(andreswd/Getty Images)
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Publicado em 23 de setembro de 2025 às 15h00.
Última atualização em 23 de setembro de 2025 às 15h06.
*Por Marcelo Vitoriano
No encerramento do CONARH 2025, o maior congresso de gestão de pessoas da América Latina, o tema escolhido para a mesa principal não foi tecnologia, liderança ou inteligência artificial. Foi a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.
O fato, por si só, já é revelador: se a última palavra de um evento dessa magnitude é dada à inclusão, é porque o tema deixou de ser apenas pauta social e se tornou questão estratégica e incontornável para o futuro das organizações.
Eu estava no palco ao lado do ex-jogador paralímpico Mizael Conrado, da presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Wandreza Bayona, CEO do Instituto Social SER+, e Heloísa Rios, presidente do Conselho Paralímpico Brasileiro.
Um quarteto diverso que representava, cada um à sua maneira, as diferentes frentes da luta pela equidade: o ativismo social, o protagonismo esportivo, a mobilização institucional e a experiência prática de inserção no mercado de trabalho.
A escolha desse painel para encerrar o evento mais importante do setor foi simbólica, a inclusão saiu do rodapé da pauta e ocupou o centro do palco.
Afinal, no Brasil, há uma conta que não fecha. Pela lei de cotas, empresas com cem ou mais funcionários deveriam empregar entre 2% e 5% de pessoas com deficiência.
Na prática, isso significaria ao menos 1 milhão de trabalhadores formais. A realidade é outra: pouco mais de 500 mil vínculos ativos foram registrados em 2023, segundo o Ministério do Trabalho. Metade da meta nunca saiu do papel, deixando pessoas talentosas fora da formalidade.
O dado é mais do que um número. Ele traduz uma realidade em que a diversidade é celebrada em relatórios de sustentabilidade e em campanhas institucionais, mas a inclusão, de fato, permanece incompleta.
Entre as diferentes deficiências, há uma dimensão ainda mais invisível: a das pessoas com transtorno do espectro autista (TEA). Não é incomum encontrar profissionais autistas altamente qualificados, como programadores, analistas de dados, designers, pesquisadores, que nunca ultrapassaram a barreira da entrevista de emprego.
O problema não está na competência técnica, mas nas normas sociais implícitas, em processos seletivos engessados e na ausência de ambientes adaptados.
De acordo com o The Office for National Statistics mostra que apenas 22% dos adultos autistas estão empregados em algum tipo de emprego.
É um índice que escancara o paradoxo: enquanto empresas clamam por inovação e diversidade de pensamento, continuam excluindo justamente aqueles que poderiam oferecer novas perspectivas.
Não se trata apenas de cumprir uma lei. Trata-se de reconfigurar a cultura organizacional. Incluir pessoas autistas e pessoas com deficiência em geral, significa repensar reuniões, flexibilizar rotinas, adaptar sistemas de comunicação e reconhecer talentos que muitas vezes não se expressam pelos mesmos códigos sociais.
Pesquisas da Harvard Business Review mostraram que equipes diversas são 20% mais eficientes em inovação. Isso não acontece por acaso, a diversidade cognitiva, de modos de pensar, processar informações e resolver problemas amplia as possibilidades de resposta em cenários cada vez mais incertos.
O autismo, nesse contexto, não é apenas um diagnóstico clínico, mas uma lente que enriquece o repertório coletivo.
É nesse ponto que se distingue o discurso da prática. Empresas que transformam não apenas entregam resultados melhores, mas também constroem uma sociedade mais justa.
A inclusão de autistas e de pessoas com deficiência não pode se limitar a relatórios ou a fotos em campanhas de marketing. É preciso desenhar ambientes onde todos possam não apenas estar presentes, mas contribuir, crescer e prosperar.
A diversidade já está nos relatórios e a inclusão já chegou às pautas estratégicas. O que falta agora é ação consistente: contratar, adaptar ambientes e garantir condições reais de permanência e crescimento. Só assim o Brasil vai conseguir fechar a conta que insiste em não bater.
*Marcelo Vitoriano é CEO da Specialisterne Brasil