Gás natural e biometano podem ser solução para emissão de GEEs no transporte rodoviário (Scania/Getty Images)
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Publicado em 1 de outubro de 2025 às 10h00.
Por Augusto Salomon*
O transporte rodoviário é o sistema circulatório da economia brasileira. Desde os anos 1950, quando o país optou pelas estradas em vez de ferrovias e hidrovias, caminhões e ônibus se tornaram essenciais para a logística nacional, movimentando cargas e passageiros.
Mas essa dependência cobra caro: embora representem aproximadamente 4% da frota de 123,9 milhões de veículos, segundo levantamento feito em 2024 pela Veloe em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), as chamadas frotas pesadas são responsáveis por uma fatia desproporcional das emissões de gases causadores de efeito estufa (GEE) e de poluentes que afetam diretamente a saúde da população.
Boa parte dos 4,9 milhões de caminhões e ônibus circulam com diesel, que, em 2024, teve 12 milhões de toneladas vindas do exterior, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
O Brasil segue refém de um combustível caro e poluente, ignorando o gás natural e o biometano – duas alternativas que já transformam positivamente o meio ambiente em outros países.
Do ponto de vista de emissões, o uso do gás natural, em média, gera 27% menos CO2 por unidade de energia gerada (BTU – British Thermal Unit) do que o óleo diesel, consumidos por automóveis, caminhões e ônibus, de acordo com estudo feito em 2016 pela agência estatística dos Estados Unidos, o Energy Information Administration (EIA).
Já o biometano, na comparação com o diesel, apresenta valores de intensidade de carbono 89,4% menores do que o diesel, segundo nota técnica publicada em julho deste ano pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), braço de planejamento do Ministério de Minas e Energia (MME).
Diante desses dados, fica claro qual é o melhor caminho para a gradual substituição do diesel. Gás natural e biometano têm exatamente a mesma molécula, CH4, conforme especificações da ANP.
E já existem no Brasil um sem número de opções de caminhões e ônibus, com diversas configurações de motores e chassis, lançados por montadoras renomadas como Scania, Iveco e MWM, inclusive com produção nacional.
Essa via é estratégica para a economia nacional. O Brasil tem 546 bilhões de m³ de reservas provadas de gás natural e, ainda assim, reinjeta até 90 milhões de m³/dia, de acordo com dados da ANP. E essa reinjeção acontece basicamente por duas razões: infraestrutura insuficiente e falta de políticas públicas coordenadas para desenvolver o mercado.
Ao mesmo tempo, sem investir nessa solução, o Brasil desperdiça o potencial do biometano, combustível renovável produzido a partir de resíduos agroindustriais e urbanos, que já se mostrou competitivo — em chamadas públicas, o custo ficou em torno de R$ 2,90/m³, mais barato que o diesel importado.
É uma avenida segura, com resultados comprovados. A China chegou a ter 30% das vendas de caminhões pesados movidos a gás natural; a Índia transformou o ar de Nova Déli com uma frota de mais de 5.700 ônibus a gás; e a Europa mantém o gás e o biometano integrados à transição energética mesmo com o avanço dos elétricos.
Se o Brasil destinasse ao mercado interno apenas uma parte do gás hoje reinjetado — cerca de 18 bilhões de m³/ano — seria possível atender aproximadamente 10% da frota nacional de caminhões.
Isso significaria, em um cálculo rápido, uma receita bruta anual de R$ 105 bilhões, além de até R$ 29 bilhões em tributos e R$ 8 bilhões em royalties – recursos que fortaleceriam os cofres públicos e dinamizariam a cadeia de energia.
A substituição do diesel por gás natural ou biometano também traz ganhos sócio-econômico-ambientais imediatos: menor custo por quilômetro rodado, menos ruído e maior vida útil de componentes mecânicos. Outros resultados comprovados, em cidades como Madri e Bogotá, é a melhora na qualidade de ar.
Nos ônibus, por exemplo, as emissões de material particulado – fuligem que é nociva para a saúde – caem até 95%. Se 30% da frota urbana migrasse para gás ou biometano, poderia ser evitado o lançamento na atmosfera um volume superior a 2 milhões de toneladas de CO₂ por ano.
Com tantas evidências positivas, o que mais falta? É hora de desenvolver um programa nacional robusto para estimular essa transição energética eficiente. E são muitas as políticas públicas que podem ser eficazes e podem ser listadas:
O Brasil tem abundância de recursos, tecnologia disponível e necessidade urgente de modernizar sua frota. O que não pode faltar é decisão política. A COP-30 em Belém pode ser a chance de mostrar ao mundo que o País tem condições de transformar o setor de transporte em um vetor de competitividade, desenvolvimento e saúde pública, com impactos ambientais positivos para o planeta. A oportunidade está posta. O risco é deixá-la escapar.
*Augusto Salomon é consultor da Compass.