Liderar, hoje, é mais sobre criar condições de sentido do que garantir respostas (Stephen Swintek/Getty Images)
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Publicado em 1 de agosto de 2025 às 15h00.
Por Luiza Caixe Metzner
Vivemos uma crise silenciosa, mas contundente, no coração das organizações: a crise da liderança. Não aquela que se resolve com treinamentos sobre soft skills ou com redesenho de estruturas hierárquicas. Falamos aqui de algo mais profundo, estrutural e existencial: um descompasso entre o modelo mental herdado do século XX e as exigências líquidas, ambíguas e ansiosas do século XXI.
O papel do líder, outrora sustentado pela lógica da previsibilidade, do controle e da autoridade técnica, foi implodido por uma realidade em constante mutação e o que temos agora, em muitos casos, são cargos ocupados por pessoas que já não reconhecem os próprios papéis. A liderança se tornou uma função performática, mantém a aparência de poder, mas esvaziada da influência transformadora que lhe deu origem.
Esse vácuo tem causas múltiplas, mas um ponto de origem inegociável: a imprevisibilidade. No ambiente atual, volatilidade não é exceção, mas norma. Rituais, processos e métricas que antes conferiam segurança tornaram-se insuficientes, quando não irrelevantes.
Isso exige uma reconfiguração cognitiva que muitos líderes ainda não foram preparados para realizar. O raciocínio linear, orientado por planos de longo prazo e controle progressivo, cede espaço à urgência por decisões baseadas em dados parciais, sob forte pressão emocional e em cenários de alto ruído.
A resposta instintiva a esse novo contexto é mais controle, detalhamento, rituais, o que apenas agrava a paralisia. Em vez de gerar clareza, acentua a ansiedade e a desconexão.
Uma pesquisa da Harvard Business Review mostra que 96% dos líderes entrevistados se sentem estressados e 33% estão cronicamente esgotados. A constatação não surpreende: o modelo de liderança predominante ainda está ancorado na lógica do especialista que detém a resposta. Mas o que se espera agora é uma liderança baseada em escuta ativa, presença intencional, experimentação contínua e, sobretudo, disposição para sustentar o desconforto sem cair na imobilidade. Não se trata mais de oferecer a resposta certa para sempre, mas sim a melhor resposta possível para agora.
Esse descompasso já apresenta sintomas evidentes: líderes sobrecarregados, emocionalmente distantes, imersos em tarefas operacionais e evitativos no contato com suas equipes. A liderança, em muitos lugares, deixou de ser espaço de influência e se converteu em um lugar de sobrevivência. A cultura organizacional absorve essa lacuna e a reproduz: colaboradores sentem-se sem diretriz, gestores recuam e o ambiente torna-se emocionalmente opaco.
Em um país como o Brasil, segundo no ranking mundial de transtornos de ansiedade, de acordo com a OMS, a instabilidade emocional se infiltra no tecido produtivo como norma silenciosa. O esgotamento não aparece nos relatórios trimestrais, mas se impõe nas reuniões vazias de sentido, nos feedbacks automatizados, na liderança desidratada de potência.
A liderança tradicional falha não apenas por sua ineficiência, mas por reforçar um paradoxo: ela promete segurança, mas se tornou parte da insegurança. Ainda se espera do líder uma espécie de onipresença, alguém que inspire, controle, inove, desarme conflitos, abrace a agenda ESG, incorpore a IA e, de quebra, conduza com excelência emocional. Trata-se de uma expectativa inflacionada, que desconsidera a erosão progressiva das condições reais de trabalho e o colapso da linearidade organizacional.
A aceleração tecnológica, com a incorporação forçada de inteligência artificial, impõe uma camada adicional de complexidade. Os líderes, muitas vezes, são pressionados a usar tecnologias que mal compreendem, e a tomar decisões com base em insights que não dominam. O resultado é uma ansiedade operativa crônica — uma sensação de que tudo é urgente, mas nada é, de fato, prioridade.
Insistir no modelo mental da liderança como controle, não é apenas anacrônico, mas contraproducente. A nova liderança não será medida pela ausência de erros, mas pela capacidade de reaprendizado. Não será admirada pela eloquência em comitês, mas pela coragem de sustentar a dúvida e a escuta num ambiente em que todos pedem certezas.
Liderar, hoje, é mais sobre criar condições de sentido do que garantir respostas, ou até mesmo sobre sustentar a ambiguidade do que eliminar riscos. Isso exige uma transformação institucional: redesenhar contratos psicológicos, atualizar expectativas e educar para um novo protagonismo menos heróico, mais relacional e adaptável.
O futuro da liderança, se é que podemos falar dele, não será moldado por quem detém cargos, mas por quem tiver disposição de reocupar, com profundidade e presença, os espaços simbólicos e práticos do cuidado, da escuta e da clareza possível.
Não há curso de fim de semana que ensine isso. Nem keynote inspirador que resolva. Há apenas o trabalho lento, coletivo e profundamente humano de aprender a estar presente no que está por vir.
*Luiza Caixe é diretora de RH da Paschoalotto.
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