ESG é um campo em rápido crescimento, mas que ainda possui muitas áreas pouco exploradas. (Freepik)
Diretor-geral da Beon - Colunista Bússola
Publicado em 10 de outubro de 2025 às 10h00.
O recente estudo “Doughnut of social and planetary boundaries” publicado na Nature é um choque de realidade.
Por meio da atualização do modelo “donut”, os autores mostram que continuamos em um mundo desequilibrado, no qual o modelo vigente falha duplamente.
Mesmo com o crescimento expressivo do PIB global — que mais do que dobrou entre 2000 e 2022 — os avanços na redução dos déficits sociais foram modestos, e ainda estão muito aquém do ritmo necessário para atender a todas as pessoas até 2030.
O estudo mostra que, atualmente, ao menos 2 bilhões de pessoas continuam abaixo dos limiares mínimos em diversos indicadores, como nutrição, acesso à água potável, segurança social e participação política.
Os indicadores que apresentam o quanto ultrapassamos as fronteiras planetárias deterioraram-se fortemente nos últimos 20 anos.
A mediana de sobrecarga aumentou de 75 % para 96 % além dos limites ecológicos, e múltiplas dimensões dobraram sua violação nesse intervalo (em particular efeito estufa, químicos perigosos, fósforo e uso de nitrogênio).
Esse diagnóstico revela a face cruel deste duplo fracasso: continuamos incapazes de garantir condições mínimas de dignidade humana, ao mesmo tempo em que destruímos a base natural que sustenta todo esse potencial de vida e bem-estar.
Não é apenas uma crise ambiental ou social isolada — é uma crise sistêmica, que mostra até que ponto nosso modelo é incoerente por fundar seu progresso sobre a destruição do próprio meio onde deveria florescer.
Mas se há um contraponto que merece destaque, é o exemplo da recuperação da camada de ozônio.
Ao longo das últimas décadas, mobilização científica, articulação diplomática e regulação de substâncias nocivas (sob protocolos como o de Montreal) conseguiram reverter — ainda que parcialmente — um dos mais graves desequilíbrios da atmosfera.
Essa vitória ambiental ilustra que não estamos completamente indefesos, se houver vontade coletiva e capacidade de coordenação.
A ozonosfera nos ensina algo crucial: quando a meta é clara e o problema suficientemente circunscrito, governos, ciência, indústrias e sociedade civil podem convergir em soluções transformadoras.
Porém, o desafio que enfrentamos hoje é ainda mais árduo — não se trata apenas de um vilão, mas de uma teia complexa de interdependências climáticas, bióticas, hídricas, sociais e econômicas.
Em outras palavras, estamos diante de sistemas acoplados, retroalimentados, atravessados por desigualdades e assimetrias de poder, e tudo isso exige uma forma de ação muito mais sofisticada.
Se a recuperação da camada de ozônio demonstrou que limites ecológicos não são destinos irrevogáveis, o desafio atual é estender esse tipo de mobilização para a restauração e regeneração em múltiplas frentes — biodiversidade, carbono, solos, ciclos de nutrientes, uso da água, etc.
Mas fazer isso em escala global requer uma arquitetura institucional renovada: pactos internacionais mais robustos, mecanismos de financiamento ambiciosos, compromisso de longo prazo, monitoramento contínuo e responsabilização.
A mensagem da Nature — ao apresentar esse novo “donut” — é clara: para vivermos entre o limite social mínimo e o teto ecológico, precisamos acelerar dramaticamente o ritmo de transformação. Os dados não nos permitem mais seguir em compasso de espera.
Se nos inspirarmos na recuperação da camada de ozônio, reconhecendo ao mesmo tempo que os problemas contemporâneos são interconectados e mais difíceis, pode haver caminho para um novo paradigma — um paradigma que não transforme os limites planetários em obstáculos à vida, mas em critérios estruturantes do próprio projeto de civilização.