A LGPD, em vigor desde 2020, obriga as empresas a explicitar por que coletam dados e como os utilizam. No caso de monitoramento, isso só é possível após o aceite formal do colaborador (lechatnoir/Getty Images)
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Publicado em 17 de setembro de 2025 às 15h00.
Última atualização em 17 de setembro de 2025 às 15h01.
Por Bruno Gomes*
As recentes demissões em larga escala no setor financeiro, justificadas pela alegação de fraude em registros de ponto, trouxeram à tona uma discussão urgente: até onde vai a responsabilidade das empresas no controle da jornada de trabalho em regime remoto e qual é o limite entre monitoramento legítimo e invasão de privacidade? O sindicato da categoria acusou a adoção de vigilância secreta e ofensiva, enquanto a instituição alegou necessidade de proteger sua operação.
O episódio reacende um debate que vai muito além do universo bancário: como equilibrar produtividade, compliance, segurança da informação e respeito à intimidade em tempos de home office e trabalho híbrido?
Nos últimos anos, empresas de todos os portes passaram a investir em ferramentas de Mobile Device Management (MDM) para gerenciar celulares, tablets e notebooks corporativos. A lógica é simples: em campo ou em home office, esses equipamentos dão acesso a dados estratégicos, de médicos a clientes de varejo, de endereços a prontuários financeiros. A ausência de controle abre portas para vazamentos por meios tão banais quanto um print de tela enviado por WhatsApp.
Os softwares de MDM, oferecidos por gigantes de tecnologia e também por startups brasileiras, permitem criar listas de aplicativos autorizados, definir rotinas de trabalho, geolocalizar dispositivos, bloquear funções durante deslocamentos e até integrar dados de conversas a CRMs corporativos. Custam de versões básicas gratuitas até pacotes de alguns dólares por usuário.
O quanto disso tudo fere ou respeita a privacidade dos colaboradores? A LGPD, em vigor desde 2020, obriga as empresas a explicitar por que coletam dados e como os utilizam. No caso de monitoramento, isso só é possível após o aceite formal do colaborador em políticas claras e transparentes. Ainda assim, a subjetividade da lei gera insegurança: termos genéricos como “medidas adequadas” permitem interpretações que variam entre a proteção de dados e o risco de arbitrariedades.
Um estudo da Logicalis mostrou que apenas 36% das médias empresas estavam totalmente adequadas à LGPD em 2023. E se adequar não é o maior obstáculo: manter conformidade exige investimentos contínuos em processos e tecnologia. Não à toa, cresce a pressão para que a legislação traga parâmetros mais objetivos, checklists técnicos e até incentivos fiscais ou vantagens em licitações para organizações certificadas em padrões como ISO 27001 e 27701.
No limite, o dilema atual é um reflexo de um mundo em transição: empresas querem eficiência e segurança, enquanto trabalhadores exigem confiança e autonomia. O desafio é construir um modelo em que a tecnologia seja aliada do compliance sem virar instrumento de assédio. As demissões em massa abriram uma ferida, mas também podem representar uma oportunidade para amadurecer o debate sobre governança digital, home office e direitos fundamentais.
*Bruno Gomes é CEO da BTB Soluções.