizar milhões de trabalhadores hoje invisíveis ao fisco, ampliamos a base contributiva, desafogamos contas públicas e diminuímos o fosso social que separa Norte e Sul, campo e cidade, brancos e negros.
Quem primeiro entender que responsabilidade é requisito de mercado e motor de produtividade dará o passo decisivo. O Brasil tem todos os ingredientes para fazê‑lo. Falta apenas alinhar discurso, orçamento e fiscalização aos mesmos princípios que já juramos defender.
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