MP 1.304 oficializa incoerência (Getty Images)
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Publicado em 26 de novembro de 2025 às 10h00.
Por Bernardo Bezerra*
Desde a COP21, quando 195 países se comprometeram com o Acordo de Paris, virou uma tradição chegarmos ao fim das conferências do clima com compromissos tímidos para conter o aquecimento global.
Após duas edições sediadas em países fundamentalmente dependentes do petróleo, como os Emirados Árabes Unidos e o Azerbeijão, a COP30 brasileira prometia ares novos.
Com 88% da matriz elétrica formada por fontes renováveis — hidrelétricas, eólicas, solares e biomassa — somos, em tese, o exemplo que o mundo buscava. Energia limpa e barata é, sem dúvida, o nosso maior ativo ambiental.
Temos vento e sol em abundância, tecnologia, empresas competentes e escala. Temos, sobretudo, a oportunidade de transformar essa vantagem natural em uma política industrial verde capaz de mudar a vida de milhões de brasileiros, especialmente no Nordeste.
Essa energia poderia sustentar novos ciclos de crescimento: da maior industrialização do agro à transformação do Brasil em um polo global de inteligência artificial — setor que exigirá energia limpa, eficiente e barata em escala inédita, com investimentos estimados em US$ 10 trilhões na próxima década. Poderia.
Enquanto as cortinas se fecham em Belém e o mundo se despede do Brasil, a decisão presidencial sobre a MP 1.304 envia um sinal desastroso.
Ao sancionar a contratação de termelétricas a carvão e vetar o ressarcimento às eólicas pelos cortes de geração, o governo oficializa a incoerência.
A lei sancionada impõe a contratação de fontes caras, ineficientes e de alta emissão de CO₂ — um aumento potencial de 14 MtCO₂/ano nas emissões, justamente quando o mundo exige coerência climática.
Não é apenas um aceno ao passado fóssil; é uma condenação do nosso futuro. Estamos contratando poluição para as próximas décadas, elevando o custo estrutural do sistema e enfraquecendo as metas de descarbonização que o próprio país defendeu nos palcos da conferência.
O Brasil é um dos poucos países capazes de expandir sua oferta de energia limpa sem subsídios.
Dispõe de preceitos regulatórios sólidos e de recursos para combinar fontes renováveis de alta eficiência à geração a gás flexível, garantindo uma equação que pode tornar nossa energia a mais competitiva do mundo.
A indústria renovável de grande escala — que poderia prover energia limpa, barata e crescente, com boa parte de sua cadeia produtiva já instalada e fabricando equipamentos no país — tem sido penalizada por políticas sem fundamento.
São medidas que fomentam fontes caras e ineficientes, como o carvão, ou modelos de incentivo custosos, como o da microgeração distribuída (MMGD).
Políticas ruins perpetuam distorções e desmantelam cadeias estratégicas, como a eólica, que viu diversos fabricantes de turbinas e componentes encerrarem suas operações no Brasil nos últimos anos.
Perder essa cadeia e substituí-la por fontes mais caras custaria à sociedade entre R$ 78,8 bilhões e R$ 196,6 bilhões, segundo a Tendências Consultoria.
Logo no início da conferência de Belém, o presidente Lula escreveu: “A COP 30 será a hora da verdade.” De fato, foi. E a verdade é dura. O Brasil precisava mostrar que seu discurso se traduzia em escolhas concretas.
Ele é abandonar o financiamento de térmicas caras e incentivos ineficientes, como as trazidas pela MMGD, ou proteger a competitividade da economia verde robusta, ancorada em recursos renováveis abundantes e tecnologias eficientes.
O que está em jogo não é apenas coerência ambiental, mas o posicionamento estratégico do país em um mundo que a energia limpa eficiente e a eletrificação poderão definir vencedores.
A “COP da Verdade”, como disse o presidente, encerra-se infelizmente como a COP da Oportunidade Perdida.
O Brasil não precisava escolher entre crescer e descarbonizar. Poderia fazer ambos — e melhor do que ninguém. Mas, ao apagar das luzes da conferência, escolheu financiar o problema e vetar a solução.
*Por Bernardo Bezerra, Diretor de Regulação e Inovação da Serena.