Brasil está aos poucos chegando na abertura total do mercado livre de energia (Hispanolistic/Getty Images)
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Publicado em 29 de maio de 2025 às 10h00.
Por João Mello* e Victor Ribeiro**
A abertura total do mercado de energia, determinada recentemente pela Medida Provisória no 1.300/2025 do Governo Federal para 2026 (pequenos comércios e indústrias) e 2027 (unidades residenciais e rurais), representa um avanço para a modernização do setor elétrico brasileiro. Momento muito esperado pelo mercado desde 1995 com o marco legal que criou o mercado livre.
Após 30 anos, o Poder Executivo acertadamente mira em ampliar o benefício para todos os consumidores, fomentando a concorrência, a inovação e a personalização dos serviços, além de possibilitar a redução de custos.
A mudança costuma gerar reações. Há ainda percepções de que o ambiente livre seria voltado apenas aos grandes consumidores. No entanto, essa dinâmica é comum em diversos países, onde o processo começa com os maiores usuários e, gradualmente, avança para o varejo.
É natural que, em um ambiente novo, a gestão de riscos seja parte da jornada, e como em qualquer mercado, há ganhos e perdas. O importante é que existam campanhas de informação acessíveis e instrumentos de proteção aos consumidores. Com um marco regulatório sólido, mecanismos de mitigação de riscos e estímulo à inovação, o Brasil pode trilhar um caminho bem-sucedido, como já ocorreu em países como Reino Unido, Austrália e Estados Unidos.
O Reino Unido é um caso emblemático. No início de 2021, os preços do gás natural no mercado atacadista registraram alta de até 500% em relação aos níveis pré-pandemia, impulsionados pela combinação de baixa oferta global e aumento da demanda no período posterior à crise sanitária. Tal volatilidade impactou diversas empresas, o que levou a falência da Bulb Energy e de outras 28 comercializadoras.
Na crise, estimava-se que o custo para os contribuintes poderia chegar a 5 bilhões de libras esterlinas, envolvendo a exposição de 1,7 milhão de consumidores. Contudo, esse cenário não se concretizou e seu desfecho foi positivo.
Em 2022, a Octopus Energy adquiriu a Bulb e assumiu o fornecimento de eletricidade. O governo britânico, que inicialmente interveio para evitar descontinuidade, obteve lucro no processo, sem repassar custos aos consumidores. Mais importante: a experiência catalisou aperfeiçoamentos regulatórios.
Outro mecanismo relevante adotado internacionalmente é o Supridor de Última Instância (SUI), que garante o fornecimento contínuo mesmo diante de falhas de comercializadoras. O Reino Unido, entre outros países, já implementa esse modelo com sucesso.
A experiência da Austrália, por sua vez, revela que consumidores que comparam e trocam de fornecedor economizam até 400 dólares australianos por ano. No Texas (EUA), o mercado varejista demonstrou uma queda de 10,8% nas tarifas ao longo de 15 anos, superando o desempenho do mercado cativo no mesmo período.
Ao permitir a livre escolha, a abertura do mercado contribui para um setor mais competitivo e eficiente, além de evitar a dependência exclusiva de modelos como a micro e minigeração distribuída (MMGD). De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), nos últimos cinco anos, a modalidade em que o consumidor gera a própria energia saltou de 2,3 GW, registrados no início de 2020, para 36,3 GW no mesmo período de 2025. O crescimento robusto demonstrou o apetite dos consumidores por opções de fornecimento de energia em que possam ter mais autonomia e economia.
A abertura total do mercado de energia no Brasil tem potencial para gerar benefícios ainda subestimados, especialmente no que diz respeito à redução de custos para os consumidores. Grande parte das projeções ignora o impacto da tecnologia e de modelos tarifários inovadores. Já existem plataformas automatizadas, que identificam e contratam, de forma autônoma, a opção de fornecimento mais econômica, sem exigir qualquer ação do consumidor. Essas ferramentas se remuneram com base na economia gerada, o que as torna ainda mais atrativas.
O governo federal atual já adotou acertadamente uma rota de abertura em médio prazo, e o mercado de energia está aplaudindo de forma intensa. Uma pergunta clara de todos é porque não acelerar então? Vamos popularizar a eficiência para todos de forma equilibrada e com respostas do mercado!
*João Carlos Mello é CEO e fundador da Thymos Energia, liderando os projetos de Consultoria, P&D e Gestão. É membro da Academia Nacional de Engenharia e diretor-presidente do Cigré Brasil. Mello é doutor e mestre em Engenharia Elétrica pela PUC-RJ. Já esteve à frente da Andrade & Canellas (A&C) e atuou no Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (CEPEL).
**Victor Ribeiro é Strategic Consultant na Thymos Energia e doutorando em Engenharia Elétrica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Com 29 anos de experiência no setor elétrico brasileiro, é especialista em iniciativas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).
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