Na era da IA, ser médico é colocar o ser humano em primeiro lugar (Halfpoint Images/Getty Images)
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Publicado em 21 de outubro de 2025 às 10h00.
Última atualização em 21 de outubro de 2025 às 10h41.
Por Helton Freitas*
A reflexão sobre a relevância da formação e do exercício da medicina segue essencial em nossa sociedade.
É fundamental que a atuação médica mantenha o ser humano no centro de um cuidado integral, com um olhar atento à promoção da saúde, ao bem-estar e à qualidade de vida.
Nossa profissão não pode ser meramente escolhida em um menu de ofícios, levando em conta somente aspectos como renda e possibilidade de sucesso.
Até porque enfrentamos, diariamente, grandes desafios: desde questões estruturais e bioéticas até a complexa e necessária compreensão do processo saúde-doença.
Para abordar esses temas com excelência, todos os médicos e médicas exigem e merecem: conhecimento, treinamento de ponta e acesso contínuo às tecnologias que aprimoram o cuidado. Mas isso está longe de ser suficiente.
Se exerce com boa formação, residência, experiências e oportunidades, a partir da vocação, do desejo inquebrantável de dedicar sua vida para melhorar a saúde das pessoas.
Os princípios da qualidade em saúde consolidados pelo médico libanês Avedis Donabedian (1919–2000) continuam sendo referência mundial na avaliação de sistemas e práticas médicas:
A relação médico-paciente, nesse contexto, é expressão concreta de ética, empatia e responsabilidade.
Em nossa formação universitária, recebemos as bases da medicina. Com elas, inicia-se uma trajetória de prática e de aprendizado contínuo que acompanham os avanços da ciência e tecnologia.
É o caso, por exemplo, da inteligência artificial (IA), já há algum tempo instrumento inestimável de suporte à atividade médica no consultório, no hospital, na academia e na gestão de empresas e cooperativas de saúde.
O Brasil tem grandes expoentes na medicina e na pesquisa médica, hospitais que são centros de excelência, o maior sistema do cooperativismo médico mundial e o Sistema Único de Saúde (SUS), maior rede pública de atendimento do mundo.
Pesquisa Demografia Médica no Brasil, feita pela Associação Médica Brasileira (AMB), pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e pelo Ministério da Saúde, mostra a desigualdade.
Não é apenas estatística: é o acesso que muda conforme o CEP.
Sob diversos aspectos, a proliferação de faculdades de medicina mais nos preocupa do que nos tranquiliza. Em menos de dois anos, o Ministério da Educação aprovou 77 novos cursos de medicina.
Atualmente, há quase 500 cursos em funcionamento, 80% deles em instituições de ensino privadas.
A proliferação de cursos reacende o debate sobre a precarização do ofício, sobretudo porque o país ainda não superou desafios elementares de infraestrutura para que esses novos profissionais possam exercer, na prática, a medicina.
A ampliação dos cursos de medicina sem o aumento proporcional de vagas de residência cria defasagem preocupante.
Sem essa base prática e ética, multiplicam-se formações distantes das realidades em que os médicos atuarão, das responsabilidades que a profissão impõe e do papel que devem exercer na construção e no aperfeiçoamento do próprio sistema de saúde.
Para que os médicos possam atuar além dos grandes centros, é fundamental oferecer carreiras com remuneração adequada e infraestrutura, a fim de que exerçam plenamente sua função social e assegurem um cuidado resolutivo e equitativo em todas as regiões do país.
Com a IA e os demais avanços da tecnologia, abre-se a nós, médicos, a possibilidade de sermos cada vez mais empáticos e humanos.
Quanto mais evoluem os instrumentos, mais essencial se torna o olhar que acolhe, interpreta e cuida. O olhar atento do médico continua e continuará sendo o maior diferencial da medicina.
*Helton Freitas é médico sanitarista e presidente da Seguros Unimed.